Título: Para analistas, bolívar fraco não afeta comércio bilateral
Autor: Murakawa , Fabio
Fonte: Valor Econômico, 13/02/2013, Internacional, p. A9

A desvalorização do bolívar venezuelano não deverá trazer impacto imediato para as relações comerciais entre Brasil e Venezuela, disseram economistas ouvidos pelo Valor.

Na última sexta-feira, a Venezuela desvalorizou sua moeda de 4,30 para 6,30 por dólar, uma medida já esperada pelo mercado como instrumento para combater o crescente déficit fiscal do país.

Segundo economistas, as exportações brasileiras não devem ser afetadas inicialmente, por serem predominantemente de produtos básicos e porque o grande comprador é o próprio governo venezuelano, não só em alimentos como também em manufaturados.

"Essa desvalorização não altera a tendência de alta das exportações brasileiras para a Venezuela", afirma o economista Pedro Silva Barros, titular da missão do brasileiro Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) no país vizinho. "O que deve acontecer é que o câmbio valorizado tornará mais competitivos alguns produtos que a Venezuela exporta para o Brasil. E isso pode ter um impacto no superávit comercial que o Brasil tem na balança com a Venezuela".

Em 2012 o Brasil teve com a Venezuela seu terceiro maior superávit comercial, atrás apenas da China e da Holanda. O saldo de US$ 4,06 bilhões resultou de US$ 5,06 de exportações e US$ 996,8 em importações. Cerca de 20% do total embarcado rumo à Venezuela foram carnes bovinas e de aves. Entre os produtos do agronegócio, a Venezuela compra do Brasil, principalmente, carnes e açúcar. Em 2012, o país foi o quarto maior comprador da carne bovina brasileira, com a aquisição de 87,1 mil toneladas, que resultaram em receita de US$ 448 milhões no ano.

Barros estima que o comércio bilateral, que já vinha crescendo na última década, deve aumentar neste ano para cerca de US$ 7 bilhões. Ele afirma ainda que a Venezuela tende a ficar mais competitiva nas exportações de derivados de petróleo, como Nafta para petroquímica e coque, responsáveis por cerca de 50% das vendas ao Brasil.

Para o economista Luiz Pinto, pesquisador visitante da Columbia University, em Nova York, dois fatores favorecem os brasileiros: a afinidade entre os governos e a característica das exportações. "A pauta das exportações brasileiras é muito concentrada em bens essenciais, como alimentos e bens de capital. Dificilmente a Venezuela vai deixar de importar do Brasil para comprar de outros parceiros".

Há economistas, porém, que receiam perda de volume nas exportações. "O governo venezuelano deve usar os bolívares a mais que terá com a exportação para pagar as importações", diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Para ele, talvez a desvalorização traga algum impacto a longo prazo, mas há uma carência de produtos básicos na Venezuela que devem garantir as exportações brasileiras de carne.

Uma das grandes incógnitas é o efeito que a desvalorização do bolívar venezuelano pode ter na inflação e, como consequência, na capacidade de consumo da população. Essa conta não é tão simples, diz Welber Barral, sócio da Barral M Jorge Consultores, e ex-secretário de comércio exterior. "Com a desvalorização, o produto importado perde competitividade, a produção venezuelana não é capaz de gerar substitutos internos, haverá impacto na inflação". O nível desse impacto, diz Barral, vai depender do controle de preços que o governo venezuelano irá exercer.

No ano passado a Venezuela foi uma exceção no cenário de comércio exterior do Brasil. Enquanto os embarques brasileiros tiveram queda de 5,3% em 2012, na comparação com o ano anterior, as exportações para o mais novo membro do Mercosul aumentou 10,1%.

O aumento das vendas à Venezuela foi puxado pelos produtos básicos, mas aconteceu também em manufaturados. Só as exportações de máquinas de papel, para projetos de industrialização promovidos por Chávez, aumentou de US$ 3,6 milhões em 2011 para acima de US$ 143 milhões no ano passado, quase 3% do total das importações venezuelanas provenientes do Brasil. A grande diversificação da pauta exportadora ao país vizinho ainda é fortemente dependente do governo.

Roberto Giannetti da Fonseca, diretor de relações internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), acredita que, como a Venezuela não tem produção local suficiente para atender sua própria demanda, as importações a partir do Brasil vão continuar. Mas ele cogita uma redução em volume, dado que o preço do produto vai encarecer internamente. "A carne importada ficará mais cara na mesma proporção da desvalorização cambial. Assim, a proteína deixará de ser acessível ao mesmo número de pessoas. O consumo vai cair", diz o executivo.

Giannetti disse que os exportadores brasileiros precisarão ter cautela em contratos comerciais com a Venezuela. A situação de liquidez e capacidade de pagamento do país é incerta, dada a pouca transparência sobre o volume de recursos em suas reservas cambiais, explica Giannetti. "Portanto, é necessária mais atenção por parte dos exportadores".