Título: Não sabia que havia tantos vetos sem votação
Autor: Magro , Maíra
Fonte: Valor Econômico, 13/02/2013, Especial, p. A12

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux diz que não sabia dos mais de 3 mil vetos acumulados no Congresso Nacional ao determinar sua votação cronológica, em dezembro. A liminar do ministro - que suspendeu a apreciação dos vetos da presidente Dilma Rousseff à lei que redistribuiu os royalties do petróleo - gerou um impasse com o Congresso e travou a votação do orçamento da União deste ano.

Em entrevista ao Valor, Fux afirma que "não imaginava essa confusão toda", insiste que a atividade legislativa "não está interditada" e diz desconhecer as razões da polêmica. O ministro também defende a atuação da Corte em casos envolvendo o Legislativo, apontando que os processos são apresentados pelos próprios parlamentares: "Eles vêm provocar o Judiciário para prestar a Justica, querem o quê?"

O ministro conta que quer votar ainda neste semestre o processo que trata do financiamento de campanhas políticas, apresentado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), para aplicar a decisão já nas próximas eleições. Fala também sobre a audiência pública sobre o marco regulatório da TV por assinatura, marcada para 18 e 25 deste mês, no STF. A lei é questionada no Supremo em três ações diretas de inconstitucionalidade, propostas pelo DEM, pela Associação NEO TV, que reúne prestadores de serviços de televisão por assinatura, e pela Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra).

Valor: O despacho que o senhor publicou na semana passada, esclarecendo que a liminar trata apenas dos vetos, resolve o impasse no Congresso?

Luiz Fux: Tão logo surgiu a dúvida, esclareci a questão em um e-mail para a União, até porque era recesso. Depois o presidente do Senado e a União reiteraram isso em um recurso. Então entendi por bem dizer [no despacho]: olha, o STF não interditou a atividade parlamentar, somente evitou que se pince vetos, porque a Constituição Federal não permite. Eu já dei uma interpretação bem favorável, no sentido de que está suspensa a votação de vetos "per saltum". Você vota um veto, depois o outro. No resto, a pauta está livre.

Valor: A liminar não afeta a votação do orçamento?

Fux: Por que o Congresso está obstruído, não vota nada? Está interditada a atividade parlamentar? Não foi isso o que nós dissemos. O despacho diz com letras muito claras: podem trabalhar naquilo que lhes é pertinente, ou seja, devem votar a lei do orçamento e outras proposições que não sejam vetos.

Valor: A Advocacia Geral da União diz que a derrubada de alguns vetos poderia ter impactos fiscais consideráveis, prejudicando a votação do orçamento.

Fux: Eles nunca votaram veto, como é que foi de lá pra cá? Na pior das hipóteses, fica como está hoje. Agora, o despacho não prejudica o julgamento, pelo plenário do Supremo, do agravo regimental [o recurso da União e do Senado contra a liminar].

Valor: Essas novas questões serão analisadas pelo plenário nesse recurso?

Fux: Eles têm que fazer uma petição expondo os outros problemas, quais as questões políticas internas, por que cada veto não pode ser votado... A primeira questão colocada foi que estava paralisada a atividade parlamentar. Como estavam insistindo na paralisação e havia um pedido de esclarecimento, dei por resolver essa questão no despacho, mas foi apenas uma decisão parcial em razão desse primeiro impasse. Ela não prejudica a apreciação pelo plenário. Depois do recesso [de carnaval], acredito que o governo faça uma petição.

Valor: A que o senhor atribui esse impasse?

Fux: Acho que são razões de natureza desconhecida por nós. Até porque não tínhamos a menor ideia de que havia tantos vetos sem votação. Ninguém tinha ideia que nunca votaram veto, há dez, 12 anos não votam.

Valor: Se o senhor soubesse que havia mais de 3 mil vetos na fila, teria agido de forma diferente?

Fux: Teria adotado a mesma solução.

Valor: O senhor não esperava esse desfecho?

