Título: Serra inicia hoje negociação de dívida de curto prazo com fornecedores
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 11/01/2005, Política, p. A5

O prefeito de São Paulo, José Serra, começa hoje a negociar a dívida de curto prazo da prefeitura com os fornecedores e prestadores de serviço que estão sem receber seus créditos desde há várias semanas. A negociação será aberta hoje, com uma reunião com a Associação das Pequenas e Médias Empresas de Construção Civil (Apemec). Segundo os credores, a reunião não deverá ser tranqüila e Serra poderá ter dificuldades para fechar um acordo semelhante ao feito pela sua antecessora, Marta Suplicy, em 2001. Na ocasião, a prefeita parcelou os débitos que herdou da gestão de Celso Pitta (1997-2000) em quatro anos. Quem preferiu receber tudo em 2001 teve que aceitar um desconto de 12% a 25% na fatura. A diferença é que Pitta concentrou suas obras no começo da gestão e Marta, no final. Deste modo, ao assumir, a petista não se deparou com um quadro de muitas obras paradas e pôde negociar em posição de força. Agora, ocorre o oposto: existem 40 obras em andamento e Serra entra na negociação em posição vulnerável. "Se o Serra não pagar, não terá as obras concluídas. O espaço para negociar é pequeno. Iremos ao governo para exigir e cobrar", afirmou Luiz Alberto de Araújo Costa, um dos diretores da Apemec. Entre as obras que poderão parar, está a de construção de novas escolas para substituir às chamadas "escolas de latinha", feitas em galpões de metal. Segundo o presidente da Apemec, Flávio Aragão, a prefeitura deve R$ 50 milhões aos associados. Cerca de R$ 20 milhões estão na conta dos restos a pagar processados, dívida reconhecida pela prefeitura. O restante corresponderia a serviços prestados cujos empenhos teriam sido cancelados no decreto editado por Marta em 28 de dezembro. No fim do ano passado, a então prefeita Marta Suplicy cancelou R$ 562 milhões de empenhos não liquidados no Orçamento e inscreveu R$ 548, 2 milhões como restos a pagar processados (com cobertura orçamentária). Credores de diversos tipos afirmam que teriam sido cancelados empenhos por serviços já prestados, ou seja: o governo petista teria deixado de reconhecer débitos reais. Há relatos de restos a pagar ainda do governo Celso Pitta (1997-2000), que não teriam sido quitadas pelo governo Marta. De acordo com o presidente do Sindicato de Empresas de Limpeza Urbana, Ariovaldo Caodoglio, que aguarda a sua vez de ser recebido, só na sua área seriam R$ 80 milhões referentes ao exercício de 2000. O sindicato de Caodoglio foi o mais atingido pelo decreto de Marta, já que os empenhos cancelados na área de limpeza urbana atingiram R$ 226 milhões. Segundo o dirigente, quase a totalidade corresponde a serviços efetivamente realizados. "De setembro para cá, as faturas dos serviços efetivamente prestados não foram liquidadas. E não há como o credor paralisar a prestação deste serviço", disse Caodoglio. Na troca anterior de administração, os fornecedores enfrentaram situação análoga, mas o prefeito que estava saindo então, Celso Pitta, procedeu de maneira diferente da petista. Pitta cancelou R$ 534 milhões de empenhos não liquidados do exercício de 2000 e R$ 289 milhões de restos a pagar de exercícios anteriores. Esta última cifra corresponderia a serviços realizados e não pagos, cujo destino foi se transformar em precatórios judiciais que continuam sendo cobrados até hoje, segundo informação de fornecedores. No total, o prefeito cancelou débitos de R$ 823 milhões. Pitta ainda inscreveu R$ 353 milhões como restos a pagar para o exercício seguinte. A contabilidade do prefeito acabou sendo rejeitada pelo Tribunal de Contas do Município (TCM), seis meses depois. Marta reexaminou os restos a pagar inscritos por Pitta e destacou R$ 207 milhões para cancelá-los, somando-os aos R$ 823 milhões que o ex-prefeito já cancelara. Os credores que alegaram que o serviço havia sido feito se submeteram a uma auditagem pela prefeitura. As tentativas de questionar judicialmente a iniciativa do governo petista fracassaram. "É muito complicado provar judicialmente por qual critério se julga que um serviço foi efetivamente prestado", lamentou Araújo Costa. O destino da negociação provoca nervosismo no novo governo municipal. "Esta é a maior preocupação da nossa pasta", afirmou o secretário municipal de Saúde, Claudio Lottemberg, que afirmou existir uma dívida acumulada com fornecedores de R$ 110 milhões. Colaborador de Serra durante a campanha eleitoral, o economista José Roberto Afonso comentou que a possibilidade de reconhecimento de dívidas muda a forma do administrador. "Agora ao invés de restos a pagar, temos despesas a empenhar", afirmou. Apesar dos débitos atrasados com fornecedores, não há provas de que a administração petista cancelou empenhos não liquidados cujos serviços foram prestados, o que seria burlar a lei de responsabilidade fiscal e poderia levar à rejeição das contas da prefeitura de 2004. Segundo especialistas em contas públicas, verificar se isso de fato ocorreu exigiria checar fase por fase de cada empenho, o que poderia demorar anos. Nem mesmo em relação aos restos a pagar cancelados por Pitta há evidências cabais de que isso tenha ocorrido. Tanto que a rejeição das contas da prefeitura no ano de 2000 tiveram como motivo mais forte a não aplicação de recursos para educação dentro do limite constitucional, e não o balanço final da prefeitura. (Colaborou Cristiane Agostine, de São Paulo)