Título: Cobrança de metas gera bom resultado na área educacional
Autor: Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2007, Caderno Especial, p. F14

Cada vez que o sinal toca na escola Félix Camoa, a jovem Divina, de 16 anos, sai correndo da sala de aula. É hora de amamentar seu bebê, de apenas dois meses, que fica em uma salinha próxima àquela onde ela cursa o 1º ano do ensino médio. A pequena creche colorida e forrada de desenhos da Turma da Mônica teve de ser adaptada de uma sala de aula para que as alunas não abandonassem a escola e ficassem perto dos filhos. "Se não tivesse a creche, não dava para estudar", diz a jovem. Na creche, estão 32 filhos de alunas.

Perto da escola de Divina, em Porto Nacional, no interior de Tocantins, André, de 14 anos, quase desistiu de estudar depois que repetiu de série cinco vezes. Na escola Dr. Pedro Ludovico Teixeira, ele entrou em uma sala de aceleração de aprendizagem, parou de "matar" aula e começou a fazer a lição de casa todos os dias. "Quero estudar, fazer faculdade, para ser alguma coisa na vida."

O combate à evasão escolar, às altas taxas de repetência e à distorção idade-série são pilares do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em abril. Até 2021, todos os municípios terão de se esforçar para atingir as metas projetadas pelo governo, mas a princípio apenas as escolas com os piores índices receberão recursos extras. No primeiro ano de execução do plano, mil municípios dividirão R$ 1 bilhão, de acordo com suas necessidades. As demais escolas terão de ajustar os projetos de gestão, o que nem sempre requer muitos recursos. As escolas de Divina e André são exemplos de como a mudança na gestão e a criação de metas antes mesmo da adoção do PDE mantiveram os alunos nas salas de aula, melhoraram notas e diminuíram a repetência, com baixo investimento.

Além da creche para as mães adolescentes, o Centro de Ensino Médio Felix Camoa incentiva os professores a controlar as faltas dos alunos. Caso o estudante falte mais de duas vezes, a direção e o conselho tutelar vão atrás da família. Se nenhum aluno abandonar a escola, o professor da sala é premiado. A evasão diminuiu também com atividades que fazem os jovens ficarem mais na escola, como oficinas de leitura, esportes, cursos de empreendedorismo e pré-vestibular. Para os projetos, a diretora, Vita Fernandes Dias, fez parcerias com o Banco da Amazônia, Banco do Brasil, empresas locais e entidades, além dos recursos federais. "Estou sempre de olho no site do Ministério da Educação e vou atrás de incentivos", diz Vita.

A infra-estrutura da Dr. Pedro Ludovico Teixeira, onde estuda André, nem de longe lembra a escola de Divina: na escola não há espaço para todos os alunos e uma sala feita de lona foi improvisada no meio do pátio. O calor é quase insuportável. A escola teve o pior desempenho no Prova Brasil em Porto Nacional, mas a diretora, Gisele Cristine de Oliveira, explica que se não fosse a sala de aceleração, o resultado poderia ser pior. "Recebemos muitos alunos não alfabetizados. Para entender a nota que a escola tira é preciso ver a realidade local", diz . A sala de aceleração, mantida em parceria com o Instituto Ayrton Senna, aumentou a aprovação, diminuiu o analfabetismo e a evasão escolar. Por ano, o investimento é de R$ 150 por aluno.

Os resultados com a mudança na gestão são graduais. Tocantins, onde estão as duas escolas, registrou em 2001 a pior nota do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Em quatro anos, a nota aumentou 20%. "Aumentou, mas está longe do ideal. O tamanho do esforço, assim como o resultado, tem de ser reconhecido, senão gera desestímulo", diz a secretária estadual, Maria Auxiliadora Seabra Rezende. Desde 2001, o Estado reformulou a estrutura de ensino: as escolas passaram a ter metas e os diretores e professores foram responsabilizados pelo desempenho dos alunos. A gestão das escolas foi democratizada e a secretaria deu mais responsabilidade aos diretores, para gerenciar os recursos e economizá-los. Os docentes freqüentam cursos de capacitação e a secretaria tenta acabar com a indicação política dos diretores: a proposta é que os candidatos apresentem projetos, que irão à votação.

