Título: Crescimento amarrado
Autor: Bautzer, Tatiana
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2007, Caderno Especial, p. F1

Livre da vulnerabilidade externa e da inflação, o Brasil enfrenta agora a necessidade de aumentar investimentos para acelerar a taxa de crescimento do PIB. O país está na lanterninha do crescimento entre os países emergentes desde a década de 90, ao longo da qual cresceu a 2,54% anuais. A primeira metade desta década também não foi brilhante: entre 2000 e 2006 o crescimento médio anual ficou em 2,89%. Neste ano o país deve superar os 4% de crescimento - uma proeza considerando os índices anteriores, mas um ritmo ainda bem abaixo da média esperada para os outros mercados emergentes, de 7%.

"As condições para crescer entre 4,5% e 5% por dois ou três anos estão dadas. O problema é sustentar esse crescimento a longo prazo ou aproximar-se de taxas de outros países emergentes, 6% a 7%", diz o professor Francisco Eduardo Pires de Souza, do Grupo de Conjuntura Econômica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O problema mais urgente e óbvio é investir na geração de energia e evitar que o país sofra em 2009 uma crise parecida com a do apagão de 2001. Depois do longo ajuste do marco regulatório nos últimos anos, agora as discussões concentram-se na solução das questões ambientais para que possam prosseguir os projetos hidrelétricos.

A influência da taxa de câmbio nas decisões de investimento é um ponto polêmico. Parte da indústria afirma que é impossível expandir a produção com o dólar próximo de R$ 2 e reclama da falta de competitividade de exportações que não sejam de commodities, beneficiadas pela alta dos preços internacionais, ou com alto índice de componentes importados. Outros acreditam que o dólar barato é conseqüência da redução do risco associado ao país e que apenas explicita as ineficiências da economia. Depois de defender por meses a taxa de câmbio como adequada, o governo rendeu-se na semana passada às pressões de setores mais prejudicados como calçadista e têxtil e elevou as alíquotas de importação de 20% para 35% (teto permitido pelos compromissos do país na Organização Mundial do Comércio).

Para crescer acima de 5% de forma sustentada, a taxa de investimento na economia teria que passar dos 16,3% de 2006 para, no mínimo, 21%, considerando os dados revisados do PIB pelo IBGE.

O diretor de pesquisa do Bradesco, Octavio de Barros, prevê que a taxa de formação bruta de capital fixo cresça 10% neste ano, depois de alta de 8,75% em 2006. "O novo ciclo de investimentos já começou", diz. "Há uma mudança de paradigma na economia brasileira e a taxa média de crescimento entre 2007 e 2010 deve chegar a 4,5%". O mês de março registrou o maior volume de investimento direto estrangeiro desde os leilões de privatização - 2,59% do PIB.

Outros são mais céticos. Pires de Souza, da UFRJ, diz que os investimentos em aumento de produção não estão crescendo tanto. A formação bruta de capital fixo medida pelo IBGE inclui dados da construção civil, que está acelerada com impulso do crédito e abundância de capital com a venda de ações das empresas do setor nas bolsas. "Acredito que 65% desse investimento correspondam à construção civil."

Depois de dobrar no ano passado, para R$ 9,3 bilhões, o crédito imobiliário continuará crescendo com força este ano. Em 12 meses até março, o total de crédito já supera R$ 10,5 bilhões, e a Associação Brasileira das Empresas de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) prevê o financiamento de R$ 11 bilhões neste ano. As construtoras aproveitaram a euforia nas bolsas e captaram quase R$ 10 bilhões em ofertas públicas iniciais de ações.

Após a explosão do crédito consignado e de diversas modalidades de financiamento a consumo, a redução progressiva dos juros está tornando o crédito imobiliário mais acessível. O financiamento de moradias será o principal fator de elevação do percentual dos empréstimos sobre PIB - de 34% para cerca de 43% em 2010, com base na antiga metodologia.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Newton Mello, diz que os investimentos só estão ocorrendo na indústria ligada a commodities ou voltada ao mercado interno e impulsionada pelo crédito bancário. Também estão indo bem indústrias que exportam, mas com grande parcela de componentes importados. "Estamos sofrendo desindustrialização, como ocorreu na Argentina durante a época do câmbio fixo", reclama Mello. José Augusto Savasini, da Rosenberg & Associados, diz que alguns industriais brincam que viraram "distribuidores", preferindo importar e revender peças de maior valor agregado.

O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) afirma que o saldo comercial está ficando mais dependente de preços internacionais de commodities. "Acho exagero falar em desindustrialização, mas os setores mais intensivos em mão-de-obra estão sofrendo", diz Pires de Souza, da UFRJ.

