Título: Cenário é favorável na área internacional
Autor: Lucchesi, Christiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2007, Caderno Especial, p. F2

O estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos tem feito suas vítimas. O seu impacto na economia mundial, no entanto, tem sido menor do que o esperado. Os lucros das maiores empresas continuam a surpreender positivamente. Os juros baixos nos países do Primeiro Mundo têm mantido elevada a liquidez nos mercados financeiros internacionais. A alavancagem se amplia e a busca por rendimentos continua. O Brasil tem enfrentado a queda no ritmo de expansão da economia mundial com sua moeda cada vez mais forte, juros em queda e com a possibilidade de acelerar o crescimento de seu Produto Interno Bruto.

Inicialmente, o estouro da bolha americana chegou a provocar ruídos fortes no mercado financeiro internacional. Houve um grande susto, que se iniciou no dia 27 de fevereiro, com o tombo de 9% na bolsa da China. O mercado se manteve nervoso por semanas por conta da inadimplência alta nas hipotecas de maior risco (subprime) nos Estados Unidos e a falência de empresas ligadas ao segmento, seguida da dificuldade de alguns bancos.

Aos poucos, os analistas e investidores foram medindo a dimensão da crise e se acalmaram. A volatilidade caiu. O otimismo dos mercados acionários é tal, com recordes sendo atingidos todo o dia em Nova York e no Brasil, que é como se a bolha não tivesse estourando. "Antes, se os Estados Unidos espirravam, todo o mundo pegava resfriado", diz Adam Quinton, chefe de análise de ações da Merrill Lynch na América Latina. "Hoje, se os EUA espiram, todos dão de ombros."

Na verdade, a crise no mercado imobiliário americano não alterou em nada as estimativas do Fundo Monetário Internacional para o crescimento econômico mundial em 2007. Em setembro do ano passado, havia previsto 4,9% de crescimento do PIB de todo o mundo em 2007, um ritmo menor do que os 5,4% de 2006. No seu relatório de abril último, mesmo após o susto com as hipotecas subprime, o FMI manteve os mesmos 4,9% de expansão estimados para este ano.

A previsão de crescimento da economia americana, no entanto, foi rebaixada pelo Fundo, para 2,2% em 2007, na comparação com os 2,9% estimados em setembro do ano passado. Em 2006, o PIB dos EUA cresceu 3,1%. A desaceleração na economia americana não vai impedir a economia do Brasil de acelerar, diz o FMI, que revisou para cima as estimativas de expansão do PIB brasileiro no mesmo período, em 0,5 ponto percentual, para 4,4% em 2007 (na metodologia nova de cálculo), em comparação a 3,7% em 2006. O crescimento da Índia também foi revisado para cima, em 1,1 ponto percentual, para 8,4%. A China vai crescer 10% em 2007 e a Rússia, 6,4%.

"Os BRICs estão dando certo", lembra Deiwes Rubira de Assis, presidente do ING no Brasil. A sigla foi criada pela Goldman Sachs para designar as economias com potencial para se tornarem potências no futuro: Brasil, Rússia, Índia e China. É justamente porque os BRICs devem continuar a crescer em ritmo acelerado e comprar produtos brasileiros que uma desaceleração suave na economia americana não preocupa.

Os BRICs - principalmente a China - devem garantir forte demanda por commodities e manter os preços desses produtos elevados, segundo acreditam o FMI e demais analistas ouvidos pelo Valor. Para o FMI, os preços do petróleo terão queda de 0,5% neste ano, mas os das demais commodities vão subir 4,2%, depois da alta de 28,4% registrada no ano passado. No cenário, o Japão cresce 2,9% (2,7% no ano passado) e a Europa, 2,3% (2,6% no ano passado).

"O Brasil está em uma posição privilegiada entre os BRICS, pois tem uma pauta de exportações diversificada e não depende tanto do mercado americano", lembra Pedro Jobim, economista-chefe do ING. Entre seus importantes parceiros comerciais estão a Europa, a Ásia e a América Latina, lembra ele. O saldo da balança comercial continua a surpreender e nos primeiros três meses do ano o fluxo líquido positivo de câmbio contratado para este fim totalizou US$ 20,638 bilhões.

As perspectivas positivas para o crescimento do país têm atraído o investimento externo direto, que totalizou US$ 6,578 bilhões no primeiro trimestre, um recorde histórico excluindo-se os anos que entraram recursos no país para a privatização. A liquidez internacional elevada faz os investidores estrangeiros virem ao país também comprar títulos públicos brasileiros, que têm os juros elevados mais altos entre os pagos em todo o mundo - de 7% a 8% reais ao ano. Foram cerca de US$ 14,5 bilhões de entrada desde que, em fevereiro do ano passado, esses títulos foram isentos de Imposto de Renda para o capital internacional.

