Título: Sindicalistas e arrendatários de portos públicos convergem contra MP
Autor: Góes , Francisco
Fonte: Valor Econômico, 14/02/2013, Política, p. A6

Às vésperas da instalação da comissão mista do Congresso que vai analisar a Medida Provisória 595, que muda as regras nos portos, sindicalistas aumentam a pressão sobre o governo numa confluência de interesses com os arrendatários dos portos públicos e em confronto com os interesses dos terminais privados. A previsão é de que a comissão seja instalada em 20 de fevereiro, mesmo dia em que as principais entidades empresariais ligadas ao comércio exterior estarão reunidas, em Brasília, em busca de um acordo sobre a MP dos Portos, que recebeu o número recorde de 645 emendas.

Há pressa tanto no governo como entre empresários e trabalhadores para começar a debater a MP. A ordem do Planalto é aprovar o texto quase intacto, por isso o nome mais cotado para ser o relator da comissão é o do líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM). Mas partidos do bloco de apoio ao governo, notadamente o PSB e alguns expoentes do PT, trabalham para emplacar na relatoria o senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE). A interpretação é que o cargo tem de ficar com o partido da Secretaria de Portos, comandada pelo PSB.

Hoje representantes de centrais sindicais e dos trabalhadores portuários esperam reunir-se com a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, para discutir as mudanças na Medida Provisória 595. Descontentes com o texto, os portuários ameaçam com manifestações e paralisações e até com uma greve, que poderia ocorrer a partir de março, disse ontem o presidente da Força Sindical, o deputado federal Paulo Pereira da Silva (PDT-SP). Paulinho, como é conhecido, apresentou 39 emendas.

O sindicalista afirmou que a ministra não estaria disposta a receber representantes de centrais e de sindicatos, só de federações. "Nós vamos lá e se ela [a ministra] não nos receber, vamos definir a greve na frente do Palácio [do Planalto]", ameaçou Paulinho. A Casa Civil informou que quem solicitou a audiência foi a deputada estadual Telma de Souza (PT-SP). A parlamentar teria informado à Casa Civil que levaria com ela representantes dos portuários.

A audiência foi solicitada por Telma depois de participar da primeira reunião dos sindicatos dos trabalhadores portuários avulsos, no início de janeiro. Na ocasião, sindicalistas e dezenas de trabalhadores expuseram as preocupações das categorias após a edição da MP. "A ideia é mostrar as preocupações do setor para a ministra Gleisi Hoffmann para, a partir daí, o governo planejar os próximos passos a serem adotados em relação à MP 595", destacou Telma, em nota.

A questão da mão de obra tornou-se um dos pontos sensíveis da MP por força da pressão dos sindicatos dos portuários. No lançamento do pacote de portos, em 6 de dezembro, a presidente Dilma disse que os direitos dos trabalhadores estavam garantidos. Essa mensagem, de que a MP não vai mexer nos direitos dos trabalhadores portuários, deverá ser reforçada hoje na reunião entre a ministra Gleisi e os portuários. Na prática, o texto da MP referente à mão de obra praticamente repete a Lei dos Portos, que foi revogada. Mas a MP desobriga os terminais privados de contratarem o órgão gestor de mão de obra (Ogmo), responsável pela administração da mão de obra portuária avulsa, para suas operações.

Os trabalhadores entendem que isso servirá como mais um estímulo à proliferação de terminais privados, esvaziando o porto público - este sim obrigado a usar o Ogmo -, o que tende a gerar desemprego. Na véspera do carnaval, a Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) divulgou nota, assinada pela senadora Kátia Abreu (PSD-TO), presidente da entidade, em defesa da proposta. A nota criticou, sem citar os sindicalistas, grupos de pressão contrários às novas regras. "A MP está sendo ameaçada por um segmento que defende privilégios em prejuízo dos interesses da sociedade brasileira e do desenvolvimento da Nação."

