Título: América Latina sofre com dilema cambial
Autor: Murakawa , Fabio
Fonte: Valor Econômico, 19/02/2013, Finanças, p. C20

O sucesso econômico de países como Chile, Peru e Colômbia gerou um efeito colateral indesejado: a valorização de suas moedas ante o dólar. É um cenário que prejudica a competitividade e rentabilidade das indústrias locais, além de conspirar contra a diversificação de economias com forte dependência da exportação de minérios, caso de Chile e Peru. Mas há também um lado positivo. Ao baratear importações, a apreciação cambial tem ajudado a conter a inflação em um período de crescimento da demanda interna, puxada pelo aumento da renda e pela alta dos preços internacionais de alimentos.

Com economias em expansão, e em meio à crise na Europa e ao baixo crescimento americano, Chile, Peru e Colômbia têm atraído um forte fluxo de dólares, seja via Investimento Estrangeiro Direto (IED) ou mercado de capitais, por conta dos juros mais altos do que os pagos nos países desenvolvidos.

No caso do Chile, o IED subiu 62,7% em 2012, para US$ 28,1 bilhões, segundo o banco central do país. Peru e Colômbia também atraíram investimentos para os setores de mineração e petróleo, respectivamente. Como resultado, suas moedas estão entre as mais apreciadas do mundo em comparação ao dólar, segundo levantamento do Bank of America Merrill Lynch (BofA), de 4 de fevereiro.

De acordo com o BofA, todas as moedas na América Latina, com exceção do peso mexicano, estão pelo menos 6% acima do seu nível de equilíbrio em relação ao dólar - a taxa que remunera o exportador sem desestimular importações necessárias a um país. À frente, está o peso colombiano, com sobrevalorização de 20,6%. O peso chileno está 16% acima, enquanto o sol, do Peru, está sobrevalorizado em 14,1% e o real brasileiro, 6,6%.

A apreciação do câmbio tem gerado declarações preocupadas de líderes dos três países. Mas, segundo analistas, a grita é mais forte na Colômbia, onde a economia é mais diversificada. "Na Colômbia, há uma preocupação com a desindustrialização, semelhante à que se vê no Brasil", afirma André Loes, economista-chefe para América Latina do HSBC.

Segundo Loes, o comércio exterior gira em torno de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) na Colômbia; 50% no Peru, e, 60% no Chile - no Brasil, o índice é de 20%. "A Colômbia tem uma economia mais fechada. E economias mais fechadas tendem a valorizar mais aspectos relacionados à produção doméstica", afirma Loes.

Segundo relatório do Eurasia Group, a apreciação cambial é um fator de pressão na Colômbia e no Peru, "particularmente à luz do pesado fluxo de IED nas suas indústrias extrativas". A instituição prevê que esses países devem adotar políticas mais agressivas de acúmulo de reservas neste ano, principalmente a Colômbia. "O setor exportador, que tem sido afetado pelo peso mais forte, exerce muita influência, e as pressões sobre o presidente Juan Manuel Santos para que dê algum alívio crescerão, à medida que as eleições de 2014 se aproximam."

No início do mês, o ministro da Fazenda colombiano, Mauricio Cárdenas, anunciou novas medidas para conter a apreciação cambial. O plano incluiu a redução da rolagem da dívida externa de US$ 3,6 bilhões para US$ 2,6 bilhões neste ano. A diferença de US$ 1 bilhão será usada para quitar compromissos do país no exterior. Como o governo irá ao mercado comprar dólares, será mais um instrumento para desvalorizar o peso.

Antes, Cárdenas já havia anunciado o aumento das compras de dólares à vista, de US$ 500 milhões para US$ 750 milhões mensais. Além disso, pediu à estatal de petróleo Ecopetrol que busque financiar mais de 50% de sua dívida na moeda local. O ministro colombiano deseja que o dólar, cotado em cerca de 1.780 pesos, suba a 1.950 pesos, o que ficou conhecido no país como "dólar Cárdenas".

As medidas foram consideradas tímidas por analistas como Cesar Ferrari, ex-diretor do Banco Central do Peru. "Uma coisa é sair comprando todo o excedente do mercado de divisas, para manter uma taxa de câmbio competitiva. Outra é comprar de maneira insuficiente, porque assim a taxa segue caindo", diz. "O paradoxo é que o governo vai comprando dólares cada vez a taxas menores, porque nunca compra o suficiente, gerando perdas cambiais para si próprio."

No Chile e no Peru, os governos também têm expressado preocupação, mas têm feito pouco além de comprar dólares à vista.

Recentemente, o ministro da Fazenda do Chile, Felipe Larraín, lamentou as "desvalorizações competitivas das moedas globais", referindo-se à injeção de dinheiro de países como os EUA e os europeus, o que, segundo ele, pode resultar em mais protecionismo.

Segundo João Pedro Buchamar, da equipe de macroeconomia do Itaú Unibanco, no caso peruano a preocupação é maior com a oscilação da moeda do que com a valorização do câmbio. "Por se tratar de uma economia parcialmente dolarizada, qualquer volatilidade gera distorções enormes na economia", diz. "Por isso, o Banco Central é muito atuante para atenuar qualquer movimento da moeda, não necessariamente o de apreciação."

Para o BofA, a América Latina está atrasada na "guerra cambial". Para outros, a valorização do câmbio é inevitável. Alberto Ramos, economista-chefe do Goldman Sachs para a América Latina, defende que faz parte do ajuste global que as moedas emergentes se apreciem, enquanto as dos países desenvolvidos se depreciam. Segundo ele, os latino-americanos têm mais armas para combater a apreciação que EUA e Europa: além da política monetária, podem atuar na área fiscal, o que não é possível no mundo desenvolvido.

Sandra Manuelito, da divisão de Desenvolvimento Econômico da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), acha que dificilmente os países sul-americanos conseguirão colocar o dólar no nível desejado. "Qualquer medida que se adote permitirá mitigar o problema, mas não revertê-lo em sua totalidade", diz. "Isso depende muito de como evoluem os preços das commodities ao longo do ano, bem como a situação dos mercados internacionais, que têm bastante incerteza."