Título: Corrida presidencial vai ser antecipada
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2007, Caderno Especial, p. F6

A eleição presidencial de 2010 será a primeira, desde que o voto direto para presidente foi restabelecido em 1989, sem a presença de Luiz Inácio Lula da Silva na disputa. No entanto, é em torno do atual presidente da República que se desenvolvem os primeiros movimentos de sua sucessão, campanha aparentemente distante mas que deve ser antecipada para o final deste ano, no máximo início de 2008.

Lula chefia um governo forte, mas os potenciais candidatos do PT para 2010 são considerados fracos. Já a oposição ao governo é fraca mas tem candidatos fortes na figura dos governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas Gerais, Aécio Neves, do PSDB. Competitivo, no campo governista, é o deputado Ciro Gomes (PSB-CE), que já disputou com bom desempenho duas eleições presidenciais e deve entrar na corrida, na avaliação dos institutos de pesquisa, com algo entre 15% e 20% das intenções de voto.

A oposição joga sua sorte na disputa Serra-Aécio. Ela continuará fraca enquanto não tiver um candidato capaz de viabilizar um projeto de poder. Serra demonstra pouca disposição para comandar a oposição. A chave é o que fará Aécio, uma vez que não há muitas dúvidas, no partido, de que Serra tomará conta do PSDB e será o indicado dos tucanos para 2010. Jovem, o governador de Minas poderia aceitar uma composição para 2014, elegendo-se primeiro senador, trajetória que se tornou menos previsível com a possibilidade de o Congresso acabar com a reeleição e abrir a porta para Lula concorrer de novo em 2014 ou 2015, se o fim da reeleição for acompanhado do aumento do período de mandato de quatro para cinco anos.

Assim, na avaliação de congressistas, se Aécio quiser ser presidente em 2010 precisa definir-se logo, no máximo até o final deste ano, do contrário não terá a menor chance contra José Serra entre os tucanos. Além de governar o maior Estado da federação, o governador de São Paulo é um nome conhecido nacionalmente, era o único nome que aparecia nas pesquisas capaz de disputar com Lula em 2006, é o nome mais forte para a sucessão de Lula, na avaliação atual dos institutos, e tende a se tornar hegemônico no PSDB. E são poucas as opções do neto de Tancredo Neves fora do ninho tucano.

Uma hipótese é o PMDB. Mas o partido não lhe inspira confiança. O exemplo de Anthony Garotinho ainda é vívido: foi atraído pelos pemedebistas com a promessa de ser o candidato pemedebista nas últimas eleições, mas exorcizado pelos caciques partidários que fecharam uma aliança com Lula. Além disso, o partido está na base de Lula. E no cenário de uma candidatura de oposição, é preciso que o candidato tenha um papel e um discurso formatado contra o governo, por melhor que ele seja. Aécio até que tem ensaiado alguns passos nesse sentido, com o esboço de um forte discurso federativo.

Ocorre que Aécio não é Garotinho e o PMDB, sem apresentar candidato próprio desde que Orestes Quércia foi humilhado pelas urnas de 1994, começa a vislumbrar na aliança com Lula e o PT a possibilidade de enfim entronizar um pemedebista no Palácio do Planalto. E o partido não tem um nome: Nelson Jobim é um jurista desconhecido e Sérgio Cabral, governador do Rio, uma promessa, mas também não é um nome nacional - a eleição de 2006 mostrou como foi difícil para Geraldo Alckmin tornar-se um nome conhecido, apesar de ter governado São Paulo. Aécio, cuja origem é pemedebista, seria portanto uma solução. Talvez até uma barbada, pois o entendimento entre os políticos é que Lula deve chegar às eleições de 2010, mantidas as atuais condições de temperatura e pressão, como um grande eleitor.

O primeiro lance da disputa tucana está próximo. Será em novembro, com a eleição do sucessor do senador Tasso Jereissati (CE) na presidência do PSDB. Uma candidatura que começa a ganhar musculatura é a do senador Sérgio Guerra (PE), um aliado do governador de São Paulo. Mas Geraldo Alckmin também reivindica o posto. Eleito, seria um aliado de Aécio, se não tentar refazer os passos de Serra e quiser ele próprio ser o indicado.

