Título: O valor da terra
Autor: Adachi, Vanessa
Fonte: Valor Econômico, 09/03/2007, EU & Investimentos, p. D1

O setor sucroalcooleiro do país está bombando. Atrai cada vez mais investimentos dos quatro cantos do planeta e virou tema central da visita do presidente americano George W. Bush ao Brasil, iniciada ontem. Apesar disso, o segmento está ainda timidamente representado na bolsa. Mas o quadro tende a mudar rapidamente com a esperada chegada de mais empresas do setor no pregão já em 2007. Foi nesse contexto que a estréia na bolsa da segunda representante no início deste ano, a São Martinho, originou uma discussão a respeito de modelos de negócios e o que deve ser a preferência dos investidores daqui por diante. A pioneira foi a Cosan, em 2005.

O xis da questão é o destino dado às terras próprias em que é plantada a cana-de-açúcar, matéria-prima das usinas. Antes de levar a Cosan à bolsa, em 2005, os controladores tomaram a decisão de segregar a maior parte das terras próprias. Os controladores passaram a ser os proprietários diretos das fazendas e recebem da Cosan um aluguel pelo uso. Para assegurar a estabilidade da produção, foram firmados contratos de longuíssimo prazo, coisa de 25 anos. Com isso, apenas 10% da cana moída pela Cosan é plantada em terras próprias - 54 mil hectares.

Na São Martinho, 40% das terras usadas para o plantio são próprias, o equivalente a 40,8 mil hectares. Embora as quantidades absolutas de terra sejam próximas, a Cosan é algumas vezes maior que a São Martinho. A diferença em termos percentuais torna-se expressiva e tem sido apontada como o principal motor por trás da forte alta das ações da São Martinho desde a estréia em janeiro. A valorização chegou a 40% por volta de 20 de fevereiro e depois cedeu um pouco. Com isso, a São Martinho passou a ter um valor relativo superior ao da Cosan, em termos de múltiplos de Lajida (lucro antes do pagamento de juros, impostos, depreciação e amortização, ou Ebtida, indicador de geração de caixa).

A informação que corre no mercado é que, ao fazer a avaliação do preço de lançamento das ações da São Martinho, o Banco UBS Pactual optou pelo método mais amplamente utilizado de múltiplo de geração de caixa (Lajida), o mesmo que havia sido utilizado na Cosan. Só que, por causa da diferença do percentual de terras próprias, as duas empresas são diferentes.

"Quando os investidores se deram conta da enorme quantidade de terras dentro da São Martinho e que não havia sido devidamente considerada no preço, rapidamente os papéis subiram", diz um banqueiro.

"Pode ter havido uma abordagem equivocada na forma como foi fixado o preço da São Martinho", diz um grande investidor que prefere se manter anônimo. "O mercado acabou levando em conta o valor das terras, o que não costuma ser feito", completa. Cálculos indicam que as terras da São Martinho valem entre R$ 800 milhões e R$ 1 bilhão.

Na sequência da forte valorização das ações, produziram-se boatos acerca de um suposto descontentamento dos controladores da São Martinho, que teriam deixado de embolsar um bom dinheiro na venda dos papéis, cedendo parte do lucro que lhes cabia para os novos investidores.

João Guilherme Ometto, controlador da usina, desconversa. "Ficamos entusiasmados com a alta das ações, um sinal de que fomos bem recebidos pelo mercado", afirma. Quanto à decisão de deixar as terras na empresa, João Guilherme diz que foi bem pensada. "Achamos que daria mais confiança aos investidores."

"É uma coisa meio esquisita que o controlador fique recebendo aluguel da própria empresa", alfineta ele. Curiosamente, as duas companhias em questão pertencem a ramos distintos dos Ometto, mas as relações familiares não seriam das mais afáveis.

Segundo o Valor apurou, a decisão de Rubens Ometto, controlador da Cosan, de segregar as propriedades rurais foi apoiada na análise de que a terra vale mais por si só. "A terra vale cerca de 20 vezes o seu aluguel e, dentro da empresa, vale metade disso", diz um executivo que participou das discussões.

Como paga menos aluguel pelas terras - e também porque tem uma colheita mais mecanizada e emprega menos mão-de-obra - a São Martinho tem uma margem de Lajida sobre a receita superior à da Cosan: 40% contra 30%.

A Cosan, por sua vez, tem tratado de reunir outros argumentos a seu favor. "Cedo ou tarde, o mercado vai pagar o preço ajustado pela geração de caixa", diz Paulo Diniz, diretor financeiro e de relação com investidores da empresa. "O investidor não vai pagar algo a mais só porque você tem um ativo que não gera o retorno devido."

O raciocínio é apoiado no fato de que a São Martinho é mais intensiva em capital (terras e máquinas) e que, com isso, o retorno sobre os recursos investidos tende a ser menor do que na Cosan.

Cálculos feitos por um analista com base nos últimos dados disponíveis indicam que o retorno sobre o capital da Cosan está em 14,1%, contra 8,6% da concorrente. O retorno patrimonial é de 17,6% na primeira e de 12% na segunda. Isso tudo levando-se em conta dados do primeiro semestre do ano fiscal 2007, findo em outubro de 2006 (o ano fiscal do setor coincide com a safra da cana).

Seja como for, analistas e investidores apenas começaram a fazer suas contas e só com o tempo ficará claro quem conquistou a preferência. "Duvido que alguém mais decida deixar as terras dentro da empresa", diz um banqueiro de investimentos que prepara a abertura de capital de outra usina. "Se deixar, vai querer cobrar o devido preço", pondera um analista.