Título: Exportação agrícola pode afetar contas da Previdência
Autor: Galvão, Arnaldo
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2007, Brasil, p. A3

A Previdência Social pode ter uma dificuldade adicional para fechar suas contas se for confirmado um grande salto nas exportações de etanol e biocombustíveis. O alerta é do secretário de Políticas de Previdência Social, Helmut Schwarzer, que olha com apreensão para a perspectiva de aumento do emprego em um setor onde as condições de trabalho são inadequadas e no qual as vendas externas podem ficar isentas de contribuições sociais. Para Schwarzer, a possibilidade de elevação do número de trabalhadores afastados de seus empregos por acidentes ou doenças profissionais nestes setores poderá levar ao desequilíbrio fiscal o sistema do Seguro de Acidentes de Trabalho (SAT) e até mesmo as contas da Previdência.

Para o secretário, o Brasil, apesar do enorme potencial que tem no mercado internacional de combustíveis de fonte renovável, não pode adotar uma "competitividade espúria" para aumentar suas exportações. O que o país tem de fazer para ganhar mercado, ao mesmo tempo em que dá mais qualidade de vida para a sociedade, é optar pela "competitividade autêntica". "É ótimo que o Brasil tenha vantagem. Mas não pode ser às custas da saúde dos trabalhadores nem do desequilíbrio financeiro das políticas sociais", pondera o secretário.

Essas expressões usadas por Schwarzer são de Fernando Fajnzylber, espécie de guru do secretário. Pesquisador da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), morreu em 1991 com 51 anos. Fajnzylber nasceu no Chile e morou no Brasil e no México. Foi um dos mais criativos e renovadores economistas latino-americanos. É autor do clássico "A industrialização truncada da América Latina", de 1983.

O secretário informa que os setores sucro-alcooleiro, da construção civil e de hospitais estão entre os que mais expõem seus trabalhadores ao risco de acidentes e doenças profissionais. Na agricultura como um todo ocorreram, em 2005, 35.513 acidentes de trabalho notificados à Previdência Social - 7,2% do total de acidentes ocorridos no país naquele ano. A participação no total de acidentes supera a do peso do setor no emprego formal, que é de 4%.

Em fevereiro passado, o governo publicou o Decreto 6.042 que determinou nova classificação dos setores de atividade econômica com as respectivas alíquotas de contribuição ao Seguro de Acidente do Trabalho (SAT). De acordo com os graus de risco, as empresas têm de recolher 1%, 2% e 3% sobre a folha de pagamento.

Outro segmento que preocupa a Previdência é o da produção de amianto. Apenas Brasil, Rússia e China ainda toleram esse produto e, segundo Schwarzer, vão pagar caro por isso. Alemanha e França baniram o amianto há mais de dez anos, mas ainda registram cerca de mil mortes por ano provocadas por câncer em decorrência dessa exposição ao asbesto (utilizado na composição do amianto). Nesses dois países europeus, esse ritmo de óbitos vai durar até 2030. "Imagine o Brasil, que não tem o grau de segurança ocupacional de França e Alemanha? Até hoje, não fizemos nenhuma limitação ao amianto. Nossas estatísticas de trabalhadores mortos por câncer estão subestimadas por falta de identificação adequada da relação entre a doença e o trabalho", afirma Schwarzer.

Além do problema potencial que o etanol trouxe à Previdência, o destaque das doenças profissionais que mais pressionam o sistema são as lesões por esforço repetitivo (LER) e os distúrbios nervosos, típicas do ciclo de automação e informatização que iniciou-se nos anos 90. "A desgraça é que também continuamos com as doenças da fase industrial conhecida como fordismo", lamenta Schwarzer.

Ele informa que, em 2005, um terço dos acidentes de trabalho foram nas mãos e punhos. As ocorrências mais freqüentes são de esmagamentos, amputações, fraturas, cortes e queimaduras, o que revela a precariedade das condições de trabalho no Brasil.

Schwarzer garante que o Ministério da Previdência está enfrentando toda essa demanda. Segundo o secretário, as duas linhas básicas de atuação são a busca de uma gestão mais eficiente na concessão e no controle dos auxílios-doença e, para o futuro próximo, a recuperação da estrutura de reabilitação profissional no âmbito do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

"Evitamos gastos de R$ 4,3 bilhões com a reversão da curva de benefícios emitidos. A taxa de crescimento, que era de aproximadamente 4%, caiu pela metade nos últimos 18 meses", informa. Com relação aos auxílios-doença, o estoque em outubro de 2005 bateu o recorde chegando a 1,6 milhão de benefícios. Depois disso, houve uma acentuada queda nesse estoque até maio de 2006. Naquele mês, a marca foi de 1,3 milhão. Mas a curva voltou a ser ascendente até novembro do ano passado, com o acúmulo de 1,57 milhão de benefícios. De lá para cá, a tendência do estoque vem sendo declinante. em março, o total ficou em 1,48 milhão de auxílios-doença.

O governo Luiz Inácio Lula da Silva substituiu todos os médicos terceirizados que realizavam as perícias no INSS, mas não foi suficiente. É ansiosamente aguardada a aprovação, pelo Congresso, do Projeto de Lei do Senado (PLS) 261, de autoria de Aloizio Mercadante (PT-SP). A proposta vai evitar que o pagamento do benefício do trabalhador afastado seja, em algumas situações, maior que o próprio salário.

No Brasil, em 2002, a estimativa era a de um gasto de R$ 32 bilhões decorrente dos acidentes de trabalho. De acordo com o Ministério da Previdência, entre 2003 e 2005, foram registrados 1.356 milhão de acidentes de trabalho. Em 2005, foram 491,7 mil acidentes, dos quais 0,51% foram fatais, resultando em óbito do trabalhador.