Título: SDE abre processo contra prática de cartel no cimento
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 09/03/2007, Empresas, p. B7

Após dez anos de investigações, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça diz ter conseguido provas da existência de cartel nos mercados de cimento e concreto e abriu, ontem, processo contra oito empresas, duas associações desses setores e quatro diretores das companhias.

"As investigações nos mostram que o cartel envolveu 90% do mercado de cimento e teria criado um sobrepreço em milhares de obras na construção civil", disse a secretária Mariana Tavares de Araújo.

De acordo, com a SDE, as companhias Votorantim Cimentos, Camargo Corrêa Cimentos, Lafarge, Cimpor, Holcim, Itabira Agro Industrial (grupo Nassau), Soeicom e Itambé teriam dividido o mercado brasileiro por regiões de modo que cada uma possuía cotas pré-estabelecidas de clientes. O Grupo Nassau, por exemplo, ficava com a produção na região Norte. No Nordeste, havia uma divisão entre Nassau, Votorantim e Cimpor. No Centro-Oeste, atuavam os grupos Ciplan e Camargo Corrêa, além de Votorantim e Cimpor. No Sul, as duas últimas mais Itambé. E no Sudeste apenas a Soeicom e a Itambém não tinham cotas. Todas poderão sofrer multas de 1% a 30% de suas respectivas receitas, caso sejam condenadas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) ao final do processo.

"As empresas dividiram áreas e estabeleceram cotas de quanto cada uma iria produzir de cimento", afirmou Mariana. Segundo as investigações da SDE, as empresas também teriam feito divisões de preços e de clientes. A secretaria constatou que o suposto cartel tinha um mecanismo pelo qual se uma empresa pegasse o cliente da outra, ela tinha que entregar um outro cliente a esta empresa e dar 10% a mais do que obteve com o "roubo" de seu cliente.

Os preços e as quantidades eram pré-fixados em reuniões periódicas entre as empresas de modo que praticamente não havia alterações nas participações de mercado delas de um ano para outro. Em 2004, por exemplo, a Votorantim tinha 29% do mercado de cimentos na região Sudeste. Um ano depois, manteve a cota. A Holcim, da mesma forma ficou em 17% nesses anos. A Camargo Corrêa e a Lafarge ficaram com 14% cada uma no Sudeste em 2004 e 2005. A Cimpor manteve seus 3% na região nesses dois anos. Só o Nassau variou no período, mas num percentual mínimo: de 7%, em 2004, para 6% em 2005. A ausência de variação nas fatias de mercado mostra que praticamente não houve concorrência neste mercado, diz SDE.

Em nota, a Votorantim Cimentos informou que "reafirma o seu respeito às leis do país e tem a certeza de que seus procedimentos estão de acordo com as boas práticas de concorrência do mercado" e que a empresa continuará colaborando com a SDE e com as autoridades competentes para todo e qualquer esclarecimento.

A empresa alegou que "o mercado brasileiro de cimento é pulverizado - contando com um grande número de empresas - e um dos mais competitivos do mundo". E que "a ausência de alíquota de importação, aliado a investimentos realizados para aumento da oferta do produto, cria um ambiente de mercado onde os preços estão em queda nos últimos anos e encontram-se atualmente abaixo dos praticados em outros países".

O cartel também teria afetado o mercado de produção de concreto. As cimenteiras teriam elevado os preços na venda às concreteiras com o objetivo de quebrá-las. Segundo Mariana, essa prática levou a um movimento de verticalização no setor (por exemplo, uma cimenteira compra empresas no elo seguinte da cadeia produtiva, no caso, concreto). O Cade recebeu inúmeros processos de aquisições de concreteiras nos últimos anos e sempre os aprovou, pois não tinha conhecimento de provas de cartel.

A abertura de processo contra as cimenteiras foi possível porque um ex-funcionário da Votorantim - Evaldo José Meneguel, responsável pelas vendas na região Sul - resolveu dar informações sobre o cartel. Ele prestou depoimento à SDE em novembro. Com base nessas informações, a SDE conseguiu, em janeiro, autorização da Justiça do Rio e de São Paulo para fazer ações de busca e apreensão de documentos na sede de seis empresas. Os documentos apreendidos nessas ações permitiram às autoridades antitruste a abertura de processo de cartel no setor. Hoje, estão sob sigilo da Justiça.

Segundo o denunciante, os preços e as condições de venda de cimento eram definidas em reuniões em hotéis. Duas associações - Empresas de Serviço de Concretagem (Abesc) e de Cimento Portland (ABCP) - figuram como rés no processo assim como três diretores da Votorantim (Anor Pinto Filipi, Renato Giusti e Marcelo Chamma) e um da Camargo Corrêa (Sergio Bandeira). Eles poderão responder a processo penal caso o cartel seja condenado.

As cimenteiras são investigadas desde 1997 pela SDE. A SDE uniu informações de 14 investigações diferentes para abrir o processo ontem. Procuradas, Camargo, Holcim, Lafarge, ABCP e Abesc disseram que não se pronunciarão até terem conhecimento do processo.