Título: Brasil busca alternativa ao banco proposto por Chávez
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 06/03/2007, Brasil, p. A5

Os ministros da Fazenda do Brasil, Guido Mantega, e a ministra da Economia da Argentina, Felicia Miceli, terão um encontro na sexta-feira para discutir a criação do Banco do Sul, um projeto que vem sendo impulsionado pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, para financiar projetos de desenvolvimento no continente sul-americano. O Brasil, embora apóie publicamente a idéia, não concorda com o ritmo e o formato defendidos pelo venezuelano, que quer formar rapidamente um banco baseado nas reservas internacionais de cada país-sócio.

Sem intenção de confrontar Chávez, porém, o governo brasileiro busca uma alternativa para apresentar para os parceiros no continente. A reunião entre Mantega e Miceli, a convite da Argentina, poderá tratar também de outros assuntos ligados à coordenação das duas equipes econômicas, mas o tema principal é o banco, conforme haviam decidido os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner, em um café da manhã durante a reunião do Mercosul, em janeiro.

A decisão de Lula e Kirchner, de criar um grupo de trabalho bilateral para discutir o tema foi entendida por integrantes dos dois governos como uma forma de assumir o protagonismo em uma discussão até agora capitaneada por Hugo Chávez - para desconforto das equipes econômicas dos dois governos, pouco entusiasmadas com o modelo de banco anunciado pelo venezuelano. Nos últimos dias de fevereiro, porém, Kirchner surpreendeu o governo brasileiro ao firmar, com Chávez, um memorando de entendimento para criação do Banco do Sul, em 120 dias, a partir das reservas internacionais de cada país.

O grau de sensibilidade política do tema pode ser avaliado pela coincidência entre o encontro Mantega-Miceli e a visita de Chávez a Buenos Aires, no mesmo dia, quando o venezuelano pretende liderar em um estádio de futebol argentino uma gigantesca manifestação contra o presidente dos Estados Unidos, George Bush - que estará, nesse momento, no Brasil e excluiu Argentina e Venezuela de sua atual ronda pela América Latina.

O Brasil, como já divulgou o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, apóia a reivindicação de Chávez, de um instrumento financeiro para a região, mas prefere fortalecer instituições já existentes. O candidato favorito da diplomacia brasileira e da equipe econômica é a Corporação Andina de Fomento (CAF), da qual os países da região são sócios, e que deve receber aumento do capital brasileiro.

O assunto provocou a criação de um grupo de trabalho na Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa). O grupo terá uma reunião em Buenos Aires, no dia 12, mas já recebeu a proposta oficial brasileira, apresentada pelo assessor internacional de Mantega, Luiz Eduardo Melin, que prevê criação gradual do banco, a partir de instituições que operam na região, e sem recurso a reservas dos governos (o Banco Central brasileiro se opõe veementemente a esse tipo de uso para as reservas).

Essa solução não agrada a Chávez, que quer um banco capaz de fazer empréstimos para projetos sociais sem o tipo de garantias e condições de mercado existente nos atuais organismos financeiros. Kirchner, por causa do calote na dívida argentina tem dificuldades de financiamento no mercado internacional e tem recebido apoio de Chávez, cujo governo foi comprador primário de mais de US$ 2 bilhões em novos títulos da dívida argentina.

Conviria ao presidente argentino uma instituição financeira em que a influência política tivesse mais peso que critérios técnicos, mas mesmo a fiel equipe econômica de Kirchner vê com alarme a liderança de Chávez nesta discussão, e a ausência do Brasil, até agora, no acordo firmado em fevereiro.

Mantega e o assessor internacional da presidência, Marco Aurélio Garcia, têm estimulado a associação do Brasil à formação do Banco do Sul, mas evitado se pronunciar sobre o modelo defendido por Chávez. Há forte preocupação no governo brasileiro em não transformar o tema em ponto de atrito entre os três governos, sócios no Mercosul. A forma de avançar nas discussões para criação do banco sem ceder a Chávez, mas também sem confrontá-lo é o desafio que Mantega e Miceli devem discutir.

Mantega deve levar a Buenos Aires outros temas econômicos, o que evitaria que a delicada discussão sobre o Banco do Sul monopolizasse as repercussões da visita. Tanto ele quanto Miceli e os respectivos presidentes dos Bancos Centrais, Henrique Meireles e Martín Redrado, consideram a formação de um banco do gênero um trabalho complexo, merecedor de cuidadosas análises técnicas. Algo que o prazo de 120 dias fixado por Chávez e Kirchner torna extremamente difícil. Autoridades brasileiras avaliam que não há ainda nenhum estudo sólido sobre a constituição do banco e que esse prazo será usado para elaborar uma proposta genérica, um modelo ainda sujeito a novas discussões.