Fux: Não imaginava essa confusão toda. Eles foram pegos de surpresa porque a decisão surgiu, mas nós não agimos de ofício, fomos provocados. A nossa função é guardar a Constituição, e a decisão está literalmente de acordo com ela.

"Eles [os parlamentares] é que batem na porta aqui e judicializam; vêm provocar o Judiciário e querem o quê?"

Valor: Quando a questão será julgada pelo plenário?

Fux: Vai depender da chegada das informações, e eventualmente um fato superveniente, a gente não sabe. Problemas de governabilidade também preocupam o STF. Você pode dar a solução mais correta do mundo, mas às vezes ela precisa ser adaptada à realidade. Eles recorreram da liminar, mas como chegarão informações, eu posso eventualmente já levar para julgar o mérito e considerar prejudicado o agravo [o recurso da União e do Senado contra a liminar]. Dependendo do resultado, o plenário confirma ou revoga a liminar.

Valor: O senhor teve audiências com parlamentares recentemente para tratar da liminar?

Fux: Que eu saiba não houve pedido de audiência, porque não nego, recebo todo mundo. Viria aqui, acho, alguém do próprio governo para revelar a situação em que se encontra o país em termos de governabilidade. Aí, já para afastar esse impasse, nós demos essa decisão explícita dentro dos autos, entregue em mãos ao presidente do Senado, de sorte que agora não há mais empecilho nenhum para o Congresso trabalhar livremente e votar os vetos quando achar que pode votar veto por veto.

Valor: Muitos governadores procuraram o senhor para falar do processo?

Fux: Recebi governadores de Estados não produtores, dos produtores, recebi parlamentares, todo mundo. Sou super aberto a conversar com as partes. O que há de mais natural é que as partes do processo sejam recebidas pelo juiz para ouvir, além do que já escreveram, algumas outras exposições, não há nenhum problema nisso. Cada um vem trazer sua verdade, o processo engloba a versão de todos e depois eu dou minha versão de juiz.

Valor: O senhor é relator de diversas questões que envolvem o Legislativo. Mas os parlamentares reclamam de interferência do STF...

Fux: Eles é que judicializam. Quando você usa as expressões "ativismo judicial", "judicialização", dá a ideia de que o STF compra a briga dos outros. Mas não, eles é que batem na porta aqui. E o Judiciário, pela regra da Constituição e das leis, não pode denegar justica. Eles vêm provocar o Judiciário para prestar a Justica, querem o quê?

Valor: As relações entre Legislativo e Judiciário estão ruins?

Fux: Não, isso é algo muito mais aparente que real. O presidente da Câmara [Henrique Eduardo Alves, do PMDB do Rio Grande do Norte] veio fazer uma visita aqui...

Valor: Mas o ex-presidente da Câmara Marco Maia (PT-RS) criticou duramente o STF ao deixar o cargo.

Fux: São declarações que considero provenientes de imaturidade institucional.

Valor: Quando deve ser publicado o acórdão do processo do mensalão?

Fux: Acredito que do início até a primeira quinzena de março já se consiga entregar. Acho que em uns 20 dias eu termino minha revisão.

Valor: O senhor é relator da ação da OAB contra o financiamento privado de campanhas eleitorais. Há previsão de julgamento?

Fux: A OAB pediu e acabo de deferir a preferência. Vou julgar este ano de qualquer maneira, no início do segundo semestre gostaria de ver julgado. Tem que entrar antes do período de propaganda eleitoral, para saber quem pode financiar o quê. Nesse primeiro semestre acho que julgamos a questão da emenda constitucional dos precatórios, também proposta pela OAB.

"Vou julgar este ano de qualquer maneira a ação da OAB contra o financiamento privado de campanhas eleitorais"

Valor: E as ações que questionam o novo marco regulatório da TV por assinatura?

