Título: Agenda dos sindicatos retrocede no governo Lula
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2007, Opinião, p. A10

Nunca, desde a redemocratização, as comemorações do 1º de Maio foram tão governistas. As principais centrais sindicais do país, a Central Única dos Trabalhadores, e a Força Sindical, encontraram afinal um denominador comum - seus representantes ocupam postos no aparelho de Estado e integram a vasta coalizão montada para dar suporte político ao segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um ex-metalúrgico.

Seria natural que as tradicionais bandeiras do sindicalismo se descorassem um pouco diante da coleção de números positivos da economia e da melhoria das condições de salários e empregos nos últimos três anos. Como mostrou o Valor (1º de Maio), os empregos com carteira assinada crescem há 36 meses consecutivos e recompor os salários acima da inflação não exige mais tanto esforço quanto antes - 85,7% das categorias tiveram reajustes acima do INPC. Já o salário mínimo teve um ganho real de 28,2% em cinco anos.

Mas a ascensão de Lula ao cargo máximo da República parece ter estancado, e até provocado uma involução, no processo, já bem adiantado, de independência dos sindicatos em relação ao Estado. As centrais sindicais, especialmente a CUT, que surgiram após uma batalha persistente e ferrenha contra os pelegos incrustados nas entidades sindicais - federações, confederações e sindicatos - conquistaram uma legitimidade de fato como nunca antes tiveram desde 1930. Da mesma forma, porém, como o PT se adequou sem falsos pudores, e mesmo escrúpulos, aos vícios da política tradicional, a CUT e a Força se sentem hoje comodamente instaladas no edifício sindical construído por Vargas, que haviam prometido solenemente demolir. Não se trata, apenas, de uma questão ideológica. Ela tem custos para os trabalhadores e para as empresas, e ajudam a perpetuar relações de trabalho arcaicas.

As confederações (nacionais) e as federações (estaduais) são hoje um inútil e custoso anacronismo. Elas existem para consumir 20% do imposto sindical obrigatório, correspondente a um dia de trabalho de todos os empregados do país - os sindicatos recebem 60% e o Ministério do Trabalho, outros 20%. O imposto sindical, uma excrescência, arrecadou mais de R$ 1 bilhão no ano passado e, por incrível que pareça, o presidente Lula, que sentiu na pele a força que o dinheiro propiciava aos pelegos que a ele se opunham no movimento sindical, teria preparado uma Medida Provisória para ceder aos sindicatos metade da fatia do tributo que vai para o governo ("O Estado de S. Paulo, 1º de maio). E pretendia anunciar isto no 1º de Maio. Como sempre em que há dinheiro fácil sobre a mesa, houve divergências sobre a repartição das verbas e a medida não saiu.

Por palavras, pensamentos e atos, a intenção de banir o imposto sindical foi arquivada pelos dirigentes das centrais sindicais. Elas não apenas se acomodaram à vida mansa da arrecadação estatal e à manutenção do status quo, como passaram a usar de artimanhas pouco honestas para complementar a renda dos sindicatos, como salgadas taxas de negociação de dissídios, cobradas de todo trabalhador, sindicalizado ou não. A uma estrutura pesada, arcaica ou ineficiente, corresponderam ao mesmo tempo a busca por receitas extras dos empregados e o fim dos discursos indignados contra o imposto criado por Vargas, para enfeitar poses de independência. Quanto à sindicalização propriamente dita, declinou bastante nos centros urbanos, mas não trouxe angústia aos líderes sindicais, que recebem o fruto do pedágio estatal sobre o trabalho de todos.

As centrais sindicais juntaram-se agora ao governo Lula na má vontade com as reformas. A reforma sindical estava mais adiantada de todas, mas não prosperou e foi arquivada, pois poria fim à acomodação das centrais sindicais, patronais inclusive. As fontes de receita oficial secariam, haveria mais independência das entidades e, algo também já esquecido por elas, vigoraria a pluralidade sindical - ou seja, a competição entre sindicatos na mesma base territorial. Estaria aberto o caminho para convenções coletivas nacionais ou regionais, respeitando a diversidade das condições das empresas, e acordos salariais plurianuais. É inacreditável, mas a agenda das centrais sindicais retrocedeu quando o Partido dos Trabalhadores chegou ao poder.