Título: Ministério da Justiça investiga cartel em transporte de carga
Autor: Campassi, Roberta e Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 05/03/2007, Empresas, p. B1

O Ministério da Justiça iniciou investigação de cartel contra companhias aéreas que fazem transporte de carga e correio. No final de janeiro, foram realizadas ações de busca e apreensão na sede de três empresas.

Ao todo, sete companhias aéreas figuram como rés na "averiguação preliminar" instaurada pela Secretaria de Direito Econômico (SDE). São elas: American Airlines, Air France-KLM, Lufthansa Cargo, Absa, VarigLog, Alitalia e Swiss. Três delas também são alvo de investigação por formação de cartel no exterior.

A suspeita da SDE é de que essas companhias aéreas teriam feito acordos entre si para elevar, ao teto máximo permitido, as sobretaxas de combustível cobradas sobre as tarifas de transporte de carga, entre 2003 e 2005. Esse adicional pode ter representado até 30% do valor dos fretes. Ou seja, se a existência de cartel for comprovada, os clientes que usaram os serviços das empresas no período de dois anos terão sido prejudicados por pagar as sobretaxas máximas.

O adicional de combustível é um mecanismo usado pelas empresas aéreas para repassar aos clientes - tanto do segmento de cargas quanto de passageiros - parte da elevação nos preços do querosene de aviação.

No fim de janeiro, a SDE realizou ações de busca e apreensão de documentos nas sedes brasileiras das empresas American Airlines, VarigLog e Air France-KLM. Nessas ações foram obtidas várias provas à investigação de formação de cartel no setor.

As ações de busca e apreensão só foram possíveis porque uma das empresas participantes do cartel resolveu entregá-lo às autoridades brasileiras. Segundo o Valor apurou, a denunciante foi a alemã Lufthansa. Ela teria assinado um "acordo de leniência", pelo qual se dispôs a colaborar nas investigações em troca de redução de uma eventual pena. A Lufthansa teria entregado provas à SDE e, com base nestes documentos, a secretaria obteve autorização da Justiça Federal para entrar na sede das companhias e apreender material.

A Lufthansa teria procurado o Ministério da Justiça para delatar as demais empresas após diversos países em que ela opera terem começado a investigar a existência de conluios na indústria de aviação civil.

Um dos indícios de formação do cartel é o fato de que as empresas investigadas fazem parte da Junta de Representantes de Companhias Aéreas Internacionais no Brasil (Jurcaib). A entidade teria sido uma facilitadora para que as empresas concordassem em equalizar as sobretaxas cobradas sobre os fretes.

O Ministério da Justiça também está analisando se as empresas United Airlines, Delta, JAL, TAM e Continental - que também fazem parte da Jurcaib - teriam participado de acordos. Existem referências a essas empresas nas investigações, mas, por enquanto, não há provas concretas contra elas. O fato de pertencerem à Jurcaib pesa contra elas.

As investigações podem dar início a um processo contra as empresas dentro da SDE, a quem caberá um parecer. Após o posicionamento da SDE, o processo seria julgado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Numa eventual condenação das companhias aéreas, elas podem ser chamadas a pagar multas que variam entre 1% e 30% de seus respectivos faturamentos. Os executivos das empresas também poderiam receber punições, sendo convocados a pagar multas e até inabilitados de atuar no setor.

Com exceção da Absa e da VarigLog, que são brasileiras e transportam apenas cargas, as demais investigadas são estrangeiras e atuam também no segmento de passageiros. Segundo informações do anuário de transporte aéreo (2005) da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), American Airlines, Lufthansa, Absa e Air France são algumas das empresas com maior participação no transporte internacional de carga e correio cujo destino ou origem é o Brasil. As companhias estrangeiras detém 59% desse mercado mas não divulgam as receitas obtidas no país. A Absa faturou R$ 187 milhões em 2005.

Já no mercado doméstico, onde as empresas estrangeiras praticamente não atuam - a VarigLog tem a participação mais expressiva. Se essa participação for calculada com base da receita da companhia (R$ 180 milhões em 2005) e no quanto o mercado doméstico de cargas movimentou (R$ 1,4 bilhão), ela é de 13%. Se for calculada com base na sua oferta (medida em toneladas/ quilômetros) sobre a oferta total, a participação é de 3,7%. Isto porque excluem-se as operações feitas em conjunto com a Varig, sua ex-controladora.

Procuradas pelo Valor na sexta-feira, as empresas Air France-KLM, Alitalia e Absa não quiseram se pronunciar. A VarigLog não retornou o pedido de entrevista. Na American Airlines, o porta-voz não foi encontrado e a Lufthansa informou que só poderia se pronunciar hoje. A Swiss, ex-Swissair, faz parte do grupo Lufthansa.

No dia 23 de fevereiro, a American Airlines, maior companhia aérea do mundo, informou num documento enviado à Securities and Exchange Commission (SEC), órgão que regula o mercado de capitais nos Estados Unidos, que estava sendo investigada pelas autoridades brasileiras acerca da cobrança das sobretaxas de combustível. A empresa disse que também é alvo de inquérito nos Estados Unidos, Europa, Nova Zelândia e Suíça. Recentemente, uma ação judicial foi impetrada no Canadá alegando que ela violou as leis antitruste do país.

Em todo o mundo, mais de quinze empresas aéreas já são suspeitas de formação de cartel para a fixação dos adicionais de combustível. As primeiras investigações foram iniciadas nos Estados Unidos e União Européia.

No Brasil, a cobrança das sobretaxas é usual entre as empresas de transporte de carga. Há duas metodologias para estabelecer o adicional. Uma delas é calcular uma porcentagem a ser paga sobre o valor do frete conforme o preço do combustível. A outra é calcular uma quantia em dólares a ser paga por quilo transportado em função de um índice de preços do petróleo.

É esta segunda metodologia que vem sendo usada pelas empresas investigadas. A Anac é responsável por atualizar o índice de preços do combustível e, conseqüentemente, o valor da sobretaxa a ser cobrada. O teto máximo possível é de US$ 0,60 por quilo.

Em razão das constantes elevações do querosene de aviação na década de 90, e, em particular, em 1996, a Associação de Transporte Aéreo Internacional (Iata, na sigla em inglês) elaborou a metodologia que relaciona preço do combustível e valor da sobretaxa.

No Brasil, o Departamento de Aviação Civil (DAC) - substituído pela Anac em 2006 - não autorizou num primeiro momento o uso deste índice pelas empresas que transportam cargas em território nacional.

Após diversos pedidos das empresas, o DAC resolveu autorizar o uso da tabela da Iata, porém exigiu que cada adicional fosse informado previamente. As empresas fizeram nova investida e, posteriormente, o DAC decidiu autorizar o uso da tabela em definitivo.

No Brasil, já existe um processo na SDE movido pela Associação Brasileira de Agências de Viagem (Abav) em que dez companhias aéreas - entre elas a British Airways, a Delta e a Continental - são acusadas de formação de cartel para reduzir o valor das comissões pagas aos agentes de viagens . O processo teve início em 2000 e ainda não foi concluído.

Em 2004, as empresas Varig, Transbrasil, TAM e Vasp foram condenadas pelo Cade a pagar multa correspondente a 1% de seus faturamentos por terem formado cartel para elevar os preços cobrados na ponte-aérea.