Título: Cooperação econômica global ou desastre
Autor: Ocampo, Jose e Vos, Rob
Fonte: Valor Econômico, 13/03/2007, Opinião, p. A15

De acordo com estimativas das Nações Unidas, a economia global se expandiu em 3,8% no ano passado, dando seqüência ao vigoroso desempenho registrado desde 2003. Liderados por China e Índia, os países em desenvolvimento se destacaram entre as economias com melhor desempenho, expandindo-se em 2006 a uma média de 6,5% . Mas pode esse padrão aparentemente benigno de crescimento global ser sustentado, particularmente considerando que o crescimento tem sido acompanhado por desequilíbrios financeiros globais cada vez mais amplos?

O crescimento anual médio nos países menos desenvolvidos, muito deles na África, alcançou quase 7% no ano passado. A maior economia do mundo, os Estados Unidos, teve expansão de 3,2%, e o crescimento também se recuperou nos anteriormente apáticos Japão e Europa. Essas tendências são notáveis em vista dos choques decorrentes do forte aumento no preço do petróleo, das guerras no Afeganistão e no Iraque, do terrorismo internacional, e do colapso das negociações de comércio multilateral.

O sólido desempenho econômico reflete uma sólida demanda doméstica nos EUA, decorrente dos baixos custos dos empréstimos e do preço crescente dos ativos. A tendência elevou as exportações de produtos manufaturados ao redor do mundo e manteve a inflação baixa, o que por sua vez elevou a demanda por energia e matérias primas do mundo em desenvolvimento, empurrando os preços das commodities para cima e beneficiando muitos países pobres. As economias geradas no Leste da Ásia e nos principais países exportadores de petróleo elevaram a liquidez global, ajudando a financiar o déficit em conta corrente dos EUA, que agora atingiu níveis sem precedentes.

Mas o panorama para 2007 é de um crescimento econômico global debilitado. O relatório "Situação e Perspectivas da Economia Mundial para 2007" da ONU alerta que um mercado habitacional mais fraco minará o crescimento dos EUA. Consequentemente, a expansão econômica global se desacelerará, já que não se prevê que nenhum outro país importante assuma a posição de principal força motriz do crescimento. Com um crescimento econômico mundial em desaceleração, as necessidades de financiamento dos EUA poderiam causar uma queda na confiança dos investidores no futuro dos ativos baseados nos EUA, precipitando uma radical depreciação do dólar.

O relatório da ONU observa que as políticas econômicas nacionais e os cenários multilaterais existentes não estão programados para mitigar de forma eficaz o risco de uma desaceleração global, ou para equacionar desequilíbrios globais. Na Europa e no Japão, por exemplo, as políticas fiscal e monetária têm se apertado em reação a temores domésticos, desacelerando ainda mais a economia global.

A formação de reservas oficiais no Leste da Ásia e nos demais países em desenvolvimento lhes proporcionará meios adicionais para lidar com possíveis choques externos. Isso também limitou, a expansão da demanda doméstica e do crescimento das importações, contudo, agravando, em vez de aliviar, os desequilíbrios globais.

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Naturalmente, nenhum governo isolado pode arcar com todos os custos das políticas necessárias para corrigir os desequilíbrios globais atuais. Um conjunto de políticas internacionalmente acertadas, porém, poderia ajudar a reduzir o risco de crescimento mais fraco nas maiores economias, manteria a confiança na estabilidade dos mercados financeiros internacionais e evitaria um pouso forçado para o dólar. Isso exigiria, por exemplo, estimular o crescimento na Europa, Ásia, e nos grandes exportadores de petróleo para compensar o efeito redutor do ajuste da economia dos EUA sobre a economia do mundo, que deveria incluir mais políticas fiscais restritivas, menos consumo privado, e níveis mais elevados de poupança para reduzir o seu déficit fiscal.

As taxas de câmbio devem ser realinhadas de maneira coordenada para estimular exportações procedentes dos países deficitários e para importar demanda dos países superavitários. Não se trata simplesmente de revalorizar a moeda chinesa, como argumentaram alguns formuladores de política dos EUA, mas de exigir um ajuste gradual da maioria das principais moedas contra o dólar, aliado a ajustes combinados de política monetária e fiscal no resto do mundo.

As plataformas existentes, como os encontros de cúpula do G-8, são impróprias para se alcançar essa linha de ação, especialmente porque os principais protagonistas do mundo em desenvolvimento não estão incluídos. Os mecanismos de monitoramento multilateral lançados no ano passado pelo FMI representam um passo na direção certa, mas só se eles se tornarem parte de um mecanismo multilateral institucionalizado de monitoramento e coordenação política.

Para ser digno de crédito como mediador desse mecanismo, o próprio FMI precisará passar por uma reforma, incluindo uma substancial mudança do poder de voto para alinhar a influência dos países em desenvolvimento com o peso que detêm nos nossos dias na economia global. Medidas modestas nessa direção foram tomadas durante o encontro do FMI em Cingapura em setembro. Essa nova plataforma também deverá ser usada para caminhar na direção de uma reforma estrutural do sistema monetário internacional com vistas a reduzir a sua dependência excessiva sobre o dólar dos EUA como moeda de reserva. Essas reformas deverão atuar para desenvolver um sistema de reserva multi-monetária consensual ou mesmo, no longo prazo, uma moeda mundial baseada nos Direitos Especiais de Saque emitidos pelo FMI.

A mera possibilidade de um pouso forçado iminente para o dólar - e, com ele, para os EUA e a economia mundial - deveria ser alarmante o bastante para mobilizar ação conjunta. A coordenação certamente trará mais resultados satisfatórios que os que qualquer país isolado possa obter por seus próprios méritos.

Jose Antonio Ocampo é subsecretário-geral da ONU

Rob Vos é diretor da Divisão de Política e Análise do Departamento de Assuntos Sociais e Econômicos das Nações Unidas (DESA). © Project Syndicate/Europe´s World, 2007. x Governo reduz exigências para licitar rodovias