Título: Excesso de regulação pode atrapalhar emprego, diz socióloga
Autor: Salgado, Raquel e Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 01/05/2007, Especial, p. A14

A intervenção estatal no mercado de trabalho, por meio de leis que garantam igualdade entre os sexos ou que incentivem novas formas de contratação, pode ser um tiro no pé. O alerta é da socióloga francesa Margaret Maruani. Especialista em emprego e gênero, Margaret dirige o Mage, a rede européia que reúne vários institutos de pesquisa que se debruçam sobre o tema. Margaret é a fundadora dessa entidade, que tem financiamento da União Européia.

A socióloga conta que, na França, a tentativa do Estado de controlar as relações de trabalho e melhorar a inserção da mulher no mercado, trouxe ainda mais precarização. Ela comenta que as mulheres ganharam muito espaço no mercado nos últimos anos, mas que ainda ganham menos do que os homens e têm dificuldade em ocupar cargos de chefia. Para ela, isso é fruto exclusivo de discriminação. "Temos que parar de falar que a família explica os efeitos discriminatórios que existem no mercado de trabalho", diz. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: Nos últimos anos, as mulheres em todo o mundo ampliaram a participação no mercado de trabalho. No entanto, isso ainda foi feito de forma precária. Como é possível mudar a qualidade do emprego feminino?

Margaret Maruani: Nos últimos 40 anos, houve um aumento muito importante da proporção de mulheres em atividades assalariadas. No entanto, isso ocorreu tanto para posições qualificadas, advogadas e médicas, por exemplo, como no trabalho precário e em funções subalternas, de pura execução. Simultaneamente, o desemprego feminino também cresceu. A França fez leis para favorecer a inserção da mulher no mercado de trabalho e fazer com que houvesse mais igualdade entre os gêneros. O problema é que a legislação existe, mas, na prática, não funciona.

Valor: E por que não funciona?

Margaret: Essas leis buscam a igualdade de função e salários entre homens e mulheres. Só que, na verdade, não é bem assim. O Estado criou políticas para qualificar as mulheres e incentivar a contratação delas. E também incentivou, com subvenções, o aumento da proporção de trabalho parcial nas empresas. Isso recriou os chamados "guetos" de trabalho feminino. As mulheres voltaram a ficar restritas a certas funções. De um lado, o Estado aumentou a qualificação delas, mas não adiantou muito, pois recriou esses nichos.

Valor: Esse trabalho em jornada parcial é prejudicial ao mercado de trabalho? Ou pode ser uma saída para as mulheres?

Margaret: Essa é uma boa pergunta. Do jeito como foi feito na França, o aumento do trabalho em tempo parcial contribuiu para a precarização e desregulamentação do mercado de trabalho. A jornada parcial foi utilizada principalmente em setores onde mulheres fazem funções de execução, como hotelaria, supermercados, trabalho de caixa. E o trabalho parcial era feito a pedido dos empregadores, não eram elas que queriam trabalhar menos. Esse trabalho acabou ficando muito flexível e ao sabor das vontades dos empregadores. O resultado foi mulheres trabalhando três horas pela manhã e depois mais duas à noite, sem planejamento, sem saber qual horário fariam no outro dia. Foi algo imposto, e não um acordo com as trabalhadoras, o que levou à regressão no tipo de inserção das mulheres no mercado.

Valor: Então seria melhor o Estado não intervir nessas relações?

Margaret: Na França, a introdução do trabalho em tempo parcial foi nefasta. Teria sido melhor se o Estado não tivesse feito nada. Agora, ele precisaria regular o que ele mesmo desregulou, afinal, não foi o mercado que fez isso. Seria muito importante regular de forma mais firme o trabalho em tempo parcial. Em relação ao desemprego feminino, que é muito mais alto do que o dos homens na França, há um certo descaso. Sempre houve políticas específicas para algumas populações-alvo, como jovens e homens com pouca qualificação, mas nunca houve uma política de Estado de envergadura em relação ao desemprego feminino.

Valor: Por que as mulheres, apesar de mais qualificadas, ainda ganham menos do que os homens, mesmo quando exercem as mesmas funções em cargos iguais?

Margaret: Os economistas têm duas maneiras de medir a diferença salarial. De um lado, existe a questão da segmentação do mercado de trabalho. As mulheres estão mais concentradas nas funções que pagam menos. E, se estão nas mesmas áreas que os homens, exercem funções onde se ganha menos. Porém, se analisarmos homens e mulheres em cargos e funções iguais, vemos que ainda há uma diferença salarial entre 10% e 15%. E esse diferencial só pode ser explicado pela discriminação pura e simples.

Valor: Essa discriminação está atrelada à maternidade e às funções domésticas as quais muitas mulheres se dedicam?

Margaret: Uma carreira inteira de trabalho dura 40 anos. Em 40 anos, ela não vai ter filhos o tempo todo. Em média, na França, as mulheres têm dois filhos. E os filhos pequenos não estão sempre doentes. É uma coisa um pouco desproporcional dizer que mulheres ganham menos, porque não podem dedicar o mesmo tempo ao trabalho que os homens. Há dados que desmentem isso. Por exemplo, o desemprego de jovens com idade entre 16 a 25 anos é muito significativo. E é nessa faixa etária que o subemprego das mulheres é o maior dentre todas as faixas etárias. Só que a idade média em que as mulheres francesas têm o primeiro filho é de 29 anos. Fica claro que não tem a ver com a família, é uma discriminação e pronto. Temos que parar de falar que a família explica os efeitos discriminatórios que existem no mercado de trabalho.

Valor: As centrais sindicais brasileiras lutam pela redução da jornada de trabalho, que hoje é de 44 horas. No entanto, esse debate não leva em conta a jornada que os trabalhadores fazem fora do ambiente de trabalho, chamada de "reprodutiva", tais como afazeres domésticos. É possível pensar uma redução tanto da jornada de trabalho produtivo quanto do reprodutivo?

Margaret: Existem muitas discussões a respeito da possibilidade de se ligar a jornada de trabalho produtiva a reprodutiva. A introdução da jornada de trabalho de 35 horas na França, em 2000, foi pensando justamente nesse tema. (Antes a jornada era de 39 horas semanais). Seria uma possibilidade para ter uma maior divisão entre o trabalho doméstico e o produtivo. E, nos últimos anos, a participação das mulheres no mercado aumentou muito. O tempo que os homens dedicam a tarefas domésticas aumentou poucos minutos. O que acontece é que as mulheres trabalham muito mais, por conta da jornada. E isso ocorre em todos os países, é um resíduo da dominação masculina.

Valor: Empresários, especialistas e trabalhadores brasileiros dizem que o país precisa de uma reforma trabalhista. No entanto, empregados e empregadores têm opiniões opostas. Enquanto o primeiro grupo quer ampliar direitos, o segundo quer reduzir e flexibilizar algumas leis do trabalho. A flexibilização dos direitos do trabalho é uma saída para reduzir os custos empresariais?

Margaret: O mercado de trabalho francês, por exemplo, é muito regulado quando se compara com outros. Mas o desemprego está aumentando há 25 anos e a pressão sobre o mercado ficou cada vez mais forte, precarizando-o e flexibilizando as relações. Só que essa flexibilização não resultou em uma geração maior de empregos. Atualmente começamos a analisar mais de perto essa situação. Houve geração de empregos. Contudo, foi em postos precários e com salários muito baixos. Só agora se está percebendo que durante todo esse período de flexibilização criamos um grupo de trabalhadores pobres, que têm salário, mas mal conseguem se sustentar e estão em empregos precários. E esse grupo é basicamente de mulheres.