Título: Obstáculos logísticos asfixiam o agronegócio
Autor: Lopes, Fernando e Barros, Bettina
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2007, Caderno Especial, p. F9

Cantados em verso e prosa desde o fim da paridade cambial entre o real e o dólar, em 1999, os gargalos logísticos para o crescimento do agronegócio brasileiro chegaram, em 2007, a um limite crítico. O "apagão", termo da moda usado por dez entre dez fontes do setor para definir o conjunto dessas barreiras, é sentido pela iniciativa privada e governo, agropecuária empresarial e familiar, exportadores e importadores. Está na "agenda", e só poderá ser revertido com investimentos, públicos e privados.

A preocupação ganha particular relevância num momento em que se abre um variado leque de oportunidades para o campo, tanto em razão da tendência de aumento da demanda global por alimentos quanto por causa da febre mundial em torno da disseminação de biocombustíveis, "turbinada" pelos Estados Unidos mas que já se alastra por dezenas de países.

"Infra-estrutura é causadora de exclusão social. Quanto mais o governo demora a intervir e retarda investimentos, mais desigualdade", alerta Francisco Olavo Batista de Sousa, assessor da direção de gestão de estoques da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e coordenador do programa de escoamento da produção agrícola da estatal, que é vinculada ao Ministério da Agricultura. "Todos perdem competitividade, mas os grandes produtores conseguem atenuar os efeitos dessa carência. Os pequenos e médios, não. Daí as compensações que, de tempos em tempos, são oferecidas via mecanismos de comercialização."

Para Sousa, um dos maiores especialistas em "logística agrícola" do governo, a situação mato-grossense é emblemática. Maior Estado produtor de soja de um país que ainda tem no grão o carro-chefe de sua economia agroindustrial, o Mato Grosso planta e colhe com uma tecnologia de ponta que depois é corroída pelos entraves em transporte e armazenagem. "É a mesma coisa no algodão. O produto que sai da fazenda é da melhor qualidade; o que chega ao cliente final, não".

A Conab sente no caixa os entraves provocados por uma infra-estrutura carente. A empresa tem cerca de 180 armazéns com capacidade estática conjunta para 2,2 milhões de toneladas (a maior rede do país) e, enquanto gestora de estoques públicos, faz operações como Aquisições do Governo Federal (AGF) e remoções e comercialização de produtos por meio de leilões eletrônicos. Trata-se do braço executivo de uma política agrícola que, quando "engargala", deixa a conta em seu balanço. Via AGF, a Conab adquiriu 2,6 milhões de toneladas de produtos em 2006. Via instrumentos de sustentação de preços (PEP, PROP, PEPRO, PESOJA), foram negociadas 19,1 milhões de toneladas de produtos e 5,5 milhões de litros de vinho.

Estima-se que, no total, o país perca bilhões de dólares por ano em virtude de uma logística "calamitosa", como define Marcos Jank, fundador e presidente de honra do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), centro de pesquisa mantido pela iniciativa privada. Só em subsídio ao frete das compras oficiais, informa Luiz Antônio Fayet, coordenador da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o governo federal gastou cerca de R$ 1 bilhão nos últimos dois anos para "vascularizar" a comercialização. "A grande vilã é a falta de planejamento", vaticina Fayet.

A infra-estrutura logística sempre foi prioridade para o agronegócio brasileiro. A preocupação cresceu com o desenvolvimento da produção de grãos no Centro-Oeste, na década de 70, e tornou-se aguda com a guinada cambial de 1999, que "turbinou" a produção do campo voltada à exportação. De lá para cá, a safra de grãos e de outros itens agrícolas, a oferta de carnes e as vendas do agronegócio ao exterior cresceram exponencialmente.

Em meados da década de 90, o país colhia pouco mais de 80 milhões de toneladas de grãos, e nesta safra 2006/07 deverá produzir 131,1 milhões, segundo a Conab. Calculada pelo Ministério da Agricultura, a renda agrícola ("da porteira para dentro") saltou de R$ 84,1 bilhões, em 2000, caiu para pouco mais de R$ 100 bilhões por ano em 2005 e 2006 - em virtude da crise dos grãos no Centro-Oeste - e deverá superar R$ 111 bilhões este ano, com a recuperação dos grãos e o sucesso da cana. Já as exportações do agronegócio, que em 2000 somaram US$ 20,6 bilhões, chegaram a US$ 49,4 bilhões no ano passado. Pesquisado pela CNA, o PIB do setor deverá atingir R$ 545,3 bilhões neste 2007.

