Título: Faltam produtos, mas ainda não há desabastecimento
Autor: Felício , César
Fonte: Valor Econômico, 18/02/2013, Especial, p. A14

O governo da Argentina terá até o final do mês como prazo para tentar coordenar um acordo que impeça o desabastecimento no país, em função do congelamento informal que começou no último dia 4. Como o congelamento não foi formalizado, vigorará por apenas 60 dias e não há sequer uma tabela de preços publicada, há dúvidas sobre o poder que o varejo terá para convencer a indústria a manter o fornecimento sem aumentos.

"Os supermercados de pequeno porte estão com estoques para mais sete ou dez dias e os das grandes redes para ao menos 15 dias. Em mais duas semanas teremos como avaliar os efeitos dessa política", afirmou no final da semana passada o diretor da associação que reúne os supermercadistas de origem chinesa, Miguel Calvet. A colônia chinesa controla cerca de 8.000 supermercados de pequeno porte, algo como 20% do varejo argentino. As grandes redes, como Carrefour,Cencosud e a argentina Coto, controlam 70%.

Na quarta passada, a Copal, entidade patronal da indústria alimentícia, reuniu-se pela primeira vez para dar um aumento cauteloso e condicional ao congelamento. O controle de preços atual na Argentina, como praticamente todas as medidas sob influência do secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, não tem caráter formal e nem punições estabelecidas em lei. O poder coercitivo do governo está em represálias também informais, como a proibição para a importação de insumos ou devassas fiscais imotivadas da Receita. Reuniões de Moreno com os 25 maiores fornecedores dos supermercados deverão acontecer nos próximos dias, segundo o diário "Ambito Financiero". A concentração na indústria de alimentos, higiene e limpeza é ainda maior que no varejo. O grupo de 25 empresas, entre elas brasileiras como a Brasil Foods, ou a InBev, será recebido por Moreno em reuniões individuais, a partir desta segunda-feira. O conjunto é responsável por 80% da produção comercializada em supermercados no país. "Se os nossos fornecedores quiserem represar a oferta para abril, depois do congelamento, eles estarão em posição de força para fazer valer essa posição", comentou Calvet.

Já há falta dos produtos das marcas mais baratas mesmo nas principais redes de Buenos Aires. Em algumas lojas na região norte da cidade, não havia no fim de semana passado as opções mais baratas de fralda infantil, algodão, arroz, massa pronta de bolo, pão, leite desnatado, ovo, requeijão e carne processada de frango.

Há racionamento de alguns produtos, como óleo de girassol, erva-mate e açúcar, com restrição para a quantidade que cada consumidor pode levar. Mas essa limitação não está ligada ao congelamento deste mês e a queda de braço entre os diversos elos dessas cadeias de produção se arrasta desde o ano passado. Também faltam produtos que dependem de insumos estrangeiros, como embutidos de porco, elaborados com matéria-prima brasileira.

Neste final da semana o jornal "Clarín", de oposição, publicou um levantamento de uma ONG comandada pelo ex-deputado Hector Polino, do oposicionista Partido Socialista, constatando aumento de preços na área sul da cidade, sobretudo de hortaliças.

No congelamento argentino, não há uma tabela referencial de preços. Os preços estão congelados por loja e há diferenças para o mesmo item dentro das redes. Cada loja de médio porte, em média, vende 8.000 itens. A propaganda de supermercados em jornais impressos foi proibida e a página do governo na internet só publica os preços do comércio de grande porte. Ainda assim, lista apenas algumas marcas por item. "O grande desafio para nós será fiscalizar os pequenos. Ainda não sabemos como fazer", comentou a presidente da Liga das Donas de Casa, Irma Muñoz. (CF)