Título: Governo aposenta reformas complexas
Autor: Safatle, Claudia
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2007, Caderno Especial, p. F3

Consagrada a estabilidade e encerrada a era do extremo rigor fiscal e monetário, o governo Luiz Inácio da Silva busca abrir, nesse segundo mandato, espaços para políticas estruturais de desenvolvimento econômico e social. E aposta no próprio crescimento como solução natural para os problemas remanescentes.

Ao anunciar, em janeiro deste ano, as bases do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - um conjunto de obras que há anos espera execução e que são tidas como premissas para uma produção mais robusta - Lula aposentou a meta de superávit primário de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB), que mais do que cumpriu no primeiro mandato, e jogou todas as fichas no impulso que o aumento do investimento público poderá produzir nos empreendimentos do setor privado. Esta é uma tarefa complexa e a execução do PAC está muito aquém do desejável. A máquina do Estado não consegue deslanchar e, a prosseguir nesse ritmo, o desempenho do PAC poderá ser mais um fiasco. Sinal de que não basta ter o dinheiro para fazer as obras. É preciso, diante de uma burocracia obstinada, saber como tocá-las.

O governo aposentou, também, as idéias reformistas de alta complexidade política. O Palácio do Planalto não vê chances para ousadias como reforma do mercado de trabalho, tornando as regras de contratação de mão-de-obra mais flexíveis; e jogou no colo de um Fórum Nacional a responsabilidade de construir uma proposta de reforma da Previdência. No lugar do reformismo, Lula está centrando sua gestão em algumas iniciativas pontuais que podem não ser espetaculares mas dependem muito dos recursos da União e têm importantes ligações com as premissas do crescimento sustentado. Assim, lançou no fim de abril o Plano de Desenvolvimento da Educação, com ênfase na melhoria do ensino básico, e ensaia novos passos na área da segurança pública.

Das contas do balanço de pagamentos vem um conforto jamais visto e que, apesar de garantir a solvência do país, traz como efeito colateral uma taxa de câmbio valorizada que tem preocupado o governo e prejudicado alguns setores pouco competitivos. A faxina que o governo Lula fez nas contas externas de 2003 para cá fechou um importante canal de transmissão de crises externas, que, nos últimos 25 anos, chegavam à economia doméstica produzindo estragos de bom tamanho. A acumulação de reservas cambiais de US$ 120 bilhões representa uma rede de proteção da economia brasileira contra choques externos. É um conforto que o país, é claro, paga um preço para ter.

O Banco Central pretende manter, pelo menos neste ano, a política de intervenções de compra de dólares, que, embora negue, acaba surtindo algum efeito de depreciação do real, até que o país tenha reservas do país como proporção do PIB, hoje de 10%, cheguem aos padrões de outros países emergentes. No Chile elas são de 15% do PIB; na Rússia e Coréia, de cerca de 30%.

A revisão dos dados do PIB, de acordo com nova metodologia do IBGE, veio para referendar a confiança do governo de que não há problemas macroeconômicos insuperáveis a lidar agora, à exceção da taxa de câmbio. Os dados do IBGE apontaram alterações relevantes no nível do PIB. A taxa média dos últimos cinco anos subiu de 2,5% para 3,2% e, em 2006, de 2,9% para 3,7%. Diante do recuo da taxa de investimento, esses dados indicam que a economia está com maior produtividade.

Do lado da oferta, os novos números do PIB mostraram maior crescimento da agropecuária e dos serviços e redução do crescimento industrial. Pelo lado da demanda, houve aumento na Formação Bruta de Capital Fixo, no consumo das famílias e do governo. O crescimento das exportações foi de apenas 4,6% no ano passado, ao passo que o crescimento das importações tem sido mais forte (18,1%).

O aumento das importações deu início a um processo de ajuste do balanço de pagamentos que será gradual, já que o governo rejeita a hipótese de ampliar a abertura da economia, e que deverá resultar na redução do superávit comercial e do superávit nas transações correntes. Escolhido o caminho de um ajuste de longo prazo, a tendência é que a valorização da taxa de câmbio dure ainda um bom tempo.

As importações ajudam a inflação a se comportar de maneira exemplar, apesar do aumento da demanda agregada maior do que o da oferta, e o ambiente da política monetária tende a ser um pouco mais relaxado, com uma redução mais acelerada da taxa básica de juros. No primeiro mandato o Banco Central foi muito criticado por seu conservadorismo, mas tal persistência, é inegável, gerou credibilidade da autoridade monetária. De setembro de 2005 para cá a taxa Selic teve uma forte redução (de 19,75% ao ano para 12,5%).

De acordo com a última ata do Comitê de Política Monetária (Copom), a diretoria do BC se dividiu. Três membros julgaram que a trajetória futura da inflação já justificaria reduzir a taxa básica de juros em 0,5% e não no ritmo de 0,25% ao mês. Sinal de que o Copom pode acelerar a queda da Selic. Desativada a fiação que ligava os choques externos à inflação, o governo Lula poderia ser mais ambicioso com relação às metas de inflação futura. A meta de 4,5% deste ano se repete em 2008 e em junho o governo terá que determinar a meta para a inflação de 2009. Em declaração recente o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse, no entanto, que a tendência seria continuar apostando nos 4,5% de inflação. Com as contas externas em ordem, inflação sob controle e juros em queda, o governo ficará devendo ao país uma boa limpeza nas contas públicas internas, não para manter superávits primários elevados, mas para institucionalizar mecanismos de controle do crescimento dos gastos correntes que há uma década correm frouxo. Uma medida do PAC sugere um teto para o aumento da folha de salários dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Esta, se aprovada, seria uma primeira iniciativa para conter a despesa.

Às vésperas de ser elevado a "grau de investimentos" pelas agências de rating, que hoje ainda dão nota "BB" para o Brasil, é a questão fiscal a única pendência que as agências alegam para não promover o país. Os dois principais indicadores de solvência interna podem não ser brilhantes, mas também não comprometem. A dívida bruta do governo era de 66,1% do PIB em fevereiro. A dívida líquida (abatidos os créditos do governo) é de 44,7% do PIB. O Brasil, hoje, não oferece riscos aos investidores.