Título: 'Tigre celta' ruge mais manso, mas ruge
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 09/03/2007, Especial, p. A18

O ritmo de crescimento da Irlanda não é mais tão intenso como no fim dos anos 90, mas o desempenho do chamado "tigre celta" continua a impressionar. A economia do país cresceu entre 5,5% e 6% em 2006 e deve avançar mais de 5% também neste ano, garantindo a manutenção da taxa de desemprego pouco acima de 4%, um nível baixíssimo. A dívida pública mantém a trajetória de queda e o governo pode despejar verbas consideráveis em infra-estrutura, por meio de uma espécie de PAC irlandês, o Plano Nacional de Desenvolvimento (NDP, na sigla em inglês), que prevê investimentos de 184 bilhões de euros entre 2007 e 2013.

Esse retrato bonito, porém, esconde alguns desequilíbrios, em grande parte frutos da prosperidade que levou a Irlanda a ter o quarto maior PIB per capita do mundo, de US$ 36,7 mil, ajustado pela paridade do poder de compra, segundo cálculos da Economist Intelligence Unit (EIU) em 2005.

A maior fonte de preocupação é o mercado imobiliário, que viu seus preços explodirem nos últimos anos, como diz o economista John Fitz Gerald, do Economic and Social Research Institute (ESRI), a mais respeitada consultoria do país. Em menos de dez anos, o preço médio de uma casa pulou de 100 mil euros para 311 mil euros. Em Dublin, a cotação média atinge 428 mil euros.

"Eu nem penso em comprar uma casa", diz Sean Byr, que trabalha numa companhia de segurança. Com 23 anos, ele mora com os pais e acha que ainda vai ficar muito tempo com eles. "Os preços dos imóveis são absurdos", diz a professora aposentada Beverly Figgis, 62, que mora em casa alugada. Para ela, a situação econômica de fato melhorou em relação ao fim dos anos 80, quando havia muito desemprego, mas a Irlanda tornou-se um país muito caro. Byr reclama, por exemplo, do custo das bebidas - um pint (473 ml) da cerveja Guinness custa 4,80 euros, e há lugares que cobram até 6 euros.

Os preços dos imóveis residenciais subiram 11,8% em 2006, mas a taxa acumulada nos 12 meses até janeiro caiu para 10,6%, um sinal de que o mercado imobiliário começa a fraquejar. A dúvida, diz Fitz Gerald, é se o desaquecimento será gradual ou abrupto. A disparada dos preços nos últimos anos reflete uma combinação de vários fatores: o aumento da renda dos irlandeses, os juros baixos (se o Banco Central Europeu olhasse apenas para a Irlanda, e não para toda a zona do euro, as taxas seriam mais altas) e impostos também modestos - na Irlanda, não há um equivalente ao Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) brasileiro. A maior parte dos analistas espera que a bolha imobiliária desinfle sem grandes traumas, mas aumentos mais fortes dos juros pelo BCE podem complicar esse cenário, diz o analista Dan O´Brien, da EIU.

Com bolha ou sem, a construção civil deverá ser um dos motores da economia em 2007. O setor concentra cerca de 12% da força de trabalho do país, composta atualmente por 2,2 milhões de pessoas.

Outro problema da Irlanda é o aumento dos custos nos últimos anos. Produzir no país não é mais barato como era nos anos 80 e 90. Algumas empresas começam a sair do país, apesar dos impostos baixos e da mão-de-obra qualificada. Nesta semana, a Thomson Scientific anunciou 200 demissões em sua planta da cidade de Limerick. A companhia vai transferir esses postos de trabalho para a Índia, onde os custos são mais baixos. Há ainda rumores de que a Dell pode levar uma de suas fábricas para a Polônia. O chefe de Informação da Representação da Comissão Européia para a Irlanda, Harry O´Connor, acha que esse é um risco importante, uma vez que alguns países do Leste Europeu também têm uma carga tributária baixa, oferecem o mesmo acesso ao mercado europeu e contam com um nível educacional razoável.

O ministro para Assuntos Europeus da Irlanda, Noel Treacy, reconhece que o país está perdendo algumas companhias, mas diz que não há risco de um êxodo de empresas estrangeiras. A Irlanda continua atraente para o setor privado e as companhias americanas têm uma taxa de retorno muito alta nas suas operações na Irlanda, diz. "Algumas empresas estão indo embora, mas outras estão chegando."

O diretor internacional de marketing da Agência de Investimento e Desenvolvimento (IDA, na sigla em inglês), Brendan Halpin, também minimiza o problema. Ele diz que o país está hoje em outro nicho, buscando atrair investimentos estrangeiros que gerem empregos em segmentos de ponta da chamada economia do conhecimento, como tecnologia da informação e da comunicação e biotecnologia. Dinheiro para setores que fabricam produtos de baixo valor agregado não são mais prioridade. Responsável por atrair multinacionais para a Irlanda, a IDA anunciou em 2006 71 novos projetos, entre novas plantas e expansão das existentes, que devem resultar em investimentos de 2,6 bilhões de euros.

A verdade é que, mesmo mais cara, a Irlanda continua competitiva. O diretor de assuntos corporativos do Kerry Group (do setor de alimentos), Frank Hayes, diz que a qualidade do capital humano irlandês é um diferencial muito importante, assim como a baixa taxação, embora ele reclame da alta dos custos salariais e de energia nos últimos anos, que reduzem as margens de lucro da companhia. A empresa irlandesa, que atua hoje em 19 países, tem faturamento de 4,6 bilhões de euros por ano.

Uma mudança importante nos últimos anos é a perda de dinamismo das exportações, que cresceram na casa de 5% em 2006. No ano 2000, as vendas externas aumentaram 20,2%. Com esse ritmo menor de crescimento das exportações, o setor externo deixou de puxar o PIB, tarefa que está hoje a cargo da demanda interna, com destaque para o consumo privado e o investimento. Segundo O´Brien, a desaceleração da economia americana, hoje o principal destino dos produtos irlandeses, a valorização do euro e uma erosão gradual da competitividade explicam a perda de gás das vendas externas, que estão na casa de US$ 120 bilhões por ano. Mas ninguém espera um mergulho nos próximos anos, e sim uma expansão mais moderada.

Hoje, a Irlanda é uma das economias mais abertas do mundo, com a soma de exportações e importações equivalendo a 150% do PIB.

Fitz Gerald acha que o país crescerá entre 4% e 5% até o fim desta década. A sólida situação fiscal e o investimento contínuo em capital humano e em pesquisa e desenvolvimento são dois trunfos importantes. O país que encontrou o caminho do crescimento robusto no começo dos anos 90 não parece disposto a abandoná-lo tão cedo.

O jornalista viajou a convite do governo da Irlanda