Com tanto dólar entrando no país, o Banco Central tem comprado moeda de sobra para evitar que o real se fortaleça mais. Seu caixa em moeda externa, as reservas internacionais do país, não param de subir - já estão na casa dos US$ 120 bilhões. Mas, a dívida externa total brasileira, pública e privada, é de US$ 150 bilhões. Excluídas as reservas, a dívida líquida externa está em US$ 30 bilhões. Os ativos em dólar na dívida interna, por meio dos "swaps reversos", chegam a US$ 15 bilhões, aproximadamente. Faltam apenas cerca de US$ 15 bilhões, portanto, para o país se tornar credor líquido. O Brasil tem caixa suficiente hoje para quitar toda a dívida externa (pública e privada).

Não é à toa que o risco-Brasil - que mede a capacidade e a vontade de o país pagar sua dívida externa - está em níveis recordes de baixa e que o país caminha a passos largos para o grau de investimento, selo de investimento não-especulativo das agências de classificação de risco de crédito. Os analistas falam que o grau de investimento virá, em 2008 ou 2009, o que pode impulsionar ainda mais o ingresso de dólares de investidores mais conservadores que não podem trazer seu dinheiro a países de maior risco. "Antevemos mais um ano de saldo positivo no balanço de pagamentos, com destaque para os fortes investimentos estrangeiros diretos e em portfólio (principalmente para as ofertas primárias e secundárias de ações na bolsa)", diz um relatório do departamento econômico do Bradesco.

Os BRICs e os emergentes exportadores de petróleo, que vem acumulando reservas internacionais de forma generalizada, parecem estar em posição mais tranqüila para enfrentar turbulências externas. Em 1995, as reservas significavam 5% do PIB desses países. Hoje, já representam mais do que 35%, o que amplia o poder de fogo desses países e traz mais estabilidade às suas moedas, apesar de ter um custo fiscal considerável em países de juros mais altos, como o Brasil.

Seria inocente acreditar, no entanto, que uma desaceleração mais forte na economia americana, que ainda representa cerca de 30% do Produto Interno Bruto mundial, é responsável por 20% do total de importações do mundo e tem o maior e mais profundo mercado financeiro do planeta não teria impactos políticos e econômicos significativos nos demais países, inclusive os BRICs.

No cenário mais sombrio, com um pouso mais violento na economia americana, analistas apostam que o Fed, banco central dos Estados Unidos, agiria prontamente para promover um novo ciclo de afrouxamento monetário, injetando mais liquidez na economia internacional. Afinal, os juros podem cair, pois a inflação nos países desenvolvidos não preocupa - será de 1,8% ao ano neste ano, segundo previsões do FMI.

O Fed parou de subir os juros americanos básicos dos Fed funds no dia 29 de junho do ano passado. Desde então, foram seis reuniões com as taxas a 5,25% ao ano. O ING aposta em corte de 0,25 ponto percentual até o final do ano, para 5% ao ano. A Merrill Lynch fala em 0,75 ponto percentual, para 4,5%. O UBS é mais agressivo e aposta em 1,50 ponto percentual, para 3,75% ao ano.

"O que o mundo se pergunta é se os americanos vão continuar a gastar dinheiro que eles não têm, para comprar coisas que eles não precisam e para impressionar pessoas que eles não gostam", brinca Klaus Wellershoff, membro do conselho do suíço UBS e chefe de estratégia e pesquisa global. "E a resposta é sim", diz.

Os juros americanos mais baixos, além de ajudarem a manter no cenário uma desaceleração moderada nos Estados Unidos, deverão estimular os investidores a procurar rendimentos mais altos nos mercados de maior risco, como o de ações e de moedas e juros dos emergentes. Por isso, os analistas acreditam que a desaceleração no crescimento mundial não deverá vir acompanhada por uma redução no valor de mercado das companhias listadas em bolsa. Os países, como o Brasil, que ainda oferecem juros altos, moeda forte e possibilidade de valorização das ações, serão especialmente contemplados pelos investimentos.

Juros mais baixos nos Estados Unidos significam impreterivelmente dólar mais fraco, no entanto. "A situação seria mais complicada se os movimentos abruptos nas taxas de câmbio acontecendo em um ambiente de atividade em ritmo mais lento e crescente desemprego desencadeassem um ressurgimento dos sentimentos protecionistas", atesta o relatório do FMI "Perspectivas Econômicas Mundiais". "Tal risco deve ser ainda mais salientado considerando-se o impacto dos mercados crescentemente globais naqueles pior posicionados para tirar vantagens da nova situação", comenta o Fundo.