Título: Para secretário, mensalão aumentará condenações por lavagem de dinheiro
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 29/11/2012, Política, p. A18

A conclusão do julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) aliada à nova Lei de Combate à Lavagem de Dinheiro, que passou a vigorar em julho deste ano, vai aumentar brutalmente o número de pessoas que devem ser condenadas por esse crime no país, principalmente em bancos e empresas.

A avaliação é do secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão. Segundo ele, hoje, o Brasil não conta com 100 presos por lavagem dentro de um universo de 500 mil pessoas detidas no sistema penitenciário. Dois fatos vão mudar esse cenário, na opinião de Abrão.

O primeiro é a orientação do STF a partir do julgamento do mensalão. Abrão entende que a Corte indicou que os chefes e diretores de bancos, empresas e órgãos públicos podem, agora, ser punidos por ações de seus subordinados.

"Uma avaliação sobre os efeitos que a decisão do STF terá no enfrentamento global dos crimes de colarinho branco é a de que existirá a possibilidade, em altíssimo nível dentro de bancos, empresas e órgãos públicos, de diretores responderem também pelas ações de seus subordinados", disse Abrão.

O secretário lembrou que, antes do julgamento, "os juristas garantistas" [que defendem o amplo direito de defesa dos réus] argumentavam que, quando não há uma prova direta contra uma pessoa, ainda que se trate de um chefe, não se pode fazer a extensão da responsabilidade a ela pelos atos cometidos por seus subordinados. Agora, essa extensão será possível a partir da orientação do STF.

"Há um debate que foi instalado: se essa decisão vai gerar efeitos, se ela significa, como me parece, um maior rigor para a aplicação da teoria do domínio do fato nos crimes de colarinho branco, ou se essa orientação vai se repercutir na abordagem dos demais delitos criminais", explicou Abrão. Segundo o secretário, "esse é um debate aberto que vai depender de como o acórdão [o resumo da decisão do STF] será escrito". "A partir do acórdão haverá uma natural tendência de replicação [da decisão do STF] pelos demais tribunais do país", continuou.

O segundo fato que deve levar a mais condenações por lavagem de dinheiro é que, com a Lei nº 12.683, de julho deste ano, as autoridades não precisam mais identificar à Justiça um crime antecedente à lavagem para chegar a uma punição. A própria lavagem passou a ser crime.

Pela lei anterior (nº 9.613, de 1998), era preciso comprovar um crime antecedente para, depois, condenar alguém por lavagem de dinheiro. Com isso, as autoridades precisavam de provas de que o réu cometeu um ato de terrorismo, sequestro, crime contra a administração pública ou contra o sistema financeiro para, em seguida, condenar o réu por lavagem de dinheiro.

O STF viveu essa dificuldade de verificar o crime antecedente durante o julgamento do mensalão, já que, como os fatos do processo são anteriores à legislação nova, não se podia punir um réu por "lavagem da lavagem". Alguns réus, como o ex-deputado Professor Luizinho (PT-SP), foram absolvidos, pois respondiam apenas por lavagem nos autos do mensalão e a Corte não conseguiu verificar o crime antecedente.

Esse entrave da lei anterior se tornou tão grande que, em 2010, a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), que reúne mais de 70 órgãos públicos, decidiu abandonar as mais de 40 metas anuais de combate ao crime para divulgar uma carta ao Congresso em que pediam unicamente a aprovação de uma nova lei de lavagem e a de outra para punir as organizações criminosas. A primeira foi aprovada. A segunda, ainda não.

A Enccla deste ano começou, ontem, em João Pessoa, e uma das metas que vão ser discutidas é o bloqueio administrativo de bens de pessoas investigadas. "Hoje, o bloqueio é judicial e trabalhamos com a ideia de criar uma agência administrativa para se dedicar exclusivamente ao bloqueio e à gerência desses bens", justificou Abrão.

As entidades também vão discutir o financiamento público de campanhas eleitorais - assunto que está no STF, através de ação da OAB. "Esse é um tema recorrente", afirmou Abrão.

Para o secretário, as sinalizações do STF no mensalão são importantes para o combate aos crimes, mas a Enccla deve ir além de um caso concreto, por maior que seja. "O que dá uma sinalização para a disseminação de uma cultura ética é o fortalecimento da capacidade institucional do Estado de combater crimes", definiu. "A nossa tradição era de desarticulação entre os órgãos públicos, de atuações isoladas ou muitas vezes duplicadas. Quando a gente é capaz de criar um modelo bem sucedido de atuação estatal, esses são os sinais mais importantes para que a sociedade perceba que há o combate à lavagem de dinheiro."

Abrão avaliou ainda que o perfil do novo presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, o relator do mensalão, pode ajudar no combate aos crimes. "Mas nós temos que acreditar de maneira mais crescente nas instituições, independentemente de determinados voluntarismos, para que possamos enfrentar a lavagem de dinheiro", completou.