Título: Combate à lavagem de dinheiro dificulta remessas do exterior
Autor: Moreira , Talita
Fonte: Valor Econômico, 13/02/2013, Finanças, p. C1

Sócio de uma empresa responsável pela promoção turística de Cayman no Brasil, Flavio Sampaio teve de esperar 45 dias até que seu banco liberasse o pagamento de serviços prestados ao governo das ilhas, mais conhecidas como um paraíso fiscal.

Outros 45 dias e muita briga se passaram para que o Itaú Unibanco, instituição da qual a empresa é cliente, depositasse na conta a diferença entre a cotação do dólar na época em que o pagamento foi feito e a taxa de quando ele efetivamente teve acesso aos recursos.

"Tinha de pagar fornecedores e usar aquele dinheiro como capital de giro e não podia. O banco não liberava os recursos nem me dava explicações", diz Sampaio. "Só tive retorno quando reclamei no Facebook. A empresa poderia ter quebrado com essa demora."

Segundo o empresário, no pagamento de uma parcela anterior, o dinheiro foi depositado na conta em poucos dias.

Casos como o de Sampaio têm se tornado mais frequentes. Pequenas empresas que dependem de remessas internacionais - não necessariamente vindas de paraísos fiscais - relatam maior lentidão dos bancos na liberação do dinheiro.

A contadora Eliana Freitas afirma que, em seu escritório de contabilidade, pelo menos quatro clientes do Itaú e do HSBC tiveram dificuldades para receber recursos do exterior nos últimos meses. Segundo ela, em um dos casos o Itaú demorou 60 dias só para aceitar o cadastro de um determinado cliente. Em outro episódio, o banco pediu documentos para comprovar a quem, em última instância, pertencia a companhia que faria a remessa para o Brasil.

Apesar de a maior parte dos casos ouvidos pelo Valor seja relativa ao Itaú, a demora se repete em outras instituições. As causas são várias. Embora não tenha havido mudança nas normas de operações cambiais, o Banco Central (BC) tem cobrado mais rigor dos bancos no controle dessas operações. No ano passado, a autoridade monetária divulgou a carta-circular 3.542, que listou 106 situações sobre as quais as instituições financeiras devem ficar atentas para evitar casos de lavagem de dinheiro. No documento anterior, de 1998, eram 43 as situações previstas.

Também foi sancionada, em julho, a nova Lei de Lavagem de Dinheiro, mais rígida que a anterior. A principal mudança foi a exclusão de uma lista que definia os oito "crimes antecedentes" (tráfico de drogas, por exemplo) que poderiam gerar lavagem de dinheiro. Agora, a lavagem não precisa estar associada a nenhum crime específico. Isso torna muito maior o número de casos potencialmente suspeitos - o que torna mais delicada a análise dessas operações.

"Os procedimentos ficaram mais rígidos e os executivos do banco podem responder processo na pessoa física", ressalta fonte de uma grande instituição financeira.

"O banco pode, em última instância, ser responsabilizado por essas operações", afirma o advogado Eduardo Fleury. O advogado diz acreditar que a precaução das instituições financeiras já vinha aumentando antes mesmo da nova legislação. "O ambiente mudou nos últimos anos, e não apenas no Brasil."

Desde os atentados de 11 de setembro de 2011, tem havido uma crescente pressão de vários países - especialmente, os Estados Unidos - por um maior controle sobre a origem do capital internacional com o objetivo de desbaratar redes terroristas e organizações criminosas. Isso se reflete também no Brasil.

Tudo isso somado, os bancos passaram a adotar procedimentos mais minuciosos. Em alguns casos, pedem aos clientes documentos que comprovem até o último grau de controle acionário de uma empresa - o que em muitas vezes significa revelar quem é a pessoa física por trás de um veículo de participações.

"No fim das contas, essas exigências só pegam os pequenos. Uma companhia criada para lavar dinheiro não passa por tudo isso", afirma a contadora Eliana.

Procurados, Bradesco, Itaú Unibanco, Santander e HSBC não deram entrevistas sobre o assunto. O Itaú Unibanco enviou nota afirmando que, "em parceria com o Banco Central, tem promovido melhorias operacionais nas transações de câmbio com o objetivo de combater evasão de divisas e lavagem de dinheiro."

O BC também não se pronunciou, já que cabe aos próprios bancos estabelecer seus respectivos procedimentos de "compliance" (área responsável por assegurar que leis, normas e regulamentos sejam cumpridos).

Fonte de um banco afirma que o BC pediu informalmente às instituições financeiras que façam uma análise mais rigorosa das operações de câmbio.

Um executivo de outro banco afirma que as próprias instituições refinaram suas políticas na linha de "conheça seu cliente". "Buscamos informações sobre as empresas no Google, nos balanços, em diversas fontes. Se é um cliente novo, acaba sendo mais demorado", diz essa fonte, que pediu para não ser identificada.

A consequência, segundo esse executivo, é que as equipes que lidam com operações de câmbio estão com trabalho acumulado. "Mas não é uma simples questão de falta de mão de obra. O que falta é gente experiente, capaz de identificar possíveis problemas com mais rapidez", diz.

Na tentativa de evitar problemas, alguns bancos passaram a ser mais restritivos nas operações de setores considerados vulneráveis à lavagem de dinheiro - como de turismo. Outros solicitaram um recadastramento de seus clientes.

Foi o que aconteceu com a consultoria da qual Arthur Adacto é gerente, na Bahia. Há cerca de três meses, a empresa, também cliente do Itaú, prestou serviços para a montagem do escritório de uma empresa americana recém-instalada no Brasil. "Foram 35 dias para o banco liberar o pagamento, de R$ 10 mil. Disseram que precisavam fazer um recadastramento", diz Adacto.

Segundo ele, o dinheiro só foi liberado depois que a consultoria recorreu ao serviço de atendimento ao consumidor do banco. "Acabei perdendo a amizade que eu tinha feito com o gerente", afirma. Depois do episódio, diz, a empresa passou a usar mais a conta que tem no Banco do Brasil.