Título: Montadoras buscam incentivos para crescer
Autor: Olmos, Marli e Góes, Francisco
Fonte: Valor Econômico, 05/03/2007, Empresas, p. B8

Com projetos de expansão industrial, as montadoras vêm mapeando o território brasileiro, em busca de atrativos fiscais. Mas, ao contrário do que aconteceu no passado, os governos estão menos sensíveis ao assédio do setor. Fábricas de carros continuam sendo objeto de desejo de qualquer Estado ou município. Mas os exageros que financiaram essa indústria, às custas de recursos de orçamentos públicos, mais debilitados hoje, parecem fora de cogitação.

Dentro de dois meses a Toyota deverá escolher o local da sua segunda fábrica de carros no país, um anúncio que vem sendo aguardado há meses. Além desse projeto, outras companhia do setor precisam expandir. A Ford está com a capacidade em Camaçari, na Bahia, esgotada e a General Motors busca meios para ampliar a produção da unidade de Gravataí (RS).

A soma dos projetos de expansão podem resultar em necessidade de investimentos que superam a marca de US$ 1 bilhão, segundo informações que as próprias empresas já forneceram sobre seus programas para o país.

A última onda de investimentos veio com o regime automotivo. Junto com a guerra fiscal entre Estados, o programa de incentivos do governo federal criado em 1995 ajudou a descentralizar a produção de veículos. Por outro lado, trouxe a renúncia de elevadas somas de recursos públicos.

O secretário de Desenvolvimento Econômico do Rio de Janeiro, Júlio Bueno, diz que o Estado tem interesse em atrair novos investimentos de montadoras. Admite que há conversações em curso com várias empresas. Mas, segundo ele, o incentivo tributário tem um limite. "A realidade fiscal do Estado implica ser mais realista", diz.

Bueno reconhece que o investimento de uma montadora tem o efeito de dinamizar a economia. Mas ressalva que as empresas precisam pagar impostos já que o Estado tem de investir em escolas, hospitais e infra-estrutura básica, incluindo estradas.

Segundo o secretário, o Estado do Rio tem instrumentos financeiros para oferecer às montadoras. Mas os benefícios serão os mesmos concedidos às empresas que já operam em solo fluminense. Um dos mecanismos é a desoneração de investimentos via diferimento de ICMS na construção das fábricas. Outra ferramenta é o financiamento de ICMS quando a montadora começa a comercializar os veículos.

Bueno diz que em 2007 o Estado terá retorno de cerca de R$ 100 milhões em incentivos fiscais dados a vários setores da economia nos últimos anos, incluindo a indústria automotiva. "Vamos continuar a apoiar o setor mas tudo tem limites. A diferença entre o remédio e o veneno é a dose", compara.

Na Bahia, um grupo de trabalho foi montado para rever os incentivos fiscais e as secretarias envolvidas já começam a pensar em beneficiar setores que necessitam de uso intensivo de mão-de-obra.

Muitos governantes cederam à indústria automobilística sonhando com os empregos. Mas a regra da desse setor, em todo o planeta, é perseguir o aumento da produtividade. O resultado está no os números. O nível de emprego baixou tanto nas montadoras como nos seus fornecedores desde a chegada das novas fábricas. Em 1994, ano anterior ao do regime automotivo, a indústria automobilística tinha 107 mil trabalhadores. Hoje são 93,6 mil. No setor de autopeças, o número de vagas caiu de 236,6 mil para 199 mil no mesmo período.

-------------------------------------------------------------------------------- "As montadoras têm um charme muito grande, mas hoje os Estados estão mais cautelosos", afirma um consultor --------------------------------------------------------------------------------

Quando as montadoras inauguravam as novas fábricas, em 2000, o professor da Universidade de São Paulo, Glauco Arbix, um dos mais graduados pesquisadores dessa indústria no país, escreveu um artigo no qual colocava em dúvida se essas empresas gerariam o dinamismo econômico alardeado pelos políticos.

"Continuo achando isso", diz hoje Arbix. "Mas, como a politica de curto prazo manda no Brasil, muita gente acha que a disputa dá certo", completa. Para o pesquisador, os benefícios de emprego e tributários somente se manifestam com mais intensidade no longo prazo. "No emprego, se você pesar o encolhimento resultante da tecnologia, os ganhos são ainda menores", diz.

Praticamente todos os projetos das últimas construções de montadoras incluíram renúncia fiscal, diferimento de impostos, crédito fácil, obras de infra-estrutura e doações governamentais.

"As montadoras têm um charme muito grande, mas os Estados estão mais cautelosos. Aquela era de se dar tudo no Nordeste já passou", afirma Alexandre Rands, sócio da consultoria econômica Datamétrica, que já fez estudos para o governo de Pernambuco no passado, quando a General Motors manifestou interesse de se instalar na região.

Pesa ainda para a resistência que os governos demonstram para ceder benefícios com a mesma intensidade do passado o desencantamento com alguns investimentos. O governo do Paraná teve de cobrar da Chrysler a devolução dos benefícios fiscais concedidos para a fábrica inaugurada em Campo Largo em 1998 e fechada três anos depois.

O governo do mesmo Estado ameaçou retirar incentivos da Renault por considerar que o tamanho da operação da montadora francesa ficou menor do que o anunciado. Em Caxias do Sul, a fábrica de caminhões americana Navistar, deixou o país quatro anos depois da inauguração.

Em São Bernardo do Campo (SP), a linha de produção da Land Rover durou oito anos. A empresa fechou as portas no ano passado. E em Juiz de Fora (MG), a fábrica de automóveis Mercedes-Benz sobrevive às custas de uma linha de montagem de peças que vêm da Alemanha.

Oficialmente, a Toyota é a única montadora a assumir que está procurando um local para ampliar a produção de carros, localizada hoje em Indaiatuba (SP). Outras argumentam que não pensam em expansões porque operam fábricas ociosas. Mas, silenciosamente, os executivos do setor têm visitado com freqüência os gabinetes dos governos em consultas sobre programas de incentivos.

Segundo fontes do setor, a indústria também prepara um documento para o governo federal, por meio do qual pretende reivindicar benefícios, necessários para desafogar áreas com capacidade tomada e para competir com a indústria de outros países emergentes.