Título: Texto agrícola reativa negociações de Doha
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2007, Brasil, p. A5

O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, intensificou articulações com os principais parceiros na Rodada Doha para tentar romper o impasse na negociação agrícola até meados de junho. O debate agora foi reativado tendo como base o novo documento do mediador da negociação agrícola, Crawford Falconer, apontando "o centro de gravidade" para possível acordo na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Amorim falou com a representante comercial americana Susan Schwab e o comissário europeu Peter Mandelson na segunda-feira. Ontem, foi a vez do embaixador brasileiro telefonar para Pascal Lamy, diretor-geral da OMC. O ministro mantém otimismo de que um acordo estaria próximo, segundo fontes. A próxima reunião ministerial do G-4, dias 16 e 17 deste mês, será em uma capital européia.

A preparação da reunião começou ontem, com um encontro de altos funcionários dos quatro países em Londres. Os Estados Unidos estão sob crescente pressão para indicar enfim ao Brasil, União Européia (UE) e Índia, seus parceiros no G-4, até onde aceitam reduzir seus subsídios agrícolas, para desbloquear a negociação agrícola.

O primeiro dia de reunião de altos funcionários foi qualificado de "bom" por um negociador, sem entrar em detalhes por causa do único acordo até agora entre eles: confidencialidade. Mas os Estados Unidos de novo não teriam colocado uma cifra na mesa de negociações, sobre o corte que agora aceitariam fazer. Em Genebra, o embaixador americano junto a OMC, Peter Allgeier, afirmou que Washington continuava examinando o documento do mediador agrícola, no qual os EUA são cobrados a fazer concessões, se querem realmente chegar a um acordo.

O mediador Crawford Falconer participará hoje de reunião em Londres com o G-4. Seu documento - divulgado na segunda-feira - foi considerado útil e estimulou o debate dentro e fora de Genebra. "É uma boa base para se buscar convergências", avalia o embaixador brasileiro Clodoaldo Hugueney, lamentando em todo caso a "timidez" do negociador na área de subsídios domésticos.

Falconer sugeriu que os EUA aceitem reduzir o total de suas subvenções a menos de US$ 19 bilhões, abaixo da proposta americana de US$ 23 bilhões. Ocorre que as ajudas agrícolas que distorcem o comércio por parte dos EUA foram estimadas em US$ 10,9 bilhões no ano passado, segundo um estudo canadense.

O mediador qualificou de "inconcebível" que Washington queira ter o direito, após a Rodada Doha, de dar mais subsídios que distorcem o comércio do que antes. Certos negociadores estimam que a administração Bush poderia aceitar redução para US$ 17,5 bilhões, o que significa US$ 5 bilhões a menos que sua proposta atual.

Politicamente, será complicado o próprio G-4 justificar acordo com subsídios americanos acima de US$ 15 bilhões. Certos negociadores estimam que tudo será questão de "combinação" dos cortes e das disciplinas para evitar comércio desleal.

Crawford Falconer acha que, quanto mais corte nas tarifas, maior poderá ser a redução nos subsídios domésticos. E vê possibilidades de redução média acima de 50% nas alíquotas.

O Valor apurou que, de fato, a União Européia já chegou a propor no G-4 e também para algumas delegações em Genebra um corte médio de 54%. Como vai designar vários produtos sensíveis (com corte menor), a recompensa aos exportadores viria com eliminação específica de tarifa para alguns produtos tropicais. Ocorre que os outros países suspeitaram que isso incluiria produtos que no fundo não tem comércio, e recusaram a proposta européia.

É verdade que ninguém, entre exportadores e importadores, se declara contente com os "centros de gravidade" de Falconer. Mas isso faz parte da negociação. Todo mundo reclama até o último momento. O sentimento generalizado é de que agora o G-4 se move ou a negociação fracassa de vez em algumas semanas. E o grande acusado, no cenário atual, serão os Estados Unidos.

No documento de Falconer, ainda no grupo de benefícios ligados ao apoio doméstico, o grupo conhecido como caixa amarela (que reúne os instrumentos de apoio a preço ou subvenção ligada à quantidade produzida) teria um corte de 70% na União Européia, enquanto para Estados Unidos e Japão o corte seria de 60% e para outros países, ficaria entre 37% e 60%. O texto, contudo, não trouxe conclusões sobre limite de subsídio por commodity.