Título: Incerteza sobre política fiscal deve persistir nos EUA
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Fonte: Valor Econômico, 08/02/2013, Internacional, p. A9

Uma sucessão de incertezas marca a política fiscal americana nos últimos anos, com impactos negativos sobre a confiança de consumidores e empresários. O risco do momento são os cortes automáticos de gastos previstos para entrar em vigor em 1º de março. Apelidados de "sequestro", esses cortes somam pouco mais de US$ 85 bilhões no ano fiscal que começa em março, metade dos quais se refere a despesa militar.

Esse é só o mais recente impasse sobre as contas públicas dos EUA. Em 2011, houve a crise do teto da dívida, que fez o país perder a nota máxima da empresa de classificação de risco Standard & Poor"s. No fim do ano passado, o foco foi o risco de abismo fiscal - a combinação simultânea do aumento de impostos e corte de gastos agendada para o começo de 2013. Nos primeiros meses deste ano, mais uma vez apareceu o problema do teto da dívida. Em nenhum dos casos o cenário mais negativo se concretizou, mas tampouco uma solução estrutural foi encontrada.

Esse padrão de pequenos acordos, que evitam o pior, sem resolver o essencial, pode ter vida longa. O chefe de pesquisa da consultoria de risco político Eurasia Group, David Gordon, nota que, primeiro, os EUA continuam a ser vistos como um porto seguro pelos investidores, mesmo num cenário de seguidas indefinições no cenário fiscal. "Não há pressão dos mercados", diz ele, observando que os juros dos títulos do Tesouro americano permanecem baixíssimos. Além disso, no campo político, a divisão entre democratas e republicanos é tão acirrada que ninguém se dispõe a ceder, para não perder o apoio eleitoral. O mais provável, para ele, é que haja uma sucessão de pequenos acordos.

"Esse me parece um padrão sustentável. Não que seja um padrão bom, mas é algo sustentável", afirma Gordon, também chefe do escritório de Washington da Eurasia. No caso dos cortes automáticos de gastos, ele acredita que democratas e republicanos chegarão a um acerto, também modesto. Gordon não descarta que o "sequestro" entre em vigor por alguns dias, mas considera que logo em seguida os dois partidos fariam um acordo para pelo menos adiar o problema por mais algum tempo.

Esse tipo de solução impede que haja um efeito fiscal sobre a economia, mas mina a confiança de empresários e consumidores, que investem e gastam menos por causa do clima de incerteza, diz Gordon. Outro impasse pode ocorrer até maio, dessa vez relacionado ao teto da dívida - no fim de janeiro, a questão foi adiada pelo Congresso por mais três meses e meio.

Os pequenos acordos fiscais têm provocado alívio no curto prazo, mas contratam novas tensões logo à frente. O "sequestro", por exemplo, passaria a valer a partir de janeiro deste ano, mas foi evitado pelo acerto de última hora aprovado pelo Congresso, o que impediu a concretização do abismo fiscal. Além do aumento de impostos para os mais ricos, os cortes automáticos de gastos foram prorrogados para 1º de março.

Essas reduções automáticas remontam às negociações referentes a outro impasse fiscal - a batalha sobre o aumento do teto da dívida ocorrida em 2011. Na ocasião, o acordo para elevar o limite de endividamento do governo estabeleceu um comitê conjunto, que definiria como reduzir o déficit público em US$ 1,2 trilhão nos dez anos seguintes. Para o caso de o chamado "supercomitê" não chegar a um acordo, criou-se como salvaguarda esse mecanismo automático de corte de despesas.

Segundo cálculos do Centro de Prioridades do Orçamento e de Políticas, os cortes são de US$ 85,3 bilhões no ano fiscal que começa em março. Os gastos militares poderão ser reduzidos em pouco mais de 7%, e os com o Medicare (o sistema de saúde para idosos), em 2%.

Na terça-feira, o presidente Barack Obama pediu aos congressistas que aprovem uma pequeno pacote fiscal com reduções mais modestas e mudanças nos impostos para evitar os cortes automáticos de gastos, dizendo que "a ameaça de maciços cortes automáticos já começou a afetar as decisões de negócios". O governo estuda colocar funcionários em licença não remunerada, assim como informou já analisar detalhadamente contratos, subsídios e outras despesas.

Em relação ao tamanho da economia americana, os US$ 85,3 bilhões não são significativos - equivalem a pouco mais de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Para Gordon, porém, se os cortes automáticos entrarem plenamente em vigor, o impacto sobre a economia será bem maior do que sugere a sua magnitude como proporção do PIB. O efeito sobre a confiança seria substancial, bastante negativo para um país em que a taxa de desemprego segue próxima de 8%.