O descontentamento com a medida provisória vai além dos trabalhadores e une segmentos do empresariado e até parlamentares da base aliada. "O ministro demonstrou boa vontade em abrir negociação. Se não conseguirmos derrubar a MP, teremos de negociar e ele é importante nisso", afirmou o deputado Márcio França (PSB-SP), vice-líder do partido na Câmara. Esse bloco capitaneado pelo PSB tem como estratégia negociar com o governo uma lista de emendas prioritárias ou trabalhar para caducar a MP. O prazo de votação é até 17 de março.

A estratégia de negociar com o governo a aprovação de algumas emendas fortalece o ministro dos Portos, Leônidas Cristino, que ficou desgastado após a publicação da MP. Quando assumiu a Secretaria de Portos, em 2011, Cristino disse ao Valor que o governo não estudava mudanças no marco regulatório.

Entre as entidades empresariais, que em muitos casos têm interesses divergentes, o objetivo é produzir algum consenso que possa ser encaminhado como sugestão ao relator da MP, que vai ser definido na próxima semana. Sérgio Salomão, presidente da Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres de Uso Público (Abratec), disse que o governo pediu um esforço para que o setor privado chegue a um entendimento em torno da MP. Oito entidades vão se reunir no dia 20. São elas Ação Empresarial, Instituto Aço Brasil, Abratec, ABTP, CNA, CNI, Fenop e Abdib.

Salomão disse que o objetivo seria propor um substitutivo ao texto original da MP 595, mas fonte próxima da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) negou que isso vá ocorrer. "Não faz sentido em falar em substitutivo, o que é preciso são alguns ajustes [no texto]", disse a fonte. "A MP representa um avanço e, se conseguirmos apresentar pontos de melhoria, em consenso, assim o faremos", disse Nelson Carlini, presidente do conselho de administração da Logística Brasil (Logz), investidora em portos.

A Abdib disse, via assessoria, que apoia o conteúdo da MP dos Portos. Para a Abdib, aperfeiçoamentos sempre são possíveis, desde que não alterem a essência da medida provisória.

Empresários e trabalhadores concordam ainda que existem vários pontos negativos na MP. Um ponto de consenso entre eles é que o texto enfraquece o setor ao estabelecer incentivos ao porto privado sem compensações ao porto público, modelo predominante na costa brasileira.

Em Santos, o maior porto público do país, a discussão ganhou contornos dramáticos. A expectativa é que, aprovada como está, a MP esvazie o complexo, responsável por escoar 25% da balança comercial. Isso porque a MP permite a instalação de terminais privados fora do porto organizado sem estabelecer uma distância mínima. Como bem ao lado do porto de Santos existe uma fronteira de áreas inexploradas e que não pertencem ao porto organizado, o temor é que a MP estimule a autorização de terminais privados ali, promovendo a fuga de cargas do porto organizado, que, com condições menos vantajosas, tenderia ao sucateamento. "O porto de Santos desaparecerá", disse Mário Teixeira, presidente da Federação Nacional dos Conferentes e Consertadores, Vigias Portuários, Trabalhadores de Bloco, Arrumadores (Fenccovib) em recente evento em Santos que debateu a MP.

Conclusão parecida teve o presidente da Federação Nacional dos Operações Portuários (Fenop), Mauro Salgado, no mesmo evento. Na semana passada, os trabalhadores portuários pediram ao presidente do Senado, Renan Calheiros, a indicação do senador Valadares para a relatoria. A categoria ameaça entrar em greve se não houver espaço para negociação. Há assembleias marcadas para os dias 19, 20 e 21 deste mês. "A presidente foi levada ao erro. Se o relator não for o Valadares significa que o governo quer enfrentamento", disse o presidente do Sindicato dos Estivadores de Santos, São Vicente, Guarujá e Cubatão, Rodnei Oliveira da Silva.

Um dos pais da Lei dos Portos, de 1993, que foi revogada pela MP, o empresário Jorge Gerdau esteve reunido com a presidente Dilma antes do Carnaval. Ele chegou a participar de reuniões que antecederam a edição da MP, mas não da confecção do texto final, elaborado por técnicos sem vivência na área de portos. Gerdau manifestou a insatisfação com pontos da MP, como a não adaptação dos contratos pré-1993. A presidente teria dito a ele que apresentasse um substitutivo.