Título: HSBC recupera investimento no Brasil
Autor: Carvalho, Maria Christina
Fonte: Valor Econômico, 05/03/2007, Finanças, p. C14

O banco britânico HSBC divulga hoje o balanço global de 2006 e, ao longo da semana, detalha os resultados no Brasil, que costuma contribuir com 2% do lucro mundial. Desta vez, a participação pode até subir diante da expectativa de problemas com a inadimplência no mercado americano. Mais do que isso, os números devem mostrar que o HSBC vai finalmente recuperar tudo que já investiu em aquisições no Brasil.

Com o resultado de 2006, o HSBC terá acumulado no Brasil um lucro próximo dos quase US$ 2 bilhões que gastou no país desde a compra do Bamerindus, há dez anos. De 1997 a setembro passado, o HSBC Brasil já produziu um lucro superior US$ 1,5 bilhão.

Só o Bamerindus custou US$ 1 bilhão. Em 2003, a aposta no país foi dobrada com a aquisição das operações do Lloyds no país, por US$ 815 milhões. Por trás dos dois movimentos estava Michael Geoghegan, inicialmente chefe da área internacional do HSBC, que cuidava das operações na América Latina. Depois da compra do Bamerindus, Geoghegan se instalou no Brasil e presidiu as operações locais por sete anos. Voltou para Londres ao final de 2003 e, desde o ano passado, é presidente (CEO) do gigante britânico.

Geoghegan comandou a compra do Bamerindus como uma operação de guerra. Quinze dias antes de assumir o Bamerindus, um pelotão de 35 executivos do banco britânico já estava no Brasil. Trazidos de várias partes do mundo, os especialistas nem tiveram tempo de aproveitar o sol ainda generoso de março no país: acampados no L' Hotel, passavam o dia estudando as regras locais, preparando-se para assumir o banco brasileiro, cuja quebra era esperada para qualquer momento. Havia o receio de que os funcionários brasileiros reagissem mal à aquisição por um banco estrangeiro.

A intervenção acabou sendo decretada dia 26 de março de 1997, às 18 horas. Duas horas antes, o ex-controlador, José Eduardo Andrade Vieira, esteve no Banco Central (BC) tentando mais uma vez resolver a aguda falta de liquidez do banco. Mas não sabia que a decisão de intervir já estava tomada e o BC só esperava o mercado fechar.

A quebra do Bamerindus era prevista há algum tempo. A estabilização econômica promovida pelo Plano Real abalou o sistema financeiro ao liquidar os ganhos inflacionários.

O primeiro dos grandes bancos a quebrar foi o Econômico, em maio de 1994. O Nacional foi em novembro de 1995, já com o Proer em vigor. Em 1996, o Bamerindus estava em agonia, com a sangria dos depósitos.

O HSBC se preocupava porque tinha uma fatia de 6,14% do banco brasileiro. Andrade Vieira queria que o sócio britânico capitalizasse o Bamerindus, mas não pretendia entregar o controle.

O Bamerindus já quase havia quebrado em 1986. O também britânico e então sócio do banco brasileiro, o Midland, posteriormente adquirido pelo HSBC, salvou a instituição ao trazer dinheiro de avião do exterior, lembra um executivo que acompanhou o caso.

O Bamerindus acabou se recuperando. No início da década de 90, lançou um produto inovador, a conta remunerada e, com isso, ganhou mercado. Mas tinha suas fragilidades, especialmente dívidas da extinta Superintendência da Marinha Mercante (Sunaman) e da empresa de papel do grupo de Andrade Vieira, a Impacel. Além disso, investiu muito na rede. Em 1986, tinha 600 agências; em 1997, chegou a 1.450.

O Bamerindus foi adquirido sob as regras do Proer, nos mesmos moldes que o Nacional foi assumido pelo Unibanco. O HSBC teve 180 dias para escolher com quais ativos queria ficar porque não houve tempo para fazer uma diligência antes para não haver interrupção no funcionamento do banco. Por contrato, poderia devolver alguns ativos, o que acabou acontecendo com imóveis e aviões, por exemplo. O HSBC só quis as operações bancárias. Foi montada uma conta gráfica com o Bamerindus. O Bamerindus ficou sob intervenção por seis meses, prorrogados por mais seis. Aí foi decretada a liquidação extrajudicial.

As relações entre os dois bancos eram antigas. Desde a década de 80, o Bamerindus tinha uma parceria estreita com o Midland, banco também britânico, adquirido pelo HSBC em 1992.

Em 1986, o Midland montou um banco de investimento no Brasil, o Midbank Banco de Investimento, em joint venture com o Bamerindus e a construtora Mendes Junior. Na época, os bancos estrangeiros só podiam entrar no mercado brasileiro em parceria com investidores locais e com participação limitada a um terço do capital. O Midbank era especializado na operação de relending, o empréstimo de recursos externos que estavam bloqueados no Banco Central desde a crise da dívida de 1982. O Midbank acabou vendido para a Volvo, que criou o Transbanco, no final da década de 80. O Midland também tinha uma parceria com o Bamerindus em uma empresa de leasing desde 1988, depois vendida. Na década de 90, o Midland ficou só com escritório de representação no Brasil.

O HSBC, por sua vez, tinha um escritório de representação no país desde 1978, quando era chamado de Hong Kong and Shangai Banking. Em 1986, comprou o Crocker, que era o terceiro maior credor do Brasil, com uma linha de financiamento ao comércio exterior de US$ 600 milhões. Chegou a ter um banco no país, o Hexabanco, em sociedade em partes iguais com um empresário local. A sociedade muito desigual não prosperou e o banco acabou vendido.

Quando o HSBC assumiu o Midland, os dois escritórios no Brasil foram fundidos. O HSBC tinha acabado de transferir a sede de Hong Kong para Londres, e resolveu crescer em outras partes do mundo, como a América Latina.

O HSBC sempre esteve disposto a investir no Brasil. Chegou a ter uma lista de cinco bancos alvos que o interessavam, entre os então maiores do mercado. O Bamerindus era um deles. Dos outros quatro, apenas um ainda existe.

As relações antigas do Midland com o Bamerindus favoreceram a parceria com o banco de Andrade Vieira. Ela começou com um investimento de US$ 65 milhões, equivalente a 6,14% do banco, feito em novembro de 1994. O próprio chairman - na época, William Purves - tomou a decisão de investir, apesar dos riscos. A idéia era fazer uma parceria em financiamento ao comércio exterior. Em 1996, o HSBC baixou a prejuízo todo o investimento.