Alguns índices mostram a mudança: a taxa de abandono no ensino fundamental caiu de 21,1% para 5,9% , entre 1999 e 2004. No mesmo período, a aprovação aumentou de 70,4% para 84,1%. O principal problema de Tocantins está no ensino médio e é reflexo, em parte, da má qualidade do ensino fundamental nos anos anteriores. O Estado ficou no último lugar do Enem. "Não é justo esperar que o ensino médio tenha milagre. Todas as condições são adversas e é preciso ponderar o resultado com as condições históricas", diz a secretária.

Em todo o país, as metas projetadas pelo PDE devem ser alcançadas de forma ainda mais gradual até 2021, quando a nota média das escolas de 1ª a 4 ª série deverá ser 6, como é hoje nos países desenvolvidos. A nota brasileira atual é 3,8. A partir do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica -- que combina o rendimento escolar, o tempo para concluir os estudos e as médias de desempenho nos testes Prova Brasil e Saeb -, o governo projetou metas para cada escola. O município de Porto Nacional, por exemplo, onde estão as escolas de Divina e André, está abaixo da média nacional e a projeção para 2021 também é inferior a do país.

O governo já prevê uma "flexibilização" das metas para os municípios que receberem a ajuda financeira. Uma cidade que, por exemplo, diminuiu a evasão escolar e aumentou a aprovação, mas não conseguiu alcançar as metas não deixará de ter os recursos extras. "Vamos discutir e reavaliar metas, porque os projetos serão acompanhados pelo governo. Se o município não alcançou o esperado é porque a falha está também no acompanhamento", detalha Reynaldo Fernandes, presidente do Inep, órgão ligado ao Ministério da Educação. "Os municípios mais atrasados terão de fazer esforço maior. Se a meta fosse a mesma para todas as escolas, levaria muito tempo para o Brasil alcançar a projeção".

A questão central para chegar a um nível de ensino mais elevado, analisam os especialistas, é identificar os problemas na gestão de cada escola e motivar os professores e a direção. "Às vezes não é preciso nem o apoio financeiro. Depende mais de capacitar o professor, de estabelecer metas e acompanhá-las", diz Maria da Salete Silva, especialista em educação e coordenadora de projetos do Unicef.

A assessoria técnica, por exemplo, está ajudando a escola municipal Victor Civita, na periferia de São Paulo, a melhorar o aprendizado dos alunos. O nono lugar na lista dos piores desempenhos da capital no Prova Brasil desanimou os professores, mas a direção buscou apoio, explica a coordenadora pedagógica, Lilian Alamino Carneiro. "Já sabíamos que havia algo errado, só não sabíamos o tamanho do problema. São muitos anos de trabalho. Parecia que todo esforço feito não tinha validade", diz.

O exame revelou a dificuldade dos professores em transmitir o conhecimento, principalmente em matemática. A escola fez uma parceria com a Fundação Victor Civita e uma professora passou a acompanhar salas e auxiliar a coordenação. "Foi muito importante ter uma assessoria, para saber onde estávamos errando. Os professores estão se movimentando para melhorar o ensino", afirma Lilian.

Os municípios com os piores índices de aprendizagem antes de receberem os recursos terão de definir os planos para corrigir a distorção idade-série, aumentar a aprovação e diminuir a evasão. Para isso, o governo, em parceria com a Unesco, contratou consultores em educação para visitar essas cidades e ajudá-las a buscar soluções. Sem a assessoria, dificilmente os municípios alcançariam as metas. As cidades mais carentes são as que menos apresentam projetos ao governo e , como conseqüência, obtêm menos recursos.

Para receber a ajuda da União, o município precisa assinar o "Compromisso Todos pela Educação", com diretrizes e metas. Às vésperas de um ano eleitoral, a idéia é pressionar os prefeitos a se envolver na melhoria do ensino, com o risco de cobrança nas urnas. "Apostamos na mobilização social para cobrar ações. Se o governante, o diretor não forem responsabilizados pelos resultados, não tem como melhorar a educação", afirma Reynaldo Fernandes, do Inep.