Um dado novo pode embaralhar o quadro: antes de sair, Tasso Jereissati quer deixar instituídas as eleições prévias para a indicação do candidato do partido.

Lula, por seu turno, usa a divisão tucana a seu favor. Ao se aproximar de José Serra, inibe a oposição do PSDB. Serra, por sua vez, entra no caminho de um possível entendimento entre Lula e Aécio, como ensaiado pelo governador mineiro nos primeiros anos do primeiro mandato. Do discurso de Aécio já não faz parte a análise segundo a qual a radicalização PT-PSDB era fruto da política paulista e não tinha correspondente no resto do país.

Em nome da boa convivência com Serra, o governador de Minas avalizou o acordo entre o PSDB e o PT para a eleição de Arlindo Chinaglia à presidência da Câmara. Hoje seus correligionários reconhecem que talvez tenha sido um erro. Aécio, a exemplo de Serra, também apoiou o projeto que acaba com a reeleição, e assim como Lula e o governador de São Paulo, se recusa a assumir a paternidade da proposta. Entre os partidos há convicção de que Lula estimula o debate sobre o fim da reeleição, embora negue publicamente, por conta de uma eventual volta ao poder em 2014 ou 2015, no caso de o mandato ser estendido para cinco anos.

O PT aposta na máquina - do Estado e do partido - e na expectativa, plausível segundo os congressistas, de que Lula chegará a 2010 com a atual condição de popularidade. Isso permitiria que o candidato a ser indicado partisse de um patamar mínimo de 20% do eleitorado. Dos pré-candidatos, Palocci é o nome mais conhecido, mas carrega o estigma das denúncias de corrupção na Prefeitura de Ribeirão Preto e a acusação de haver determinado a quebra do sigilo bancário de um "simples caseiro". Palocci é discreto mas ativo: na eleição para a presidência da Câmara fez campanha junto a financiadores de campanha (banqueiros) para Arlindo Chinaglia, sob o argumento de que ele era mais afinado com a política econômica que implantou no Ministério da Fazenda.

O projeto dos partidários de Marta Suplicy sofreu um baque com sua indicação para um ministério de segunda grandeza, o Turismo, quando em seus planos estava o de Cidades, de grande poder de articulação com os prefeitos, ou o da Educação. O nome petista pelo qual Lula demonstra mais simpatia é o do governador baiano Jaques Wagner, que deve inclusive receber atenção especial no desenvolvimento do Programa de Aceleração da Economia (PAC).

Fora do PT, Lula demonstra apreço por Eduardo Campos, governador de Pernambuco, que também deve receber atenção especial no PAC, e pelo deputado Ciro Gomes, seu ex-ministro da integração nacional. Ambos são do PSB, partido que, a exemplo do PCdoB, pretende se apresentar com uma alternativa ao PT à esquerda. A dificuldade de Lula é fazer o PT aceitar um nome de fora dos quadros do partido.

A convicção de alguns dirigentes petistas é que Lula usa Ciro Gomes como uma arma contra o próprio partido. Algo como o presidente João Figueiredo fazia ao ameaçar "chamar o Pires (ministro do Exército, Walter Pires)" como sinônimo de endurecimento do regime, sempre que seus interesses eram contrariados. Seja como for, embora competitiva a candidatura de Ciro Gomes apresenta pelo menos três problemas.

O primeiro deles é o próprio partido: Eduardo Campos quer ser candidato e deve levar o jogo até o final. Como é jovem e terá direito a disputar a reeleição (se a reeleição acabar, deve ser mantido o direito dos que estão exercendo o primeiro mandato), pode selar um acordo com Ciro Gomes. O outro é a dificuldade que o candidato terá para fazer alianças, não só de natureza pessoal, pois o cenário de 2010 é de múltiplas candidaturas. E se não tiver o apoio de Lula, o ex-ministro não terá como enfrentar e jogar fora o eleitorado de Lula, especialmente forte no Nordeste.

É tido como plausível também Lula ter mais de um candidato nas eleições em 2010. Até para perder, pois 2014 ou 2015 estariam ali, logo adiante. Será a primeira eleição sem Lula, desde 1989. A menos que ganhe corpo uma idéia que circula nos bastidores do Planalto: Lula concorrer ao Senado por Pernambuco.