Título: Cresce número de evangélicos e catolicismo estanca queda
Autor: Toti, Paulo
Fonte: Valor Econômico, 03/05/2007, Brasil, p. A4

A religiosidade do povo brasileiro aumentou, os evangélicos (pentecostais e tradicionais) continuam cada vez mais numerosos, mas o declínio do catolicismo, que era de 1% ao ano desde 1972, estancou entre 2000 e 2003, e, a partir daí, acompanha o crescimento populacional do país. A esta conclusão chegaram os analistas do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), cujo economista-chefe, Marcelo Neri, apresentou ontem, no Rio, o trabalho "Economia das religiões: mudanças recentes", interpretação dos dados do Censo de 2000 e da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF, 2003), realizados pelo IBGE.

Uma projeção para 2007 indica que o Brasil, com uma população, hoje, de 188,7 milhões de habitantes, teria 139, 24 milhões de católicos e 43,64 milhões de evangélicos - 28,8 milhões de pentecostais e 14,8 milhões de evangélicos tradicionais.

"Esses dados são surpreendentes até para o Vaticano, onde se tinha como certo que os católicos eram 67% da população brasileira. Posso assegurar que são 73,79%. Houve reação do catolicismo nesta década", diz Neri.

Os evangélicos pentecostais, segundo o CPS da FGV, são 12,49%, e os tradicionais, 5,39%. Espiritualistas, religiões afro-brasileiras e outras, somadas, também estacionaram (2,67%). E quem cedeu espaço foram os sem religião, que caíram de 7,4% da população em 2000 para 5,1% em 2003 (os sem religião estão concentrados nas camadas de melhor educação e também entre os setores mais pobres). A igreja pentecostal com maior número de adeptos é a Assembléia de Deus (4,49%), seguida da Congregacional Cristã do Brasil (1,8%). A Igreja Universal do Reino de Deus é a terceira entre as pentecostais e a quinta no ranking geral.

Outra surpresa é que os evangélicos tradicionais (luteranos, presbiterianos, metodistas, batistas, adventistas, exército da salvação) embora em menor número que os pentecostais desde 1980, cresceram 1 ponto percentual entre 2000 e 2003 (mulheres de 4,86 % para 5,83% e homens, de 3,95% para 4,93%). A tradicional Igreja Evangélica Batista é terceira na lista geral das religiões, com 1,81%.

A Igreja Católica, segundo Neri, está mais sólida nos dois extremos do espectro social brasileiro: nos de melhor e pior renda. "A elite econômica se diz católica", segundo Neri, "e também entre os de renda familiar abaixo da linha de pobreza". A reação católica dos últimos anos ainda não tem uma explicação científica, mas Neri destaca o movimento dos carismáticos e a própria morte do papa João Paulo II, como fatores de influência, que deve aumentar este ano com vinda de Bento XVI ao Brasil. Além disso, o Estado, nesta década, está mais presente em regiões mais desfavorecidas socialmente e há indicadores de que onde o governo atua é menor a penetração dos pentecostais. O Bolsa Família, implantado em 2003, contribuiu para a manutenção da tendência até os dias de hoje. No meio rural, os católicos chegam a ser 84% da população.

Já as periferias das grande cidades, "especialmente naqueles locais em que os serviços públicos teoricamente existem, mas funcionam muito mal", são terreno fértil para o avanço do pentecostalismo. Nas áreas que os próprios entrevistados consideram como "com problemas de violência", a presença dos pentecostais é de 15,1% (6,88% sem religião) e onde a violência não é destacada sua participação baixa para 11,39% ( sem religião, 4,45%). "As periferias caóticas são pouco católicas", diz Neri.

Contribui para isso, além de outros fatores, o que os economistas do CPS consideram "oferta de padres e pastores". Há 18 vezes mais pastores por evangélico do que padres e freiras por católico. Há menos igrejas católicas nas favelas do que precários centros de cultos evangélicos. Em 1991 havia a proporção de 1,1 pastor para 1 padre. Hoje, essa relação subiu para 3,7 pastores para 1 padre. A Igreja Católica, segundo esse raciocínio economicista, está com oferta baixa onde a demanda é alta.

Outra razão, segundo Neri, tem a ver com a essência da mensagem evangélica. E para isso, o economista da FGV recorre a Max Weber, economista e sociólogo alemão (1864-1920), que em seu livro mais famoso, "A ética protestante e o espírito do capitalismo" dizia que a reforma luterana liberou parte da população mundial da culpa por tentar a acumulação de riqueza. Daí o sucesso do protestantismo nos países anglo-saxões - e o sucesso também do capitalismo. Entre os pentecostais, estaria existindo essa "ética luterana", adaptada às condições brasileiras, graças à mensagem dos seus pastores de que é lícito enriquecer com trabalho duro - e, claro, pagamento de dízimo.

Nesse aspecto, aliás, a pesquisa indica que os pentecostais são responsáveis por 44% de todas as doações feitas a igrejas, apesar de representarem 12,5% da população. Os evangélicos tradicionais doam 22,7% (5,7% de participação na população) e os católicos, três quartos da população, doam apenas 30,9%.