Título: Toyota ainda busca seu "green card"
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Fonte: Valor Econômico, 01/05/2007, Empresas, p. B6

Pergunte aos consumidores por que a Toyota poderá em breve ser a maior fabricante de automóveis do mundo e eles apontarão para o Camry. Ou o Prius. Ou o rav4. Todos modelos da montadora japonesa. Pergunte aos entendidos do setor industrial, e eles dirão a você que isso vai acontecer por causa da produção just-in-time e um foco doentio na melhoria constante. Mas há um outro drama por trás do momento de grande sucesso da montadora. É uma história que poderia se chamar: "Como a Toyota Está Conquistando os Corações e Mentes da América".

Com uma combinação hábil de marketing, relações públicas e lobby, a Toyota fez um trabalho admirável nos últimos 20 anos ao se vender como uma companhia americana. Isso fez as Big Three (General Motors, Ford e Chrysler, as três maiores montadoras americanas) se distraírem. Eis o que diz Jason Vines, diretor de comunicação da Chrysler: "O que me deixa ofendido é a Toyota se enrolar na bandeira americana. Nós ainda empregamos mais pessoas e contribuímos mais para a economia".

Quem liga para o que Detroit pensa? Bem, por mais estranho que possa parecer, a Toyota liga. Seus executivos podem, em particular, estar gostando da vitória às custas da General Motors (GM), Ford e Chrysler, mas eis a verdade: a Toyota tem medo de ser a número 1 - ou pelo menos do que isso implica. E não só porque um de seus slogans é "Fuja de medo". É porque a atenção extra poderá desfazer grande parte do trabalho duro dos últimos 20 anos. "Precisamos pensar constantemente na possibilidade de uma potencial reação violenta contra nós", disse o diretor presidente da Toyota, Katsuaki Watanabe, em uma entrevista à "BusinessWeek". "É muito importante para nossa companhia e nossos produtos conquistar cidadania nos Estados Unidos. Precisamos ter certeza de que seremos aceitos."

Uma participação de 17,4% no varejo deveria sinalizar aceitação. Mas a Toyota não é admirada no país inteiro. Sim, a companhia ganhou a costa Oeste e a costa Leste. Mas um terço dos compradores de automóveis têm uma relutância aos importados, afirma a Harris Interactive. E a maioria dos aficcionados pela Ford e pela GM vive no Meio Oeste e no Texas. Nessas regiões, a Toyota ainda tem que convencer muita gente. O que explica por que ela lançou a picape Tundra e a está produzindo em San Antonio.

É o seguinte: a picape Tundra representa um ataque ao último reduto de lucros das Três Grandes. Mas a Toyota não quer ser vista como a empresa que vai empurrar Detroit da beira do abismo. Então, para se prevenir contra uma reação, a companhia está tentando ser mais cativante - lançando programas de alfabetização em San Antonio, e prometendo compartilhar tecnologia com a Ford, além de investir mais em lobby, tendo para isso, mais que dobrado seus gastos anuais desde 2001, para US$ 5,1 milhões. Jim San Fillippo, analista da Automotive Marketing Consultants, diz: "A Toyota é a melhor no processo de se tornar nativa."

No começo da década de 1980, a Toyota vendia nove modelos e tinha 6% do mercado. Mas a companhia atraia clientes com o baixo consumo e os preços razoáveis de veículos como o Corolla. Enquanto isso, Detroit começava a sentir a angústia que persiste até hoje. O Japão estava em ascensão e a xenofobia estava a toda.

Shoichiro Toyoda, descendente do fundador da Toyota, precisava aumentar as vendas nos Estados Unidos, mas temia enfurecer os consumidores e os políticos em Washington. Então, em 1984, ele contratou um relações públicas da Ford chamado James Olson. Toyoda levou Olson para Nagoya e o encarregou de levar adiante o genchi genbutsu (algo como "ir para ver").

