Título: Sem ser candidato, Lula atrai governadores
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Fonte: Valor Econômico, 02/05/2007, Caderno Especial, p. F4

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu em seu primeiro ano de segundo mandato estabelecer com os governadores uma aliança política que ultrapassa as barreiras partidárias. Ao se colocar ausente da eleição presidencial seguinte pela primeira vez desde 1989, Lula diminuiu a temperatura do embate com os governadores oposicionistas que podem ser candidatos em 2010: o mineiro Aécio Neves e o paulista José Serra, ambos do PSDB.

A partir disso, Lula utilizou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para sinalizar com investimentos em todos os Estados, retomou a discussão de uma reforma tributária e aceitou discutir mecanismos que flexibilizam o acordo de federalização das dívidas. Em troca, os governadores do PMDB atuaram para consolidar a aliança do partido com Lula, os do PSDB trabalharam para eleger o petista Arlindo Chinaglia (PT) para a presidência da Câmara e os do PT estão a campo para impedir que o partido pressione o presidente por mais espaço.

Um dos principais aliados do presidente dentro do PMDB, depois de aceitar patrocinar a indicação do médico José Gomes Temporão para o Ministério da Saúde - uma escolha pessoal de Lula - como se fosse sua, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, chama a atenção para a aproximação entre o Planalto e os tucanos. "Vejo nesse segundo mandato do presidente um amadurecimento político não só dele, mas também dos partidos aliados e de alguns setores da oposição, que tem tudo para gerar um ambiente político capaz de um avanço importante em temas cruciais para o Brasil, como a reforma política e a reforma tributária", afirma.

O fato de Lula não ser candidato à Presidência em 2010 diminui, na avaliação de Cabral, a temperatura do embate político, o que possibilitaria um avanço do pacto federativo. "O Brasil está num momento muito propício para avançar na discussão de uma agenda propositiva. O fato de o presidente Lula não ter uma reeleição pela frente diminui a temperatura do embate político", diz. "Em relação ao primeiro mandato, houve uma mudança de clima. O presidente garantiu de maneira explícita, na reunião dos governadores, que não tentará nenhuma manobra continuísta, eliminando qualquer espaço para uma desconfiança entre governo e oposição", afirma o governador da Paraíba, o tucano Cássio Cunha Lima .

Governador reeleito, Cunha Lima lembra que no mandato anterior, a crise política e o fato de Lula ser candidato natural à reeleição precipitou o debate eleitoral. "Isto bloqueou o diálogo entre o governo federal e os estaduais sobre questões como a reforma tributária", avalia. "Lula já é um grande negociador e está buscando o consenso. Agora, ficará em uma posição mais confortável ainda", diz o governador petista Jaques Wagner, da Bahia, principal dirigente estadual filiado ao partido .

A reunião dos governadores com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode encerrar a guerra fiscal entre os Estados, na avaliação de Wagner. O baiano afirma que os Estados nordestinos devem fazer um mea culpa em erros do passado, como a concessão excessiva de incentivos a empresas .

Em encontro posterior realizado apenas entre governadores da região, em João Pessoa, Wagner disse que o que se sobressaiu foi uma "visão madura" sobre o tema. "Não há mais espaço para renúncia fiscal porque depois os Estados não vão conseguir honrar o compromisso. Vamos colocar o chapéu onde o braço alcança. Não dá para voltar ao tempo dos índios, quando se trocava ouro por espelhinho", afirma.

A proposta de reforma tributária que Lula começou a discutir com os governadores em abril reforça a aliança entre os Estados e a Presidência. Ganhou elogios e é vista de maneira positiva até pelos governadores eleitos em aberto confronto com o presidente, como é o caso de Luiz Henrique da Silveira, eleito pelo PMDB com um vice tucano.

"O projeto que o governo apresentou é um grande avanço", diz Luiz Henrique, para quem "a nova fórmula é muito melhor do que a que existe hoje, porque universaliza a carga tributária". A proposta do governo concentra a maior parte dos tributos em dois Impostos sobre Valor Agregado (IVA), um federal e outro para os Estados (com cobrança no destino e regras e alíquotas nacionais para evitar a guerra fiscal). Luiz Henrique diz que o IVA estadual pode acabar com a guerra fiscal entre os Estados, estabelecendo alíquotas iguais em todo o país.

"A proposta é ótima, porque garante mais eficácia e transparência na arrecadação. A reforma tributária é o eixo central do pacto federativo", avalia a governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB), uma empedernida adversária do governo federal, que se mantém cética sobre o alcance desta aproximação entre os governadores e o presidente. Yeda não acredita que o governo federal consiga encaminhar a proposta ao Congresso até julho ou agosto, como defendeu o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy.

Por isto, a tucana aposta que os governadores deverão ficar com o pé atrás. "Primeiro queremos a segurança de que os compromissos firmados serão honrados", afirma. Para Yeda, houve uma mudança no padrão do "diálogo" entre Lula e os governadores, "depois de um mandato em que houve litígio permanente na relação federativa".

Ex-ministro de Lula, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), sugere o estabelecimento de um cronograma de metas para a questão tributária. Propõe um tempo de adaptação de até 12 anos. "Não conheço um sistema tributário que seja mudado de um ano para o outro", avalia. Campos propõe o mesmo sistema gradual para a reforma política. Apesar da fidelidade a Lula, Campos também modera o entusiasmo em relação aos resultados concretos da aproximação.

O governador de Pernambuco diz que saiu bastante otimista da última reunião que o presidente teve com os governadores justamente porque houve uma sinalização do governo federal de que está disposto a tocar essas reformas. Disse que os governadores saíram satisfeitos do último encontro com o presidente porque "a esperança é a última que morre".

A brecha para reduzir os gastos da dívida com a União por meio de empréstimos junto ao setor privado, a mais vaga das promessas feitas por Lula na reunião com os governadores, ainda é vista por alguns como uma possibilidade concreta, mas não em um horizonte curto de tempo. "Não só este, como todos os pontos daquela conversa são objetivos de médio prazo. Não podemos ser imediatistas", diz o governador do Ceará, Cid Gomes (PSB), que afirma já estar estudando mecanismos para negociar com o setor privado.

Detentor da maior dívida, o governador paulista José Serra (PSDB) recebeu com ceticismo a possibilidade desta transação. A avaliação da área econômica de seu governo é que o setor privado não se interessará pelo negócio ou não oferecerá taxas mais interessantes para os governos estaduais que as já acertadas entre os Estados e a União.

Mas, na Paraíba, as negociações já tiveram início. O governador Cassio Cunha Lima esteve com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, no início de abril. Cunha Lima pretende refinanciar no exterior a dívida fundada do Estado, de R$ 2,3 bilhões, dando como lastro a própria cota do Estado no Fundo de Participação dos Estados (FPE). (César Felício, de São Paulo; Janaina Vilela, do Rio; Patrick Cruz, de Salvador; Vanessa Jurgenfeld, de Florianópolis; Sérgio Bueno, de Porto Alegre e Carolina Mandl, do Recife)