Título: Criação de fundo divide africanos e sul-americanos
Autor: Exman , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 21/02/2013, Brasil, p. A4

Um cabo de guerra entre diplomatas africanos e sul-americanos precede a chegada da presidente Dilma Rousseff a Malabo, Guiné Equatorial, onde é realizada a cúpula América do Sul - África (ASA). Os países africanos pressionaram ontem pela criação de um fundo de financiamento para impulsionar projetos nos dois continentes. Os países sul-americanos, entretanto, resistem. A solução negociada até agora é a criação de um grupo de trabalho para discutir o tema.

O debate ocorreu durante a reunião de altos funcionários dos 66 países que participam da cúpula. Hoje, ocorrerá um encontro entre ministros das Relações Exteriores e um fórum empresarial. Na sexta-feira, será a vez de chefes de Estado e governo se reunirem.

Nas negociações de ontem, porém, diversos países africanos cobraram a criação do fundo financeiro. Eles responsabilizaram a delegação da Venezuela, que ocupa a secretaria-executiva do grupo, pela demora em articular as conversas sobre o tema. Coube à representante brasileira, a embaixadora Maria Edileuza Fontenele Reis, subsecretária-geral política do Itamaraty, ponderar que a melhor saída seria a instituição de um grupo de trabalho sobre o assunto. O colegiado, acrescentou, poderia ter setembro como prazo para apresentar propostas concretas aos chefes de Estado e governo.

Nos bastidores, diplomatas sul-americanos diziam que seus países são economias em desenvolvimento, com suas próprias deficiências em infraestrutura e prioridades estratégicas. A criação de um fundo financeiro, segundo eles, teria que ser aprovada por diversos parlamentos e alertaram para o risco de que iniciativas ambiciosas não executadas "desmoralizem" a ASA. Os africanos, por sua vez, argumentaram que tentam criar o fundo desde 2009. Os recursos seriam direcionados a projetos de infraestrutura, energia e saúde.

A primeira cúpula América do Sul-África foi realizada em 2006, na Nigéria. A segunda, organizada em 2009, foi sediada pela Venezuela. Lá, os países adotaram uma declaração conjunta, na qual se comprometeram a "identificar iniciativas conjuntas, com base nas necessidades de cada bloco, para o financiamento e desenvolvimento de projetos". Dois anos depois, os ministros das Relações Exteriores do grupo acertaram a realização de estudos sobre a criação do fundo fiduciário. No entanto, reclamam os países africanos, a medida não saiu do papel.

Outra má notícia para os africanos foi a ausência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lula foi convidado para o evento, e teria um lugar de destaque na cerimônia de abertura. Seu discurso chegou a ser previsto nos folhetos distribuídos com a programação, mas Lula não comparecerá à reunião. Segundo a assessoria de imprensa, a decisão deveu-se a questões de agenda.

A informação de que Lula estaria na África no mesmo período em que a presidente Dilma Rousseff visitará o continente chegou a circular por Brasília nas últimas semanas. Dilma chefiará amanhã a missão brasileira na cúpula. Na sequência, viaja para a Nigéria.

O ex-presidente Lula realizará um périplo pela região em março. Visitará Nigéria, Guiné Equatorial, Gana e Benin. Até agora, sua assessoria de imprensa diz que não há detalhes sobre a agenda de Lula na África ou se fará palestras por empresas brasileiras que atuam na região.

O convite para Lula participar da abertura da cúpula América do Sul - África deve-se ao papel desempenhado pelo ex-presidente na criação do fórum de cooperação bilateral.

A ASA teve origem em 2005, durante visita de Lula à Nigéria. O então presidente nigeriano Olusegun Obasanjo, que também era esperado nesta cúpula, e não deve estar presente, manifestou o interesse na criação de um mecanismo de aproximação entre os países africanos e o Brasil. Lula aceitou a proposta, mas sugeriu que o instrumento incluísse também os demais países sul-americanos. Assim, a Nigéria organizou a primeira cúpula da ASA no ano seguinte.