O que Olson encontrou não foi uma surpresa tão grande. Com apenas uma fábrica nos Estados Unidos - e uma joint venture com a GM - a Toyota era amplamente vista como uma intrusa estrangeira. A pedido de Olson, a companhia começou a apelar para o sentimento local. Em 1986, a Toyota anunciou uma nova fábrica no Kentucky. No mesmo ano, ela recontratou muitos dos 3.000 funcionários demitidos pela GM, para trabalharem na joint-venture de Fremont, Califórnia. Na época, George Nano presidia o sindicato dos trabalhadores da indústria automobilística, o United Auto Workers, e lembra-se de executivos da companhia e gerentes de fábricas comendo nos mesmos lugares que os trabalhadores, e respeitando as filas. Isso nunca havia acontecido quando a GM administrava a fábrica.

Naquele mesmo ano, foi lançada nos cinemas uma comédia de Ron Howard chamada "Gung Ho". O filme colocava frente a frente as éticas de trabalho japonesa e americana em uma fábrica de automóveis operada por uma companhia asiática chamada Assan Motors. (Posteriormente, a Toyota usou o filme como um exemplo de como não administrar as empresas americanas.)

A Toyota aumentou a ofensiva de relações públicas. Em 1991, ela começou a financiar o National Center for Family Literacy (Centro Nacional de Alfabetização Familiar) e outras obras filantrópicas. Era filantropia pela cartilha corporativa. Mas a Toyota também fez uma coisa que poucas empresas americanas teriam imaginado: despachar gurus da eficiência para empresas como a Viking Range Corp. e a Boeing, além de hospitais locais. Tudo isso era um esforço para ajudar esses lugares a trabalhar de maneira mais inteligente - e construir boas relações.

Mas mesmo os gestos mais inteligentes tiveram pouco efeito contra o aumento das tensões comerciais. Em 1993, executivos das Três Grandes conseguiram uma reunião com o presidente Bill Clinton. Eles queriam saber por quê empresas como a Toyota podiam encher os EUA com seus automóveis, enquanto as montadoras domésticas estavam em sua maior parte fora do Japão? "Estava claro que Detroit estava com problemas", lembra-se Michey Kantor, que na época era secretário do Comércio. Então, Clinton ameaçou taxar em 100% as importações de automóveis de luxo.

Isso prejudicaria a marca Lexus, lançada pela Toyota cinco anos antes. Era hora de um Kabuki. Naqueles dias, a Toyota não tinha um esquema em Washington. Mas Toyoda era amigo de Walter F. Mondale, o então embaixador americano no Japão. Eles fizeram um trato: a Toyota construiria três fábricas nos EUA se Clinton desistisse da taxação. Na época pareceu uma concessão. Mas um executivo da Toyota diz que a companhia planejava abrir fábricas nos EUA de qualquer maneira.

O lobby de Detroit havia dado em nada. A Toyota estava para estabelecer uma posição a partir da qual dobraria sua participação de mercado nos EUA ao longo da década seguinte. Com cada fábrica nova, a Toyota fez amigos no Congresso, onde começou a ganhar força.

-------------------------------------------------------------------------------- A maioria dos fãs da Ford e da GM vive no Meio Oeste e no Texas. Nessas áreas, a Toyota terá trabalho para convencer muita gente --------------------------------------------------------------------------------

Os executivos da Toyota têm um nome para os políticos que eles consideram amigáveis: Toyota Caucus. São pessoas que representam os estados onde a Toyota fabrica seus carros e caminhões (Califórnia, Indiana, Kentucky, Texas e West Virginia). Um dos membros desse clube, por assim dizer, é Jay Rockefeller, senador Democrata por West Virginia. Os Rockefeller e os Toyoda têm uma relação de longa data; Jay estudou no Japão e fala japonês.