À parte o debate sobre a necessidade de acelerar a queda dos juros básicos para frear a apreciação do real, há algumas sugestões operacionais que poderiam aliviar a pressão de alta. Uma delas é simplificar a legislação cambial, ainda muito restritiva e desenhada para uma época em que faltavam reservas internacionais no país. "Por que não reduzir a burocracia e aumentar prazos para os exportadores deixarem o dinheiro no exterior?", pergunta o consultor da Rosenberg. Outra, já adotada pelo Banco Central, é a mudança operacional das intervenções no mercado.

O diretor de pesquisa do Bradesco discorda das análises catastróficas. Acredita que a taxa de câmbio atual reflete a melhor situação estrutural em 40 anos da economia brasileira .

Segundo dados do Ministério do Trabalho, num conjunto de 105 setores industriais brasileiros, 60 melhoraram a geração líquida de empregos no ano passado em relação a 2005. Apenas 10 setores saíram de uma situação de geração de empregos em 2005 para destruição no ano passado, e dois aumentaram o ritmo de demissões. Trinta e três setores geraram empregos por dois anos consecutivos, mas diminuíram o ritmo de contratação no ano passado.

O diretor do Bradesco acredita que a taxa de câmbio torna "gritantes" os números da ineficiência, aumentando a pressão pela continuidade de reformas como trabalhista, previdenciária e tributária. "Estamos num momento de transição, de definição das áreas mais competitivas da economia, e o processo é doloroso". Mesmo em setores que estão sofrendo mais, como o calçadista e têxtil, há indústrias, como as instaladas no Nordeste e aquelas que adotaram estratégias de diferenciação dos seus produtos, que estão reagindo bem.

Embora ainda altas para padrões internacionais, as taxas de juros brasileiras estão chegando a níveis inéditos e não mais representam forte restrição ao investimento produtivo. A taxa real de juros, deflacionada pela expectativa de IPCA em 12 meses, ficou em 8,6% no fim de março. Mantida a política monetária conservadora, os juros nominais cairão para um dígito no ano que vem.

Reduzir despesas públicas, especialmente a parcela de despesas correntes, hoje em 17% do PIB, é uma sugestão de consenso entre indústria, setor financeiro e academia para estimular o investimento privado. Espera-se que os juros e encargos da dívida pública consumam este ano 7,5% do PIB, e que os gastos da Previdência superem os 12% do PIB. O avanço das despesas correntes sobre a receita do governo acaba deixando pouco espaço para investimentos públicos, que ficaram em apenas 0,5% do PIB.

Ernesto Lozardo, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo, sugere uma queda mais acelerada nos juros para abrir espaço na dívida pública. "Seria interessante criar, por exemplo, uma meta de redução de gastos com a dívida, para 6% do PIB. Do jeito que está hoje, a política econômica é apenas monetária". Lozardo também defende metas para redução de despesas correntes e metas para estancar o crescimento do déficit da Previdência. Sem redução radical da sonegação ou nova reforma, o gasto previdenciário atingirá 18% do PIB em cinco anos.

Apesar de ter colocado no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) limites ao crescimento dos salários no setor público, o governo não adotou metas rígidas de redução da despesa corrente como se esperava. O projeto de Lei das Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2008 prevê aumento e não redução da carga tributária. Apesar da manutenção do superávit primário em 3,8% até 2010, a receita crescerá como proporção do PIB. Mesmo estimando crescimento anual de 5% , a receita subirá de 23,4% do PIB em 2006 para 24,17% em 2010.

Ainda que seja impossível reduzir a carga de impostos em curto prazo, uma reforma que simplifique o sistema tributário, com a cobrança de um imposto de valor agregado, facilitaria mais investimentos. A reforma trabalhista com redução dos custos de contratação ajudaria a reduzir a informalidade, aumentando a base de contribuintes e permitindo eventual redução de carga.

Outra sugestão de Lozardo é criar zonas econômicas especiais visando produção para exportação, em moldes semelhantes às áreas chinesas. "Precisamos descobrir nossa vocação exportadora e criar um projeto de inserção na economia global, que não temos". Incentivos à inovação e pesquisa tecnológica e melhora da qualidade da educação pública são importantes para gerar investimentos e empregos em setores mais dinâmicos.

Além do equacionamento das questões ambientais e a oferta futura de energia elétrica, são necessárias regras claras e segurança jurídica para investimentos em saneamento, estradas e portos, que precisam ser modernizados para sustentar um crescimento mais ousado do PIB nos próximos anos.