Fux: Resolvi fazer uma audiência pública sobre o assunto. Temos o conhecimento jurídico, mas precisamos conhecer as peculiaridades do setor para analisar essas reclamações. Estamos ouvindo todos os segmentos, a Agência Nacional do Cinema (Ancine), que regula esse mercado...

Valor: O que será discutido na audiência?

Fux: Uma das questões é a necessidade de conteúdo nacional. Queremos saber se é uma medida em favor dos consumidores, se de alguma maneira viola a livre iniciativa, que também é um valor constitucional...

Valor: E quanto à propriedade cruzada?

Fux: A lei proíbe que titulares de empresas de radiodifusão sejam também titulares de TV por assinatura. Há uma alegação de violação do direito de propriedade, que também temos a preocupação de verificar se é efetivamente assim.

Valor: Quem participará da audiência?

Fux: Vamos ouvir todo mundo, os artistas, os produtores, o pessoal vinculado ao meio televisivo, porque eles é que podem trazer essas questões interdisciplinares que, juntamente com uma análise jurídica, vão nos levar a uma conclusão mais exata sobre se realmente está mantida a livre iniciativa, se a concorrência é leal, se isso vai privilegiar o consumidor, porque é objetivo da Constituicao federal tutelar os direitos do consumidor. Ele tem o direito de acionar uma TV por assinatura e ver o que melhor lhe aprouver.

Valor: Quando essas ações serão julgadas pelo STF?

Fux: É aleatório imaginarmos em que momento vai ser decidido, mas temos procurado que esses temas do momento não percam sua atualidade. Acho que este ano ainda conseguimos incluir isso na pauta. Na audiência pública, que é toda documentada nos autos, colhemos informações valiosas para transmitirmos aos integrantes do colegiado. A audiência viabiliza a elaboração dos votos, e depois vem a inclusão em pauta para julgamento. Acho que este ano conseguimos concluir isso.

Valor: Estão previstas outras audiências públicas sobre temas econômicos no STF?

Fux: Vamos fazer uma sobre a queima da cana de açúcar, logo depois dessa da TV por assinatura. Tem uma interferência econômica porque querem mecanizar o setor. Queremos saber até que ponto isso não elimina completamente a mão de obra, até que ponto todos os terrenos são passíveis de mecanização.

Valor: O STF julga levando em conta as consequências?

Fux: Não podemos deixar de julgar alegando desconhecimento da lei. Agora, o juiz não conhece todos esses segmentos. É muito importante ter em consideração a jurisprudência de resultado. Você tem que saber qual vai ser a consequência prática da sua decisão no meio social. Por isso a audiência pública é importante.

Valor: Que outros casos o senhor pretende julgar este ano?

Fux: Temos alguns casos interessantes, como um sobre liberdade de expressão, na ação contra os livros do Monteiro Lobato. Os autores entendem que há no teor daquela literatura manifestações racistas. Temos a questão referente à paternidade socioafetiva, pessoas que são criadas por determinados pais e depois descobrem sua origem biológica, e apesar de terem recebido todo o carinho e a herança de um pai socioafetivo, depois resolvem reivindicar também do pai biológico, o que pode dar margem a muitas fraudes.

Valor: O que mais deve entrar na pauta do tribunal em breve?

Fux: Acho que o STF vai ser instado a decidir sobre o casamento de pessoas do mesmo sexo, a eutanásia, a ortonásia, que é uma forma de evitar que a pessoa sofra no fim da vida. Há também muitos recursos de repercussão geral em matéria de tributos que estão parados nos tribunais, questões de direitos de servidores públicos... Temos umas 400 teses que precisam ser analisadas.

Valor: Como está o STF na gestão do presidente Joaquim Barbosa?

Fux: Muito bem, estamos fazendo julgamentos ágeis, o ministro Joaquim está muito interessado na gestão processual de temas que estão parados. Ele também tem muito interesse que o STF produza logo uma Lei Orgânica da Magistratura, para evitar que a todo momento se questione o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), definir o que os juízes podem ou não fazer, até que limite vai a autonomia dos tribunais e a interferência do CNJ.