Título: Inovações legais no cumprimento da sentença
Autor: Zamponi, Adriana Conrado
Fonte: Valor Econômico, 09/03/2007, Legislação & Tributos, p. E2

Em 2004, a Emenda Constitucional nº 45 acresceu novo inciso ao rol de direitos e garantias fundamentais do artigo 5º, da Constituição Federal, que assegura a todos, tanto no âmbito judicial quanto administrativo, "a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação" .

Esta alteração veio consagrar e dar amparo constitucional ao princípio de que para tornar efetivo o acesso à Justiça, são imprescindíveis a celeridade e o resultado útil do processo. De fato, o verdadeiro acesso à Justiça só será efetivamente exercido se o processo satisfizer a pretensão do jurisdicionado.

Desde a década de 90 o legislador vem projetando e implementando reformas no processo civil brasileiro visando à simplificação e à racionalização de suas regras processuais se fizeram sentir com muito mais nitidez, com efeitos diretos na efetividade da nova garantia constitucional de celeridade processual.

Entre as mais importantes e comentadas alterações está a Lei nº 11.232, de 2005, a chamada de "reforma de execução", que entrou em vigor no dia 23 de junho 2006, criou uma nova sistemática para a execução da sentença no processo civil.

A nova lei, substituindo as disposições relativas à execução por título judicial, abriu um novo capítulo - Capítulo X do Título VII, do Livro I - no Código de Processo Civil, designado "Do Cumprimento da Sentença", composto pelos artigos 475-I a 475-R. As novas regras desse capítulo acarretarão significativas mudanças no plano social, pois tratam diretamente da satisfação do direito do credor.

Havia, até então, uma sistemática ilógica na execução das sentenças: era necessário o ajuizamento de duas ações judiciais para a mesma pretensão, ou seja, a ação de conhecimento e, após o trânsito em julgado da sentença, o processo de execução. A Lei nº 11.232, de 2005, estabeleceu a regra lógica de que a execução da sentença é apenas uma fase de continuidade e conclusiva do processo de conhecimento.

Não houve extinção do processo de execução, mas tão somente foi abolida a execução de título executivo judicial. As normas processuais para a execução de títulos executivos extrajudiciais continuam em vigor, apesar de já existirem projetos de lei em tramitação no Congresso para também alterar o procedimento dessa modalidade de execução.

Como conseqüência da consagração da execução como fase processual da ação cognitiva, a Lei nº 11.232, de 2005, substituiu a citação pessoal do vencido pela sua intimação na pessoa de seu patrono, por meio de publicação na imprensa oficial. Como não há necessidade de nova citação, permanece intacta a mesma relação processual iniciada quando da citação do réu no processo de conhecimento.

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Esta foi a grande inovação da nova Lei. A exigência da lei anterior, de citação pessoal do devedor, propiciava, não raro, a postergação do cumprimento das sentenças. Para evitar que o credor seja prejudicado em benefício do mau pagador que procrastinava o cumprimento das sentenças, o artigo 475-J inserido no CPC pela nova lei estabeleceu que "Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no artigo 614, inciso II, desta Lei, experdir-se-á mandado de penhora e avaliação."

Em outras palavras, caso o devedor não cumpra espontaneamente, no prazo de quinze dias, a obrigação fixada na sentença ou acórdão incidirá uma multa de 10% sobre o débito, automática e independentemente de requerimento do credor. O dispositivo, portanto, tem cunho punitivo ao devedor que, mesmo condenado, ainda pretenda postergar o cumprimento de sua obrigação.

Mas já há grande polêmica quanto ao início do prazo para o acréscimo de multa. Alguns juristas, como Athos Gusmão Carneiro, entendem que o prazo passa automaticamente a fluir da data em que a sentença ou acórdão se torne exeqüível, quer por haver transitado em julgado, quer por ter sido interposto recurso sem efeito suspensivo. Outra corrente, compartilhada por Evaristo Aragão Santos, entende que não seria correto permitir-se a fluência automática do prazo de cumprimento da obrigação sob pena de multa e penhora, sem prévia intimação do devedor. No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já há decisões determinando que o prazo para cumprimento do julgado tenha início com a publicação do despacho que determinar o cumprimento da sentença ou acórdão ("Cumpra-se").

Outra inovação diz respeito à eliminação dos embargos do devedor substituídos pela impugnação. A impugnação perdeu o caráter de ação autônoma incidental passando a ser apenas um incidente processual, tendo como grande inovação a retirada do efeito suspensivo dos antigos embargos (artigo 475-M). Além disso, a modificação reduziu o campo de atuação do executado que, na maioria das vezes, utiliza-se dos permissivos legais para furtar-se ao cumprimento da sentença.

De acordo com o novo texto legal, a impugnação somente poderá versar sobre falta ou nulidade de citação, se o processo correu à revelia, inexigibilidade do título; penhora incorreta ou avaliação errônea; ilegitimidade das partes; excesso de execução e qualquer causa impeditiva, modificada ou extinta da obrigação como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença (475-L). O devedor não pode mais alegar cumulação de execuções nem nulidade da execução.

Inclusive, se a impugnação tiver como objetivo a alegação de excesso de execução, o executado deverá declarar o valor que entende correto, sob pena de rejeição liminar dessa impugnação (475-l, § 2º).

Há novidades também no campo da competência, pois o parágrafo único do artigo 475-P prevê a possibilidade de o exeqüente optar, no processamento da execução, pelo juízo do local dos bens ou pelo atual domicílio do executado.

Outro ponto interessante: o devedor perde a faculdade de oferecer bens à penhora, ficando a cargo exclusivo do credor a indicação de bens para constrição (art. 475-J §3). Como a nova lei não é clara, também já há divergência a respeito de existir ou não o direito de o devedor oferecer algum bem como garantia de débito, caso queira apresentar Impugnação, mas não disponha de recursos financeiros.

Evidente que, embora a implementação da nova lei de cumprimento de sentença traga pontos positivos, muitas dúvidas já surgiram e dependem da manifestação da doutrina e da jurisprudência no decorrer da análise dos casos. É verdade que o conjunto de mudanças já implementado deu início à simplificação do processo civil. Contudo, tais inovações, conquanto relevantes, ainda são insuficientes para atender integralmente ao comando constitucional de celeridade e razoável tramitação do processo. Somente com uma nova estrutura do Poder Judiciário e outras reformas no sistema processual em geral, poderá haver efetividade no processo de execução civil.

Adriana Conrado Zamponi é advogada do escritório Tostes e Associados Advogados no Rio de Janeiro

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