Título: Inflação baixa na Argentina cria desconfiança no mercado
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 06/03/2007, Internacional, p. A14

O Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec) da Argentina, equivalente ao IBGE brasileiro, ficou mais uma vez sob suspeita ontem ao divulgar o índice de inflação oficial do país. Segundo o instituto, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) de fevereiro ficou em apenas 0,3%, comparado a 1,1% em janeiro e a 0,4% em fevereiro de 2006.

A queda da inflação no segundo mês do ano, comparado a janeiro, era esperada, por efeitos sazonais. Mas o índice ficou abaixo até dos 0,5% a 0,7% estimados pelo mercado financeiro e por economistas independentes. Segundo comunicado do Indec, os preços foram puxados para cima pelos alimentos, que subiram 0,7% e representaram uma alta de 0,8% na cesta básica. Os itens que puxaram o índice para baixo, de acordo com o Indec, foram as despesas com turismo, que teriam caído 0,8%, e os gastos com saúde, com 0,6% de queda.

Há hoje uma forte desconfiança no país com o IPC, gerada pelo próprio governo, desde que, no mês passado, interveio no Indec, demitindo as duas executivas responsáveis pela pesquisa de preços, substituindo-as por funcionários supostamente mais ligados à Secretaria de Comércio do Ministério da Economia. Após as mudanças, realizadas uma semana antes da divulgação do IPC e que incluíram alterações no método de cálculo, a inflação de janeiro ficou em 1,1%, menos da metade do previsto.

A primeiro reação do mercado à divulgação da inflação de fevereiro foi uma queda de até 3% na cotação dos bônus Discount, o papel da dívida argentina mais negociado, principalmente por investidores estrangeiros. O Discount, que vence no ano 2033, terminou o dia ontem cotado a 141,80 pesos, em baixa de 2,16%. Cerca de 40% da dívida pública argentina está atrelada ao IPC.

Desde janeiro, os funcionários do Indec estão em alerta e se rebelando pela intervenção governamental no instituto. Ontem passaram o dia em manifestações em frente à sede do órgão. Em entrevistas na TV, o presidente do ATE, o sindicato dos funcionários públicos do país, Daniel Fazio, disse que a intervenção afeta a credibilidade do Indec e que os funcionários querem que o governo comunique as mudanças metodológicas aplicadas para o cálculo da inflação, torne transparente os critérios de promoção de funcionários aos cargos mais elevados e que seja protegido o segredo estatístico. "Não somos contra mudanças nos critérios metodológicos, mas é preciso que elas sejam discutidas com a sociedade", afirmou Fazio.

"O objetivo claro da ação do governo sobre o Indec é produzir um índice de inflação mais baixo do que o real", avalia Luciana Diaz Frers, diretora do Programa de Política Fiscal do Centro de Implementação de Políticas Públicas para a Igualdade e o Crescimento (Cippec, na sigla em espanhol). Frers, que se diz "totalmente contra a mudança nos cálculos da inflação do país", afirmou que a atitude do governo terá impactos negativos em diversos setores, como nas negociações salariais e nos cálculos da dívida pública e do PIB (Produto Interno Bruto).

Com a intervenção feita em janeiro e as mudanças nos cálculos do IPC, "em um primeiro momento, o governo se saiu bem, porque ninguém falou mais de inflação, só da intervenção no Indec", diz Javier Alvaredo, sócio da consultoria MVA Macroeconomica. Mas, no longo prazo, diz esse economista, a "manipulação" do índice pode se virar contra o próprio governo, que perderá a credibilidade na negociação com seus credores.