Título: Petrobras mantém dupla negociação com a Bolívia
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 03/05/2007, Brasil, p. A8

Ainda ameaçada pelo governo boliviano de confisco nas receitas das refinarias que tem na Bolívia, a Petrobras negocia com o governo Evo Morales a saída gradual do setor de refino no país. Emissários de Morales avisaram à empresa e ao governo brasileiro que ainda cogitam usar a resolução que transfere compulsoriamente todo o fluxo de caixa das refinarias para a estatal YPFB, e retira da Petrobras a autonomia para a administração das usinas. A medida seria tomada após a próxima quarta-feira, se, até lá, não houver acordo sobre a venda das ações da Petrobras ao governo boliviano.

Essa resolução havia sido editada em setembro de 2006, por decisão do então ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia, Andrés Soliz Rada, que perdeu o posto após dura reação do governo brasileiro. A resolução foi, então, "congelada", segundo anunciou, então, o vice-presidente Álvaro Garcia Linera. A Petrobras não aceita a decisão das autoridades bolivianas, de transformar a empresa em mera prestadora de serviços na operação das usinas. Por isso, ao mesmo tempo em que negocia o preço a receber pelas instalações, discute o mecanismo de "phasing out" (saída progressiva) do setor de refino boliviano.

A véspera do dia 1º de maio, aniversário de um ano da nacionalização do setor de gás e petróleo anunciada por Evo Morales, foi acompanhada de rumores sobre o possível anúncio da resolução sobre as refinarias. Morales preferiu, porém, apenas comemorar, em tom ufanista, a concretização dos processo de nacionalização dos campos de gás, com a oficialização dos novos contratos com as petroleiras que atuam no país. A passagem da data, simbólica, sem novos atos de hostilidade aos investidores estrangeiros, foi recebida com cautela, mas uma certa dose de alívio no governo brasileiro.

"O governo boliviano deu uma prova de maturidade", reagiu o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ao comentar as comemorações do 1º de maio na Bolívia. "Evitaram algum ato unilateral que teria sido fatal para a negociação". Amorim confirmou que, durante o fim de semana, autoridades brasileiras mantiveram contato com o governo boliviano, para evitar alguma ação contra a Petrobras, durante o 1º de maio. Segundo fontes do governo, o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, telefonou ao vice-presidente, Álvaro Gracia Linera, e o ministro das Minas e Energia, Silas Rondeau, manteve contato constante com o ministro de Hidrocarbonetos, Carlos Villegas.

Os bolivianos, segundo um dos principais interlocutores com o governo local, querem pagar apenas US$ 56 milhões pelas refinarias, que, na avaliação da Petrobras, valeriam pelo menos US$ 135 milhões, segundo a última oferta da pela estatal. O que mais incomoda a empresa é a intenção do governo Morales de não incluir na negociação os estoques de combustível, que seriam incorporados sem pagamento aos ativos adquiridos pela YPFB, embora tenham valor estimado de US$ 40 milhões.

Os brasileiros argumentam que a equipe de Morales inverte o raciocínio comum nas negociações do gênero: embora a lucratividade de uma empresa costume ser apontada como razão para aumento no preço de seus ativos, os bolivianos argumentam que devem pagar menos porque a Petrobras conseguiu fazer das refinarias empresas lucrativas.

O governo brasileiro vê como sinal positivo o fato de Morales ter deixado passar uma data simbólica como o aniversário da nacionalização sem atender aos apelos dos mais radicais, que defendem endurecimento na conversa com a Petrobras. Mas não há quem, no governo, diga que está seguro de um bom resultado, sem rupturas, na semana que vem. No fim de semana, funcionários bolivianos garantiam ter pronta a resolução do confisco das receitas das refinarias.

As negociações tratam da aquisição, pela YPFB, de cerca de 70% das refinarias, que abastecem integralmente o mercado boliviano de gasolina e diesel. O restante seria repassado em três a quatro anos pela Petrobras ao governo boliviano, à medida que a estatal local adquirisse competência para operar sozinha as instalações.