Título: França em crise espera flexibilidade da Alemanha, afirma ministro francês
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 20/02/2013, Finanças, p. C14

Alemanha e França, as duas maiores economias da Europa, mantiveram posições diferentes no G-20. Ambos apresentaram contração econômica no último trimestre de 2012. "A Alemanha fez pior que nós", disse o ministro francês de economia, Pierre Moscovici, em entrevista ao Valor. Já altamente endividada, a França será este ano o país que mais vai pedir emprestado na zona do euro.

Valor: O G-20 está menos pessimista sobre a Europa, mas continua inquieto. Quais os riscos hoje?

Pierre Moscovici - A zona do euro adotou decisões importantes nos últimos meses que permitiram preservar a serenidade sobre sua existência. O principal risco identificado não é mais financeiro, como nas reuniões precedentes, mas sim a percepção de que o crescimento é fraco e o desemprego é elevado. A mensagem que passei aqui é a que com a degradação da situação econômica atual na Europa em geral, e da França em particular, devemos evitar adicionar austeridade à recessão. Os compromissos [de consolidação fiscal] devem ser mantidos, mas ao mesmo tempo deve-se evitar uma espiral recessiva que impeça os objetivos financeiros de médio prazo. Quando as condições econômicas se tornam mais duras, temos que levar isso em conta.

Valor: De onde podem vir fontes de crescimento no curto prazo?

Moscovici - Primeiro, o crescimento virá da melhora dos recursos de cada país. No caso da França, não podemos fugir de reformas estruturais necessárias, para ter uma economia mais competitiva. Mas o crescimento pode vir também da abordagem mais cooperativa na área internacional, para equilibrar melhor a necessidade de reduzir o déficit e de sustentar no curto prazo políticas de crescimento em cada um de nossos países. Além disso, a estratégia não pode ser a mesma entre países com superávit e aqueles com déficit. Os países com superávit podem relançar sua demanda interna. O crescimento não tem o mesmo ritmo no mundo.

Valor: A Alemanha, seu principal parceiro, vai compreender isso?

Moscovici - A própria Alemanha teve uma retração econômico no quarto trimestre de 2012 de 0,6%, pior ainda que o desempenho da nossa economia, que teve recuo de 0,3%. Eu sei que meu colega ministro Wolfgang Schaueble está preocupado com o crescimento na Europa, com o desemprego entre os jovens. A Alemanha sabe que não tem nada a ganhar com uma Europa em recessão e uma França em dificuldade. Estamos em uma abordagem de cooperação entre nós.

Valor: O ministro do trabalho da França disse que o país está falido. Até que ponto a situação é grave?

Moscovici - O ministro Michel Sapin fez uma referência ao ex-primeiro-ministro François Fillon, que tinha falado de um Estado falido. Não, a França não está falida e é um país solvente, que faz tudo para recuperar suas finanças públicas. Sapin quis mostrar que encontramos uma situação muito degradada, com endividamento público maciço [€1,8 trilhão, ou 89,9% do PIB], desemprego muito elevado e déficit do comércio exterior considerável. E para recuperar isso, é preciso tempo. Para mim, o endividamento é o inimigo da economia, e inimigo da esquerda.

Valor: Quais as implicações do comunicado do G-20 sobre câmbio?

Moscovici - É uma mensagem coordenada que sublinha que queremos ir mais rapidamente em direção a uma taxa de câmbio determinada pelo mercado, que deve ser flexível, mas com a ideia de refletir os fundamentos econômicos, lembrando que a volatilidade excessiva dos fluxos financeiros e movimentos desordenados têm impacto negativo sobre o crescimento. E para não subsistir a menor ambiguidade, o G-20 sublinha que não adotaremos metas de câmbio para fins de competição, o que é uma mensagem muito clara contra a guerra cambial, em direção de uma estabilidade para permitir que as paridades voltem aos fundamentos.

Valor: Europeus bloqueiam a reforma da fórmula de quotas no FMI, irritando os emergentes. A linguagem adotada aqui no G-20 significa que os europeus vão, enfim, desbloquear a reforma no FMI?

Moscovici - Esse não foi um tema no qual o grupo [G-20] registrou mais grandes avanços, mas continuamos a trabalhar em linha com o calendário. O prazo é janeiro de 2014 e, como europeu e francês, estamos dispostos a cumpri-lo. AM