Título: Incertezas elevam preços no mercado livre
Autor: Capela, Maurício
Fonte: Valor Econômico, 03/05/2007, Empresas, p. C1

A instabilidade ainda não tomou conta do setor de energia no Brasil, mas a dúvida sim. Sem a licitação de um grande empreendimento hidrelétrico e com a mudança de postura da Bolívia em relação ao fornecimento do gás natural no último ano, é cada vez mais difícil garantir que o país não passará por um novo racionamento de energia até o fim da década. E à medida que o nível de incerteza sobe entre os agentes do setor, a cotação do megawatt hora (MWh) comercializado no mercado livre também sobe, apesar de não se acreditar em explosão de preços.

"Existe uma volatilidade grande no mercado e como a perspectiva entre oferta e demanda é apertada, logo o viés é de alta para os preços no mercado livre", afirma Paulo Cezar Tavares, vice-presidente de gestão de energia da CPFL Brasil, a comercializadora da holding CPFL Energia.

De fato, os números mostram isso. Uma companhia que tenha hipoteticamente adquirido energia por meio de um contrato de um ano, iniciado em janeiro de 2005, teria desembolsado entre R$ 50 e R$ 60 por megawatt/hora (MWh), de acordo com as comercializadoras ouvidas pelo Valor. E caso tenha renovado o acordo em janeiro de 2006, teria pago entre R$ 60 e R$ 75 o MWh.

Um ano depois, em janeiro passado, a mesma empresa gastaria entre R$ 80 e R$ 90, praticamente o dobro do valor gasto no mercado à vista nas regiões Sudeste e Centro-Oeste do país, conforme dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

"Em dezembro de 2006, em alguns casos, o MWh chegou a ser negociado por R$ 115, mas em janeiro deste ano caiu para R$ 95", afirma o executivo da CPFL Brasil. "O aumento do preço da energia era previsto e não foi surpresa para ninguém. A tendência era que realmente ele subisse no mercado livre", afirma Ricardo Lisboa, sócio da comercializadora independente Delta.

O fato é que o preço do MWh subiu nos últimos anos porque, de fato, a energia andava barata. Com o fim do racionamento do insumo em 2001, havia uma oferta grande no mercado, o que propiciou preços atraentes e boa economia. Tanto é que o mercado livre, além de ter proporcionado uma economia de R$ 2,6 bilhões para quem operava nele em 2005, já representa perto de 26% do mercado total.

Quem firmou contratos de longo prazo, com duração até 2015, conseguiu economizar em 2003, por exemplo, 50% se comparado ao valor do MWh no mercado cativo e 40% em 2005, de acordo com dados da CPFL Brasil.

"Agora, quem fizer um contrato de longo prazo, vigorando a partir de 2008, muito provavelmente pagará entre R$ 110 e R$ 130 o MWh", diz Renato Volponi, diretor da Enertrade, comercializadora da Energias do Brasil, holding controlada pela portuguesa EDP. De acordo com o executivo, a atual sobra de energia que está ao redor de 5 mil megawatts médios fomenta a alta do valor no mercado livre.

"Para mim, está claro que não se venderá energia no mercado livre mais a R$ 50 o MWh, mas também engana-se quem acredita que poderá alcançar R$ 300 por cada MWh, porque por esse preço ninguém compra o insumo", afirma Marcelo Parodi, co-presidente da comercializadora independente Comerc.

Parodi fala com a autoridade de quem realizou 11 leilões de energia entre 2003 e 2005 no mercado livre. Tanto que negociou 850 megawatts médios neste período, o que equivale ao consumo de todas as residências do Estado de Minas Gerais por cerca de doze meses.

Para o empresário da Comerc, o gerador se baseia em três fatores na hora de formatar o preço. A saber: o valor praticado nos leilões do governo para as distribuidoras, o comportamento do preço no mercado à vista - que, por exemplo, estava a R$ 17 no início do ano e hoje está próximo dos R$ 50 - e a cotação das tarifas no setor cativo. Tanto que Parodi arrisca até um preço-teto para o mercado livre de energia no futuro, considerando a incerteza de oferta: de R$ 120 a R$ 125 o MWh.

No entanto, a subida de valores da energia no mercado livre também corre o risco de perder fôlego. Primeiro, porque basta ocorrer uma licitação de uma grande hidrelétrica para que o risco diminua e, depois, porque o mercado deverá acolher bem as últimas notícias sobre a ação da Petrobras na questão do gás natural. Além disso, a situação dos reservatórios no país andam confortáveis. Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a energia armazenada neles está entre 83% e 99%.

Na última semana, por exemplo, a Petrobras anunciou que fechou contrato com a norueguesa Golar LNG para fretar as embarcações para os terminais de Gás Natural Liquefeito (GNL) da Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro, e de Pecém, no Ceará, a um custo de US$ 90 milhões por ano. Com previsão para entrar em operação, pelo menos uma delas, no primeiro semestre de 2008, as operações terão capacidade de regaseificar 21 milhões de metros cúbicos diários.

Ao mesmo tempo, a Petrobras sacramentou acordo com primeiro fornecedor de GNL ao assinar "acordo de intenções" com a nigeriana Nigerian LNG para a compra de GNL no mercado livre a partir de abril de 2008. Também firmou um "acordo de confidencialidade" com a Oman LNG, com o mesmo objetivo, e informa que tem intenções de negociar outros contratos com empresas da Argélia em maio deste ano.

"Particularmente, não acredito em apagão. E é bem possível que o mercado possa se acalmar se houver boas notícias de GNL", diz o executivo da Enertrade.