Título: Ameaça de quebra de patente preocupa os EUA
Autor: Balthazar, Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2007, Brasil, p. A4

O governo dos Estados Unidos manifestou preocupação com a decisão do Brasil de ameaçar quebrar a patente de um medicamento produzido por um laboratório americano, num sinal de como as diferenças entre os dois países nessa área permanecem apesar da distensão observada nos últimos anos. Na semana passada, o Ministério da Saúde declarou de "interesse público" o efavirenz, remédio para aids produzido no Brasil pela Merck, Sharp & Dohme, subsidiária da Merck, uma das maiores indústrias farmacêuticas dos EUA. A medida é o primeiro passo no processo de licenciamento compulsório do medicamento, que poderá ser feito por outros fabricantes se a patente da Merck for quebrada.

"Gostaríamos de encorajar o governo a ter um processo muito transparente, para permitir que todos os interessados sejam envolvidos", afirmou na segunda-feira Victoria Espinel, principal responsável por questões de propriedade intelectual no escritório da representante comercial dos EUA (USTR, na sigla em inglês), ao apresentar um relatório anual do órgão sobre o tema.

Os EUA acionaram o Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) por causa do processo de licenciamento compulsório previsto pela legislação brasileira, mas retiraram a queixa em 2001 sob forte pressão de organizações não-governamentais que acusaram os EUA de prejudicar o combate à aids no Brasil ao defender os interesses do setor farmacêutico.

As regras da OMC permitem o licenciamento compulsório de remédios em casos de emergência, mas o Brasil nunca quebrou uma patente. O governo tem usado a legislação como instrumento de negociação para conter os custos crescentes do programa de combate à aids, forçando os laboratórios a baixar seus preços.

A Tailândia decidiu recentemente recorrer ao mesmo expediente para reduzir os preços pagos por dois remédios para aids e outro para problemas cardíacos. Os EUA também não gostaram. "Temos um monte de preocupações com o processo na Tailândia e a transparência envolvida nessa situação", disse Victoria Espinel.

O relatório divulgado na segunda-feira pelo USTR classifica os parceiros comerciais dos EUA de acordo com o respeito à propriedade intelectual. O Brasil, que desde 2002 figurava ao lado da China e da Rússia na lista dos países vistos com mais preocupação pelos americanos, agora está num grupo que, na avaliação dos EUA, avançou no respeito a patentes e direitos autorais.

Segundo o USTR, a mudança é um reconhecimento dos esforços que o país tem feito para combater a pirataria de programas de computador, discos e outros produtos. Mesmo assim, o Brasil continuará sendo monitorado pelo USTR. "Nós queremos assegurar a manutenção do progresso feito até aqui e evitar retrocessos", afirmou Victoria.

Em comunicado distribuído ontem, o Ministério das Relações Exteriores comemorou a reclassificação promovida pelo USTR, mas disse que a manutenção do Brasil na lista dos países que estão sob observação "não corresponde aos padrões de proteção à propriedade intelectual consagrados" por organismos internacionais como a OMC. O monitoramento feito pelo USTR sobre a questão não obriga os outros países a fazer nada, mas o governo americano usa o processo como instrumento de pressão para defender seus interesses.

O Brasil sofreu sanções comerciais dos EUA na década de 80 por ser tolerante com a pirataria e recentemente correu o risco de perder o acesso preferencial que alguns produtos brasileiros têm no mercado americano pelo mesmo motivo.