Enquanto a maioria dos estados estabeleceram seus escritórios de lobby em Tóquio, a sede do escritório de West Virginia fica em Nagoya, perto da sede da Toyota. Poucos trabalharam tanto quanto Rockefeller para convencer a Toyota a construir uma fábrica em seu Estado. Em 1996, não muito tempo depois da taxação sobre as importações de automóveis de luxo cogitada por Clinton ter sido abandonada, West Virginia conseguiu uma fábrica de motores de US$ 400 milhões em Buffalo. Hoje, 1.000 pessoas trabalham lá, e o investimento cresceu para US$ 1 bilhão.

Em 2001, a Toyota doou US$ 1 milhão para o Instituto de Neurociências Blanchette Rockefeller da West Virginia University, um centro de pesquisas médicas que recebeu o nome em homenagem à mãe do senador. Mais ou menos na mesma época, a Toyota e a Honda Motor começaram um esforço para obter créditos fiscais para os consumidores que comprassem automóveis híbridos. O Prius custava mais caro que os modelos convencionais e a Toyota queria criar um evento de marketing. Quatro anos depois, o Congresso aprovou um crédito de até US$ 3.150. Um dos patrocinadores da lei foi Rockefeller. Ele nega que a Toyota o tenha convencido diretamente a embarcar na campanha pelo incentivo aos híbridos. Mas a Toyota conversou com o staff de Rockefeller sobre a lei, e Rockefeller reconhece que "talvez eu tenha aprendido alguma coisa com a Toyota" sobre a tecnologia automobilística.

Poucas montadoras possuem um pedigree ambiental tão incontestável quando o da Toyota (sua concorrente mais próxima é a Honda). E nenhum automóvel representa melhor as credenciais "verdes" da companhia do que o Prius. Pelas palavras da Toyota, o híbrido era tão moderno e bem projetado que ele praticamente se vendeu. Mas há mais coisas aí.

Pouco antes da Toyota lançar o Prius em 1999, ela chamou Dan Becker, diretor de iniciativas contra o aquecimento global do Sierra Club. A companhia queria um selo de aprovação do grupo para o Prius. Becker convenceu seus superiores a criar um prêmio para a melhor tecnologia híbrida. A idéia provocou controvérsias e Becker diz que alguns membros do Sierra Club o chamaram de "prostituta da indústria automobilística". No fim, o híbrido Insight da Honda venceu o Prêmio Sierra Club de Excelência em Engenharia Ambiental; o Prius levou o prêmio no ano seguinte.

A dança da Toyota com o Sierra Club não acabou aí. Em 2001, o grupo pegou emprestado meia dúzia de Prius e os dirigiu do Maine até a Flórida, parando em cidades ao longo do caminho e permitindo que as pessoas dirigissem os automóveis. O grupo também realizou uma viagem "cross-country" pela Route 66, passando por cidades no caminho de Chicago a Los Angeles. A iniciativa parecia estar fazendo maravilhas. Becker diz: "Alguém na Toyota me disse que uma porcentagem fenomenal das pessoas que testaram o carro acabaram comprando um". Em 2004 a Toyota havia superado a Honda e possuía a imagem mais ligada às questões ambientais. "Eles nos superaram nas pesquisas", afirma John German, gerente de análises ambientais e energéticas da Honda Motor. "Eles estão em primeiro agora."

Enquanto isso, a Toyota se voltou para seu homem na cidade das celebridades: Mike Sullivan, que controla a Toyota de Hollywood. Sullivan pegou 26 Prius e os levou à cerimônia de entrega do Oscar de 2003. Logo depois, astros e estrelas como Leonardo DiCaprio e Cameron Diaz eram fotografados com seus Prius. "Passou a ser a coisa mais descolada a se fazer", diz Sullivan. Agora, todo mês de novembro a Toyota patrocina o Ambiental Media Association Awards, em Los Angeles. Programas de TV e filmes que tratam de causas ambientais são premiados. As celebridades passam por um tapete verde antes de entrar no auditório, Sullivan é um dos patrocinadores e a imagem da Toyota está em todos os lugares.

