Título: Construtoras enfrentam desafios para competir
Autor: Boechat, Yan
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2007, Empresas & Tecnologia, p. B1

Recheadas com recursos captados na bolsa de valores, muitas empresas do setor imobiliário lançam um corrida frenética para expandir suas operações. Esse cenário leva as pequenas e médias incorporadoras a seguir um caminho inverso e a adotar a cautela como estratégia de sobrevivência. Atordoadas com a concorrência feroz, e súbita, por parte das empresas que foram ao mercado de capitais, essas companhias que não conseguiram ir à bolsa ainda estão tentando encontrar um caminho para sobreviver a um cenário completamente novo. As estratégias são diversificadas e há apenas um consenso entre elas: quem ficar parado não conseguirá sobreviver à grande transformação que vive a indústria da construção civil.

Transformação que passa, obrigatoriamente, por uma mudança considerável na correlação de forças do setor. Historicamente, o segmento imobiliário sempre foi extremamente pulverizado no Brasil. A escassez de crédito, a demanda reprimida por um renda em queda e o pouco capital para financiar a produção nunca permitiram que a competição entre elas fosse tão desigual como agora.

De acordo com dados da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp), que acompanha de perto o mercado de São Paulo há 30 anos, as 10 maiores incorporadoras da capital paulista detinham, juntas, 22,64% do mercado em 2005. Os outros 77,36% eram divididos entre 325 incorporadoras. "Nunca houve uma liderança consolidada" afirma Luiz Paulo Pompéia, diretor de estudos da Embraesp. "Há dois anos a maior do setor, a Cyrela, tinha apenas 5,20% de participação e a Gafisa, a segunda, apenas 3,60%".

Mas agora, que um grupo restrito de cerca de 15 empresas captou mais de R$ 11 bilhões no mercado de capitais, essa realidade está mudando, e rapidamente. "O fato é que tudo está acontecendo em uma velocidade impressionante e todos, com razão, estão assustados", diz Ana Maria Castelo, coordenadora do setor de construção da FGV Projetos. "Não há dúvida que haverá espaço para todos, mas não há dúvida também que muitos vão morrer nessa transformação que estamos passando", diz ela.

Desde que percebeu isso, Ely Werthein, diretor da incorporadora Luciano Werthein, ampliou suas rondas semanais em busca de terrenos em São Paulo. "Eu sempre procurava terrenos pessoalmente, mas depois que a competição se acirrou, eu só fecho negócio pessoalmente, não delego a mais ninguém", diz.

Com as áreas disponíveis em São Paulo inflacionadas pela alta liquidez do mercado, a compra de terrenos se tornou o ponto mais estratégico na incorporação do imóvel. "As grandes até podem errar, mas nós, agora, não temos mais o direito de fazer uma escolha equivocada", diz ele, que deve lançar empreendimentos com uma receita potencial de R$ 100 milhões esse ano.

Além da velha estratégia de que só os olhos do dono engordam o boi, Werthein, assim como todos os seus pares, está buscando parcerias. Mauro Marcondes Pincherle, diretor de operações da Enplan, tem dado preferência às incorporações conjuntas. "Com as grandes cheias de dinheiro, não há razões para nós ficarmos disputando um bom terreno", diz ele. "O ideal é comprarmos juntos e fazermos parcerias específicas", diz.

Essa, de certa forma, tem sido uma regra entre as pequenas em médias empresas. A Tricury, um incorporadora que vem atuando no segmento popular adotou essa como sua estratégica básica. "Não há porque brigar, temos que nos unir, porque a concorrência tem sido muito agressiva", diz Alexandre Barrionovo, diretor de incorporações da empresa. Para ele, as associações são fundamentais nesse momento. E não só com empresas do setor. A entrada de fundos de investimento imobiliários internacionais é vista como uma saída para financiar o aumento da produção. "Estão todos ai querendo investir e não temos problemas em nos associar em apenas projetos específicos", diz o executivo.

Outras empresas, no entanto, tem seguido a linha de que se não pode vencê-los, una-se a eles. A Tati Incorporadora talvez seja o melhor exemplo disso. Em meados do ano passado a empresa vendeu todo seu estoque de terrenos e ativos para a Tecnisa, que buscava musculatura para ir à bolsa. Agora, a empresa está em busca de novas parcerias com as grandes do setor. "A fusão com pequenas é muito difícil, somos todos familiares e a questão cultural é complicada", diz Arnaldo Goldstein, diretor geral da Tati.

Esse, talvez, seja o ponto de maior inflexão em uma esperada concentração do setor. Poucos apostam que as pequenas irão se unir. Até podem ser incorporadas pelas grandes, como algumas já foram, mas não há quem aposte em um movimento de fusão entre as menores.

Exatamente por isso, algumas empresas estão seguindo os passos das grandes para conseguir se expandir. A Patrimônio, que tem um VGV de cerca de R$ 250 milhões anuais, está replicando a estratégia daquelas que abriram o capital e estão migrando para outras regiões do país. Cerca de 50% dos lançamentos da incorporadora esse ano vão ocorrer em estados do Norte e Nordeste do país. "A concorrência por terrenos aqui está inviabilizando a operação, temos de ir para mercados menos disputados", diz Jorge Yamanski Filho, diretor geral da Patrimônio.

Mas há também quem prefira encontrar nichos específicos dentro do maior - e mais saturado - mercado brasileiro. "Essa é a saída para muitas das empresas que não foram ao mercado de capitais", diz Ana Maria Castelo. "Elas vão precisar encontrar mercados onde a concorrência com as grandes não será tão acirrada".

A TPA, uma incorporadora de médio porte com lançamentos de cerca de R$ 100 milhões no ano passado, tem seguido esse conselho. A companhia elegeu o centro de São Paulo como seu foco primordial e, no mês passado, fez o primeiro lançamento de um edifício residencial na região nos últimos 20 anos. "Aquela é uma região complicada, mas estamos apostando nela porque há espaço para crescer e não há tanto interesse das grandes", diz Mauro Teixeira, diretor e sócio da TPA.

O primeiro projeto obedece a um conceito raro no centro. O empreendimento localizado no Largo do Arouche terá uma ampla área de lazer, com piscina aquecida, sala de ginástica e quadras esportivas. Os 240 apartamentos, no entanto, serão pequenos, com cerca de 50 metros quadrados. "Em dois meses vendemos mais de 15% e queremos fazer novos lançamentos na região ainda esse ano", diz Teixeira.

Ainda é cedo, dizem os próprios incorporadores, para saber quem está adotando a estratégia correta para sobreviver no novo mercado. Há consenso de que muitos não resistirão à pressão da forte concorrência. Mas certeza mesmo, ninguém tem. "A verdade é que estamos todos esperando para ver o que acontecerá", diz Eli Werthein. "No fundo, ninguém sabe onde isso vai dar, nem nós, os pequenos e médios, nem as grandes incorporadoras".