Título: Correa deverá ser reeleito por ampla margem no Equador
Autor: Schipani , Andres
Fonte: Valor Econômico, 15/02/2013, Internacional, p. A13

No alto dos Andes equatorianos, à margem de uma nova estrada que conduz à aldeia indígena de Zumbahua, uma placa diz: "É proibido esquecer. A Revolução Cidadã construiu esta estrada". Esse antes isolado aglomerado de barracos de sapé tem agora um ponto de acesso gratuito à internet e uma escola com modernas telas touchscreen, tudo pago pela "Revolução Cidadã" do presidente Rafael Correa, um dos mais combativos líderes de esquerda na América Latina.

Uma vantagem de 40 pontos detectada numa pesquisa de intenção de votos sugere que os eleitores equatorianos não esqueceram. Com efeito, Correa, economista formado nos EUA e com um doutorado pela Universidade de Illinois, deverá conquistar um terceiro mandato na eleição presidencial de domingo, vencendo por larga margem o segundo colocado, o candidato Guillermo Lasso, um banqueiro.

Somada a uma base de poder ampliada no Congresso, a vitória permitirá a Correa aprofundar sua agenda socialista e provavelmente dará ao político de 49 anos um papel de maior influência na Alba, coalizão regional de líderes de esquerda, especialmente se o câncer do presidente venezuelano, Hugo Chávez, revelar-se terminal.

"Mamma mia! Ele e suas obras são tão populares", diz o padre Pio Baschirotto, um missionário italiano que veio à região há 40 anos e desde então tornou-se o conselheiro moral de fato de Correa.

Operador político habilidoso, Correa construiu uma base de apoio sólida desde que tornou-se presidente, no início de 2007, aumentando os gastos do governo em 15% em termos reais.

Saúde e educação, assim como esquemas de transferência de renda, reduziram a taxa de pobreza a 34% da população, de 52% dez anos atrás, segundo estatísticas do Banco Mundial.

"O tema recorrente em seus estudos acadêmicos era ceticismo em relação ao neoliberalismo", recorda o professor Werner Baer, orientador de doutorado de Correa. "Ele não é contra o mercado, mas tenta influenciar o mercado - para ver o que o Estado pode fazer para criar uma sociedade mais igualitária."

A agressiva retórica antiamericana, que inclui o fechamento de uma base militar dos EUA no país e os confrontos com Wall Street, como o calote de US$ 3,2 bilhões em bônus em 2008 - que o Equador em seguida recomprou a US$ 0,35 por dólar de valor de face - reforçaram sua imagem de guerreiro populista, semelhante a Chávez.

No entanto, "Correa não é apenas força política e muita politicagem, como Chávez", diz Franklin Ramírez, sociólogo da Universidade Flacso, de Quito. "Correa está focado em execução e em reformas de longo prazo."

Tudo isso ajudou a fazer de Correa o presidente que governou o Equador por mais tempo nas últimas três décadas, e trouxe uma bem-vinda estabilidade política a um dos países mais divididos da América Latina. Na década anterior à sua ascensão ao poder, o Equador teve oito presidentes - três dos quais derrubados por revoltas populares.

Mas essa estabilidade também tem seu lado ruim. Os críticos o acusam de usar da intimidação e de ser facilmente irritável, como a presidente da Argentina, Cristina Kirchner. Correa ameaçou certa vez dissolver o Congresso e governar por decreto se seu partido não apoiasse incondicionalmente uma legislação polêmica. Em setembro de 2010, ele foi refém do que qualificou como sendo um golpe de Estado fracassado, após um impasse salarial com a polícia.

Os dirigentes empresariais denominam a expansão do papel do governo na economia promovida por ele de "franquia socialista" e acusam o regime de fomentar a corrupção.

Inevitavelmente, sua postura de agitador aprofundou os bolsões de hostilidade - e não apenas entre as empresas, como a estatal brasileira Petrobras, que saiu do Equador em 2010.

"O projeto de Correa se tornou muito personalista e autoritário", diz Humberto Chilango, um líder indígena quíchua atualmente desiludido com o presidente.

Correa, além disso, processou jornalistas críticos a seu governo. Segundo a organização local Fundamedios, de defesa da liberdade de imprensa, os jornalistas equatorianos sofreram 111 "agressões" por parte do governo no ano passado. Isso não impediu Correa de dar asilo, na Embaixada do Equador em Londres, a Julian Assange - fundador do WikiLeaks, procurado pela polícia sueca, que deseja interrogá-lo.

"Dar asilo ao símbolo máximo da liberdade de imprensa foi uma jogada de gênio para contrabalançar os ataques de Correa à mídia local", disse uma autoridade do governo ao "Financial Times".

Outro ponto fraco é a economia. Pedro Delgado, primo do presidente, deixou o cargo de presidente do BC no ano passado após confessar que não tinha formação superior em economia. Gastos públicos desenfreados, por seu lado, criaram um déficit público equivalente a 7% do Produto Interno Bruto (PIB), de US$ 76 bilhões.

Esse rombo foi coberto por um empréstimo de US$ 7 bilhões concedido pela China, garantido pela receita de petróleo equatoriano, responsável por 60% das exportações - um dado que chama a atenção para a vulnerabilidade do país aos preços do petróleo.

A agressividade do presidente preocupa Baschirotto. Os dois se conheceram no início da década de 80, quando Correa passou um ano em Zumbahua como professor voluntário. Quando o presidente fez campanha na cidadezinha, recentemente, o padre católico puxou-o de lado. "Ele é um homem bom", afirma o padre, de barba branca. "Mas eu lhe disse para ir com calma e ter cuidado com o acúmulo excessivo de poder."