Hoje, a Toyota é a fabricante de automóveis mais respeitada dos Estados Unidos. E mesmo assim, para se tornar a maior vendedora de automóveis do país ela terá que fazer grandes incursões pelo interior, onde os veículos importados são sempre considerados anti-americanos e as caminhonetes dominam as estradas. Em nível nacional, a Toyota tem uma participação de 17,4% no varejo. Mas, uma vez desmembrados os números por região, um quadro mais cheio de nuances emerge. No Meio Oeste, a Toyota tem uma participação de apenas 11%, segundo a R.L. Polk & Co., que monitora os registros de automóveis. E no Texas, a Toyota tem uma participação magra de 5% no mercado de picapes. Mike Foster diz com orgulho por quê: com 50 anos e dono de uma construtora de San Antonio, ele já percorreu 312 mil quilômetros com sua Ford F-150. "Eu nunca tive um carro japonês ou coisa do tipo", diz Foster. "Acredito que é importante gerar empregos para os americanos. Sei que a Toyota cria empregos aqui, mas o dinheiro vai para o Japão."

A Toyota sabe contra o quê está lutando e lançou uma campanha de marketing de US$ 300 milhões para o Tundra. Ela está patrocinando feiras agropecuárias, torneios de pesca e fez sua estréia na NASCAR em 18 de fevereiro. A Toyota tem uma campanha, chamada internamente de "Prove it" (Experimente), que envolve test drives na Bass Pro Shops, uma rede nacional de lojas de artigos esportivos (que funcionam a céu aberto), e na 84 Lumber Stores. Seus comerciais na TV apresentam um narrador, com sotaque texano, promovendo o Tundra como "a nova picape da Toyota fabricada na América".

Enquanto isso, a Toyota está conquistando corações e mentes na zona sul de San Antonio, onde está sua fábrica. No fim de janeiro, a companhia levou seu programa de alfabetização, criada há 16 anos, para a Sky Harbor Elementary School. Lá, na Sala do Programa de Alfabetização Familiar Toyota, famílias de origem hispânica estão aprendendo a ler e escrever em inglês. "A zona sul não estava recebendo muita atenção', diz Jada Pitman, que comanda o programa. "Mas agora casas e ruas estão sendo construídas para acomodar a Toyota. A presença a companhia está realmente sendo sentida na comunidade."

Em Washington também. O principal lobista da Toyota, Josephine Cooper, tem estado ocupada. Sob seu pedido, a Toyota aumentou os esforços de propaganda dentro do establishment político de Washington. Sua campanha mais recente está sendo veiculada na TV e em publicações como "Roll Call", "Washintonian", "Congress Daily" e "Congressional Quarterly". Ela lembra aos políticos que a Toyota investiu US$ 17 bilhões em novas fábricas em 20 anos e que emprega diretamente 38 mil americanos.

Cinco décadas depois de vender seus primeiros automóveis nos EUA, a Toyota ainda sente necessidade de pedir desculpas pelo seu sucesso - ou pelo menos justificá-lo. Agora, a expansão inflexível da companhia está atraindo uma atenção não desejada. Uma série de recalls abalou a reputação que a Toyota tem de fabricar produtos de qualidade. Ambientalistas reclamam que a entrada da montadora no mercado de grandes caminhões a torna cada vez mais parecida com as Três Grandes. E James E. Press, que comanda as operações da companhia na América do Norte, reconhece que a Toyota está sob um maior escrutínio, agora que está perto de superar a GM como maior fabricante de automóveis do mundo.

Mesmo assim, entre os líderes da Toyota nos Estados Unidos, pelo menos, há uma sensação de que a humildade já foi longe demais. Em uma reunião realizada recentemente na sede da companhia na América do Norte, em Torrance, na Califórnia, os executivos chegaram à conclusão que a Toyota precisa parar de se preocupar em ser amada e aprender a aceitar a liderança do setor. Está ouvindo, Watanabe-san? (Tradução de Mário Zamarian)