No início da década, previa-se que uma debacle logística era questão de poucos anos. Clima adverso em algumas regiões e a própria crise de renda e liquidez dos grãos - que embute um importante componente cambial - adiaram o nó, que agora volta a sufocar. Para evitar a asfixia, o setor conta com os aportes de R$ 58 bilhões em infra-estrutura previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo até 2010 e, paralelamente a eles ou não, com a criação de saídas para a produção do Centro-Oeste, principalmente.

"Como o avanço da produção é para o norte do Centro-Oeste, é preciso soluções por lá", afirma Batista de Sousa, da Conab. Ele confia no avanço do corredor Centro-Norte, incluindo a rodovia Belém-Brasília e a ferrovia Norte-Sul - "outros projetos sairão da gaveta a partir daí, num efeito sistêmico" -; na BR-163, que até 2010 deverá ligar Cuiabá (MT) à Santarém (PA); no maior uso de hidrovias; e no estímulo à competição entre os modais.

Atualmente, entre 60% e 65% da safra brasileira de grãos é escoada por rodovias. As ferrovias representam 20% e as hidrovias, o percentual restante. Trata-se de uma divisão que, além do maior impacto ambiental que gera, desafia a lógica econômica, já que o frete rodoviário é duas vezes mais caro que o ferroviário, que por sua vez é quatro vezes mais elevado que o hidroviário.

Fayet, da CNA, reitera que o problema da produção do Centro-Oeste é urgente. Em 2005, lembra, previa-se que até 2015 o país teria que escoar 20 milhões de toneladas de grãos a mais pelos portos do Centro-Norte. "Já estamos falando em 40 milhões de toneladas a mais em dez anos", afirma. Ele tem esperança de que o trabalho conjunto entre iniciativa privada e governo, que ganhou força com a criação da Câmara Setorial de Logística no Ministério da Agricultura, em 2005, possa acelerar projetos como os dos portos de Itaqui e São Luís, no Maranhão, que deverão receber melhorias significativas.

É crescente o número de projetos e os investimentos realizados por agroindústrias, seja em melhorias de rodovias, ferrovias, armazenagem ou portos. Nem todos, contudo, estão livres de obstáculos. Inaugurado em 2000 pela Cargill, o porto de Santarém recentemente ficou paralisado por quase um mês devido a uma disputa judicial com o Ministério Público Federal. No projeto, a múlti não apresentou o estudo e relatório de impacto ambiental (EIA-Rima) exigidos para grandes empreendimentos, e o porto foi embargado em 23 de março pelo Ibama.

A Cargill alega ter cumprido a determinação de autoridades ambientais do Estado, que à época não exigiram a documentação. O porto foi reaberto devido a uma liminar concedida por um desembargador do Tribunal Regional Federal (TRF), de Brasília. Mas não é o fim da história: ainda cabe recurso ao Ministério Público. No pior dos cenários, o porto poderá ser fechado novamente. O porto escoa, em média, 1 milhão de toneladas de soja do Mato Grosso por ano.

Outra preocupação para a iniciativa privada é o escoamento de açúcar e álcool para o exterior, acentuada pelo descompasso nos investimentos em novas usinas - quase 100 projetos no país. O alcooduto prometido pela Petrobras para refrescar a situação ainda não saiu do papel. Estimado em US$ 600 milhões, ele ligará as principais regiões produtoras do país, saindo de Senador Canedo (GO) até o porto Ilha D'Água (RJ). A estatal afirma que as obras começam este ano, mas, por ora, só o trecho de Paulínia (SP) ao porto carioca está em operação, com capacidade para 1,2 bilhão de litros por ano.

Adiantando-se ao governo, a iniciativa privada começou a mexer os seus palitos para garantir o escoamento e não depender exclusivamente da Petrobras. Um grande projeto começa a ser costurado entre usineiros e companhias ferroviárias. A ALL estuda um projeto de centro de captação de álcool em Mairinque (SP). O álcool chegaria até o local, onde já existe um entroncamento rodo-ferroviário, de caminhão e seguiria até Santos por alcoodutos. A empresa diz ter planos para escoar álcool e açúcar.