Título: Em três anos, Receita quintuplica uso de norma de interpretação
Autor: Marta Watanabe
Fonte: Valor Econômico, 11/01/2005, Brasil, p. A2

A Receita Federal está intensificando o uso de um instrumento chamado "ato declaratório interpretativo". Para os tributaristas, esse tipo de regulamento que, como o próprio nome permite deduzir, serve para expressar a interpretação da Receita sobre uma determinada lei, tem sido usado também para criar regras novas e fazer restrição à aplicação de previsões legais. Em 2001, foram sete atos desse tipo. O número subiu para 27 em 2002 e, em 2004, para 35. "Esse é um instrumento que tem sido cada vez mais usado pela Receita", diz Sérgio Presta, do Veirano Advogados. "Em alguns casos, os atos vão além das suas atribuições", analisa o consultor Roberto Salles, da Branco Consultores. Um dos últimos atos declaratórios publicados pela Receita Federal em 2004, por exemplo, tem gerado polêmica. Pelo Ato Declaratório nº 27/2004, a Receita Federal restringe a aplicação de um tratado internacional assinado entre Brasil e Espanha para evitar dupla tributação. O tratado vem sendo usado como base para as empresas deixarem de reter o Imposto de Renda (IR) na fonte sobre a remessa de royalties por serviços prestados por empresas espanholas a companhias brasileiras. Com o objetivo de "prevenir a evasão fiscal" de IR, o ato restringe o artigo sétimo do acordo internacional, exatamente o dispositivo utilizado como base para as contestações judiciais. O artigo sétimo é o que garante que os lucros de uma empresa só podem ser tributados pelo país em que está sediada a companhia. Os valores remetidos ao exterior como pagamento por serviços prestados, portanto, não poderiam ser tributados pelo IR porque são receitas que darão origem aos ganhos da empresa estrangeira. Para os tributaristas, o ato da Receita pode ser o primeiro de uma série para derrubar o argumento das empresas, já que o artigo sétimo tem redação semelhante em outros tratados mantidos pelo Brasil. Para Salles, é possível contestar a restrição determinada pelo ato declaratório, já que a norma é uma regulamentação da Receita. "Um ato declaratório não poderia restringir previsões de um acordo internacional entre dois países", argumenta. A Receita Federal nega que o órgão legisle por meio de ato declaratório e que, se as empresas entendem que isso acontece, elas têm o direito de questionar o assunto no Judiciário. A Receita diz que os atos declaratórios em relação a tratados internacionais serão publicados "sempre que necessário". O consultor Roberto Haddad, também da Branco Consultores, lembra que, entre os tratados internacionais, os que mais podem ser alvos da Receita nesse assunto são os que, à semelhança ao acordo do Brasil com a Espanha, possuem um protocolo que consideram como "royalties" os valores pagos como serviços técnicos ou de assistência técnica. Isso acontece em pelo menos 17 tratados mantidos pelo Brasil. Entre eles, com China, Itália, Portugal e Canadá. Para o advogado Paulo Vaz, do escritório Levy & Salomão, nesse caso a Receita Federal ficou com uma vantagem ao usar o ato declaratório interpretativo, e não o normativo, para regular a questão. "Se o ato fosse normativo, criaria-se uma nova norma que passaria a vigorar a partir de sua publicação. Como o ato é interpretativo, a Receita quer dizer que a norma sempre valeu da forma como ela a interpreta." Não é a primeira vez que a Receita solta um ato declaratório que impõe restrições a um tratado com a Espanha, explica a advogada Ana Carolina Monguilod. Em 2002 um ato da Receita também fazia restrições a um benefício concedido pela Espanha. "Esse ato provocou uma troca de cartas entre a Espanha e o Brasil. Essa correspondência acabou dando origem ao novo ato."