Título: Glicerina de biodiesel inunda mercado no país e derruba preços
Autor: Bouças, Cibelle
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2007, Empresas, p. B7

A formação do mercado brasileiro de biodiesel trouxe um desafio para indústrias de componentes químicos que têm como parte de seu portfólio a produção de glicerina. Somente neste ano, a produção pelas usinas deve chegar a 100 mil toneladas - quase dez vezes acima do que as indústrias químicas ofertam no país atualmente.

"A produção já é maior que a demanda. Dependendo do preço e da qualidade, o mais provável é que indústrias deixem de fabricar glicerina", diz Arrigo Miotto, gerente de vendas do Grupo Braido, um dos maiores produtores no país, apto a fazer 1,2 mil toneladas por ano.

A Fontana S.A, que tem capacidade para 6 mil toneladas/ano e detém as linhas de higiene pessoal Turma da Mônica, Iara e Font, deixou de produzir glicerina desde que as cotações começaram a despencar no país. "Os preços caíram 48% desde 2005. Não compensa mais extrair a glicerina. Preferimos comprar de outros produtores e fazer o refino", afirma o diretor Ricardo Fontana.

Segundo fontes ligadas às indústrias químicas, o preço médio da glicerina, que em 2005 chegou a R$ 3 o quilo, hoje sai entre R$ 1,60 e R$ 1,70. Nas regiões onde usinas de biodiesel operam, observa Miguel Biegai, analista da consultoria Safras&Mercado, o valor médio cai para R$ 0,60 a R$ 0,70 o quilo. "Muitas usinas preferem se livrar dos estoques de glicerina a qualquer preço, porque não está em seu foco de negócios."

De acordo com levantamento da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), a capacidade de produção da indústrias químicas é de 35,8 mil toneladas ao ano, mas a produção situa-se em torno de 12,9 mil, para um consumo anual de 13,5 mil toneladas. Desse volume, 48,9% são destinados à produção de cosméticos. Outros 14,5% são utilizados pela indústria farmacêutica, 11,9%, pelo setor de tintas e vernizes e o restante é vendido a outros segmentos.

A produção de biodiesel é feita a partir da mistura de nove partes de óleo vegetal ou gordura animal para uma de etanol. O processo produtivo gera em média, para cada metro cúbico (mil litros) de biodiesel, 100 toneladas de glicerina.

Conforme dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a produção de biodiesel neste ano já deve alcançar 1 bilhão de litros, o que significa que haverá 100 mil toneladas de glicerina. Tal volume, se não for direcionado a mercados específicos, poderá causar efeitos ainda mais drásticos nos preços e levar indústrias químicas a abandonar a produção da glicerina.

A Brasil Ecodiesel, que tem capacidade para produzir 800 milhões de litros de biodiesel por ano mas espera produzir 300 milhões em 2007, tem vendido a glicerina que produz (em torno de 30 mil toneladas) no mercado interno. Francisco Ourique, diretor comercial, diz que a empresa estuda fazer investimentos em uma bidestilaria para obter diferentes graus de refino da glicerina, com vistas à exportação. "Existem compradores para toda a produção. Se conseguirmos produzir seguindo as especificações dos importadores a um custo razoável, a idéia é exportar toda a produção", afirma Ourique.

A Granol, por sua vez, está utilizando a glicerina para geração de energia. A empresa possui duas usinas com capacidade total para 140 milhões de litros de biodiesel por ano, e no primeiro trimestre deste ano produziu 28 milhões de litros e 2,8 mil toneladas de glicerina. "A rentabilidade não estava compensando e por isso optamos por queimar a glicerina para gerar energia térmica", afirma Diego Ferrés, sócio-diretor da Granol.

A Petrobras, que conclui neste ano a construção de três usinas com capacidade para produzir 171 milhões de litros de biodiesel por ano e 17 mil toneladas de glicerina, desenvolve pesquisas para definir possíveis usos alternativos para o subproduto. "Uma das possibilidades em avaliação consiste em transformar essa glicerina em combustível. Outra será queimá-la, para gerar energia térmica", afirma Mozart Schmitt de Queiroz, gerente de desenvolvimento energético da Petrobras.

A glicerina é triálcool e pode ser transformada em etanol via processos químicos. O custo dessa transformação está em análise. A glicerina pode ser usada para fazer plástico biodegradável e em substituição ao sorbitol, açúcar usado como edulcorante e umectante em alimentos.