Título: Problemas para o Brasil na integração energética
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Fonte: Valor Econômico, 03/05/2007, Opinião, p. A16

A qualquer momento, novas más notícias para o Brasil podem vir dos Andes. O primeiro aniversário da nacionalização do petróleo e do gás bolivianos deixou o governo brasileiro de prontidão, após uma guerra de nervos nos bastidores. Há meses o presidente Evo Morales, ao sabor de suas curvas de popularidade, ameaça "seqüestrar" as receitas das duas refinarias da Petrobras, pelas quais quer pagar um preço inferior à metade do pedido pela estatal brasileira, de cerca de US$ 200 milhões. O próprio presidente Lula deixou claro que o preço desta iniciativa será o fim dos investimentos brasileiros do outro lado da fronteira e não se sabe se Morales está disposto ou não a pagá-lo.

Dissabores podem vir também das ações do presidente venezuelano Hugo Chávez. Para participar da exploração de campo petrolífero no país, a Petrobras terá de assinar um contrato sem saber o quanto terá de desembolsar. Morales e Chávez elegeram a nacionalização do setor de energia como a principal peça de propaganda das comemorações do dia 1º de Maio. Chávez colocou tropas na sede das empresas multinacionais que concordaram em passar o controle de suas operações na faixa do Orinoco, uma das maiores reservas de petróleo do mundo, para a estatal venezuelana PDVSA. Outros 44 contratos que dão o controle à YPFB boliviana foram saudados por Morales, que tem ainda intenções de nacionalizar a rede de transportes.

Há indícios sérios de que estes contratos, entretanto, podem não valer muito mais que papéis pintados. Em um movimento concertado, tanto Morales como Chávez anunciaram na semana passada que deixarão de integrar o comitê de arbitragem do Banco Mundial, que têm legitimidade para dirimir escaramuças jurídicas entre investidores estrangeiros e governos locais. Chávez foi mais longe ainda e disse que a Venezuela não mais fará parte do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. Isto quer dizer que atos considerados lesivos aos investidores estrangeiros nesses países ficarão cada vez mais sem proteção jurídica.

Há mais: a grande instabilidade política de Venezuela e Bolívia torna a continuidade de abastecimento de gás ao Brasil dependente de um sem número de vicissitudes. Em nota, a Petrobras reconheceu mais uma delas. "A redação da nova Constituição boliviana, ainda em curso, pode novamente alterar toda a base jurídica que rege o setor", aponta.

Seria um erro, porém, acreditar que todas as mazelas podem ser resolvidas por canais institucionais e vontade dos governos vizinhos. Na semana passada o fornecimento de gás boliviano foi interrompido por várias horas em função de disputa por royalties em um campo de gás, que pode ser o maior do país, entre cidadãos de duas províncias rivais. Manifestantes tomaram a estação de bombeamento de Pocitos, reduzindo em 7% o volume do produto enviado ao Brasil. E, mesmo sob o controle de Evo Morales e seu partido, o Movimento ao Socialismo, a Bolívia está longe de ter encontrado a estabilidade. Greves são freqüentes e no 1º de Maio, quando Morales enaltecia as conquistas da nacionalização, enfrentava a insatisfação de professores, profissionais da saúde e mineiros.

Há pouca coisa que o governo brasileiro possa fazer em uma situação dessas - a não ser considerar como prioridade todos os planos que no mais curto prazo reduzam a dependência do gás boliviano. É necessário exercer pressão contra as tentativas de Morales de tornar as coisas ainda piores para o Brasil, como a exigência de que a Petrobras desloque parte de seu fornecimento para o mercado interno, a um preço menor - um rompimento claro dos contratos assinados. A diplomacia brasileira começou a agir para atrair a Argentina para seu lado, como contrapeso às investidas conjuntas de Morales e Chávez, como ficou claro no encontro entre o presidente Lula e Néstor Kirchner, na semana passada.

Até agora não há certeza de que a Bolívia conseguirá reunir os investimentos necessários para fornecer até 30 milhões de metros cúbicos de gás ao Brasil e mais 27 milhões para a Argentina até 2010. O mais provável é que falte gás para ambos e será necessário agir desde já com base nesse fato.