Título: Efeito recessivo da queda das ações preocupa mercado
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Fonte: Valor Econômico, 09/03/2007, Finanças, p. C12

"O que vem por aí? Será um monstro?" The Automatic, um grupo de rock independente, poderia até ter composto seu mais recente sucesso com o mercado de ações em mente. A maioria das pessoas tem dificuldade em nutrir simpatia pelos bem pagos corretores de Wall Street quando os preços das ações estão em queda. O que preocupa as pessoas é que a queda do mercado parece antecipar - ou até mesmo provocar - retração econômica. Portanto, os rodopios do índice S&P 500 provavelmente têm menos importância para o americano médio do que o ponto de vista de Alan Greenspan, o respeitado ex-presidente do Federal Reserve, de que há uma chance em três de que ocorra recessão nos Estados Unidos neste ano.

Os mercados de ações, com sua perversidade habitual, tomaram as observações de Greenspan como deixa para um grande rali em 6 de março, muito embora os comentários mais vagos e menos alarmantes feitos por Greenspan uma semana antes tenham ajudado a desencadear uma brutal onda de vendas. Talvez os investidores estejam prestando mais atenção ao atual presidente do Fed, Ben Bernanke, que vem se mostrando mais otimista.

E mesmo assim os dados vêm favorecendo Greenspan. Está havendo queda acentuada no índice de perplexidade sobre a atividade econômica compilado pelo HSBC, que mostra quando os indicadores econômicos superam ou ficam aquém das expectativas. O resultado mais fraco que o esperado de uma pesquisa sobre o setor de serviços foi seguido por um aumento nos custos da mão-de-obra nos Estados Unidos, uma queda nas vendas de residências e uma retração de 5,6% nas encomendas ao setor industrial - todos indicadores aparentemente negativos.

Uma olhada na semana passada sugere que os investidores estão de fato preocupados com o crescimento econômico. Os ativos que estão sendo vendidos mais rapidamente são aqueles sensíveis ao crescimento - ações, commodities e mercados emergentes -, enquanto os bônus do Tesouro americano vêm subindo. Dentro dos mercados de ações, as ações defensivas, como as dos produtores de alimentos, estão se saindo melhor que as ações cíclicas, como as de mineradoras.

A turbulência no mercado também é importante porque os serviços financeiros têm um papel importante em muitos países desenvolvidos. Nos EUA, o setor responde por mais de 30% dos lucros. As grandes instituições financeiras de Wall Street estiveram no "topo do mundo" poucas semanas atrás, quando anunciaram lucros recordes e grandes bonificações. O ano passado foi o melhor de todos os tempos para as cinco maiores instituições financeiras, que registraram lucros combinados de mais de US$ 30 bilhões.

Mas quando os mercados começaram a cair em 27 de fevereiro, as ações dos bancos de investimento caíram mais que o resto (embora também tenham se recuperado mais acentuadamente em 6 de março). A alta dos mercados tende a ser boa para os bancos, incrementando os lucros de seus braços de negociação de títulos e encorajando as emissões de ações e títulos de dívida, operações com as quais os bancos conseguem comissões gordas; quando os mercados estão em queda, acontece o contrário. Além disso, as turbulências no mercado de hipotecas subprime e o aperto de crédito associado a elas, podem prejudicar as perspectivas de crescimento ao afetarem os preços das residências e, conseqüentemente, a demanda do consumidor.

Os temores em relação ao destino dos bancos também apareceram nos mercados de derivativos. A agência de classificação de crédito Moody´s recentemente observou que o mercado de swaps de defaults de crédito (credit-default swap, ou CDS) - no qual os investidores pagam por proteção contra a incapacidade de uma empresa de pagar suas dívidas - está dando a Goldman Sachs, Merrill Lynch e Morgan Stanley uma classificação implícita de apenas dois níveis acima da classificação "junk".

Os negociadores do mercado de CDS tendem a ser mais pessimistas que os negociadores de bônus, mas esses sinais não são de maneira nenhuma encorajadores. Se os temores levarem à redução das classificações atuais concedidas por agências como a Moody's, o custo dos empréstimos dos bancos vai subir.

Os mercados de crédito, aos quais os bancos estão naturalmente expostos, há muito tempo vêm se comportando como um acidente estivesse para acontecer. No fim de fevereiro, as margens de juro acima dos bônus do Tesouro americano pagas sobre os títulos de dívidas corporativos e dos mercados emergentes estavam muito baixas pelos padrões históricos.

Parte do estreitamento desses spreads era justificado pelos fundamentos. As economias emergentes estão hoje muito mais fortes que há dez anos, com muitas gozando de superávits em conta corrente e no orçamento. O aumento dos lucros vem mantendo a taxa de calotes sobre dívidas corporativas em níveis muito baixos.

Mas é provável que os investidores tenham ficado complacentes demais. Segundo Martin Fridson, estrategista de crédito, os spreads do fim de fevereiro não refletem mais o retorno necessário para compensar os investidores pela taxa histórica de defaults sobre bônus. Isso é particularmente estranho, uma vez que a qualidade de crédito dos emissores de bônus vem se deteriorando consistentemente nos últimos anos, na medida que um número cada vez menor de companhias vem conseguindo a almejada classificação "AAA".

Os spreads de crédito aumentaram de novo durante a onda de vendas. O custo do seguro contra defaults no mercado europeu de títulos de dívida de alto rendimento cresceu quase 50% em uma semana. Custos maiores para os tomadores poderão se mostrar um problema para a atividade econômica.

Outro elemento do sistema financeiro que vem provocando preocupação é o "carry trade", onde os investidores tomam emprestados ativos de baixo rendimento para investir em instrumentos de rendimento maior. As baixas taxas de juros do Japão fizeram do iene o principal alvo desses negócios nos últimos anos.

Quando a tempestade irrompeu, os investidores inverteram suas apostas. O iene, que por um breve período bateu nos 122 ienes por dólar, no começo do mês passado, subiu para 115,2 em 5 de março antes de recuar. Os grandes ganhos para o iene ocorreram contra moedas em que o "carry trade", o diferencial com as taxas de juros japonesas, é grande - os dólares da Austrália e Nova Zelândia e a libra esterlina.

É tentador acreditar que os movimentos do iene estão alimentando os acontecimentos recentes. Mas isso pode ser simplista demais. Stephen Jen, um estrategista de câmbio do Morgan Stanley, acredita que os mercados de títulos e de crédito foram as principais arenas de uma reavaliação do risco. Assim que as turbulências começaram nesses mercados, os fundos de hedge foram impelidos a deixar seus negócios mais arriscados onde possível. Os mercados de câmbio com liquidez foram um lugar óbvio para começar.

Em todo caso, os fundos de hedge não foram os únicos a encorajar o iene mais fraco. Uma grande responsabilidade esteve nas mãos dos poupadores japoneses em busca de retornos maiores nos mercados internacionais. Eles poderão limitar a alta do iene. David Woo, da Barclays Capital, diz que, cada vez que o iene se fortalece para a casa de 115 por dólar, os fundos japoneses têm dificuldades de resistir à tentação de comprar ativos "mais baratos" nos mercados internacionais - e a começar a forçar novamente a queda do iene.

Queda das hipotecas subprime, mercados de crédito arriscados, inversão de carry trades - qualquer um pode ser o arauto de notícias econômicas ruins. Muitos monstros acabam se mostrando pura imaginação, mas este parece ser mais sólido que a maioria.