Título: Até esgoto vira matéria-prima para biodiesel
Autor: Scaramuzzo, Mônica e Bouças, Cibelle
Fonte: Valor Econômico, 03/05/2007, Agronegócios, p. B14

"Doctor" Brown abastece o tanque de combustível de sua máquina do tempo com lixo. A cena de ficção científica do filme "De volta para o futuro", de Robert Zemeckis, já não está tão longe da realidade - pelo menos no que tange aos combustíveis. No Brasil, até esgoto vem sendo usado como matéria-prima para biocombustíveis.

No Rio de Janeiro, a Companhia Estadual de Água e Esgoto (Cedae) mantém acordo com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) para a conversão de parte do esgoto em biodiesel, carvão e biogás. O trabalho é fruto de pesquisas desenvolvidas pela Coordenação dos Programas de Pós-Graduação (Coppe) da UFRJ, desde 2002.

De acordo com Luciano Basto, pesquisador da Coppe, o esgoto que chega às estações de tratamento é dividido em uma parte líquida, escuma (formada materiais como gorduras e óleos) e o lodo. Da escuma, é extraída a gordura que, submetida a tratamento, é transformada em biodiesel. "Estima-se que a população despeja no sistema de esgotos até 500 milhões de litros de óleo por ano, e todo esse volume pode ser transformado em biodiesel", afirma Basto. Além da Cedae, outras companhias de esgotos negociam a implantação da tecnologia, que tem patente solicitada no Brasil e no exterior.

Já o lodo, diz ele, passa por um processo de secagem e aquecimento, a partir do qual se obtêm carvão e gás metano. O teor de metano chega a 70%. "Hoje a Coppe estuda formas de elevar esse teor para 86% porque, nesse nível, o metano alcança padrão para uso como gás veicular ou industrial."

Durante dois anos, pesquisadores da UFRJ também realizaram testes com o óleo residual da rede de McDonald's. A rede também faz parceria, desde 2001, com o Laboratório de Desenvolvimento de Tecnologias Limpas do Departamento de Química da USP de Ribeirão Preto (Ladetel), para a reutilização de seu óleo como biocombustível em São Paulo. A rede francesa Carrefour é outra a manter parceria com o Ladetel para produção de biodiesel com o óleo residual de suas lojas no Estado de São Paulo - 7 mil litros por mês.

Em Brasília, O Laboratório de Materiais Combustíveis (LMC) da Universidade de Brasília (UnB) produz biodiesel a partir do óleo de fritura e estuda matérias-primas como andiroba, pequi e outras oleaginosas, típicas do Centro-Oeste, Nordeste e Norte.

Recentemente, a Refinaria de Manguinhos iniciou um programa para captar 4,5 milhões de litros de óleo de cozinha ao ano, com vistas à produção de biodiesel. A espanhola Entaban Ecoenergeticas e a austríaca Biodiesel International (BDI) também anunciaram há poucos dias intenção de investir construir usinas de biodiesel que adotarão como principal matéria-prima o óleo de cozinha.

As estimativas da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) são de que a capacidade de produção de biodiesel no país supere 1,8 bilhão de litros por ano neste ano. Existem 65 projetos de usinas (parte deles já concluídos ou em construção), somando uma capacidade total de 3,038 bilhões de litros por ano.

Segundo o Ministério de Minas e Energia, a adoção voluntária da mistura de 2% de biodiesel em diesel já provocou redução da participação do diesel na matriz de energias veiculares de 54,5%, para 48,9% em 2006. E essa participação tende a recuar mais com a mistura obrigatória, a partir de 2008. (CB)