Título: A agonia de Bandarra
Autor: Campos, Ana Maria
Fonte: Correio Braziliense, 15/12/2010, Cidades, p. 25

Afastado de suas funções, por unanimidade, pelo Conselho Nacional do Ministério Público, o ex-chefe do MPDFT - que comandou a instituição por dois mandatos - luta agora para manter-se na carreira, enquanto Deborah Guerner alega sofrer de doença mental

Ao tomar posse no cargo de procurador-geral de Justiça do DF, em julho de 2006, o promotor Leonardo Bandarra estava radiante por realizar uma ambição. Antes de ser nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele havia integrado por três vezes a lista tríplice eleita pela classe para a disputa pelo cargo de chefe do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Em duas situações, foi o mais votado pelos colegas. No discurso de estreia, ele citou o indiano Mahatama Gandhi: ¿As coisas que queremos e parecem impossíveis só podem ser conseguidas com uma teimosia pacífica¿. Seis meses depois de exercer dois mandatos como procurador-geral, ele agora terá de lutar pela sobrevivência na carreira em que ingressou por concurso público em 1994.

Afastado do cargo por decisão unânime do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Bandarra tem perspectivas negativas para o futuro próximo. Caso as suspeitas de vazamento de informações, concussão, formação de quadrilha e interferência na independência funcional de um colega sejam comprovadas, ele responderá a processo por perda do cargo e improbidade administrativa. Por enquanto, durante a suspensão cautelar decretada pelos conselheiros como forma de manter a integridade do MPDFT, ele e a promotora Deborah Guerner, também envolvida nas denúncias que surgiram na Operação Caixa de Pandora, continuarão recebendo o salário de R$ 24,5 mil, teto do funcionalismo.

Bandarra e Deborah, no entanto, terão os vencimentos e todos os direitos suspensos enquanto o desligamento da carreira estiver sob discussão na esfera judicial. É o que estabelece o parágrafo único do artigo 208 da Lei Complementar nº 75/93, que rege a carreira no Ministério Público da União. Uma das sanções previstas nesta lei é a demissão. A penalidade é aplicada, por exemplo, quando o promotor é acusado de vazamento de informações ou de lesão aos cofres públicos.

Os advogados do ex-procurador-geral afirmam que ele vem pagando por ter liderado um grupo de promotores que combateu o crime organizado. Mas a própria instituição que Bandarra integra acredita que ele, na verdade, está dentro do esquema de corrupção. Bandarra e Deborah Guerner foram denunciados pelo procurador regional da República Ronaldo Albo no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região. A conclusão do próprio Ministério Público na esfera criminal agravou a sua situação funcional. ¿O contexto probatório se fortaleceu consideravelmente¿, afirmou o corregedor nacional do MP, Sandro Neis. O relator, Luiz Moreira, sustentou que as acusações atingiram um patamar nunca antes ocorrido no âmbito do MP. O conselheiro Bruno Dantas declarou estar impressionado com a gravidade dos indícios incluídos sob sigilo no processo administrativo disciplinar.

Na sessão de segunda-feira no plenário do CNMP, Bandarra permaneceu durante mais de oito horas sentado na primeira fila, de frente para os conselheiros que julgavam o pedido de afastamento dele do trabalho, ouvindo todas as acusações. Em vários momentos, orientou a advogada, Gabriela Benfica. Ao ouvir do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, o resultado da sessão, ele se retirou sem falar com a imprensa. Usou uma saída pela copa para pegar o carro na garagem do prédio do CNMP.

A princípio, quando as denúncias contra Bandarra vieram à tona em novembro do ano passado, ele manteve a lealdade de muitos amigos no MP. No entanto, foi perdendo aliados à medida que as imagens gravadas pelo circuito interno de câmeras, instalado na casa dos Guerner, revelavam uma relação suspeita. No círculo profissional do ex-procurador-geral, os promotores sempre se constrangeram com a presença de Deborah. As cenas em que Bandarra aparece cochichando com Deborah, aparentemente preocupado com o vazamento do conteúdo das conversas, incomodou promotores.

Foi a própria instituição onde Bandarra já foi tão querido que tomou a iniciativa de pedir o afastamento cautelar dele do cargo. O Conselho Superior do Ministério Público do DF encaminhou ao CNMP pedido de revisão da decisão anterior, tomada em junho, que o manteve na função até a conclusão das investigações. Os processos de Bandarra serão redistribuídos para evitar a paralisação dos trabalhos. Embora tenha mantido alguns amigos que ainda acreditam em sua inocência, ele já não tem mais popularidade. Conforme disse a própria advogada na sessão do CNMP: ¿Ele já foi tão respeitado e querido pelos promotores e agora vê muitos deles lhe virarem as costas¿.

RELAÇÕES PROMÍSCUAS O promotor de Justiça Leonardo Bandarra é investigado por supostamente ter mantido relações promíscuas com os governadores José Roberto Arruda e Joaquim Roriz. Com Arruda, Bandarra mantinha uma relação pública de muita proximidade. De acordo com o ex-governador, o próprio Durval Barbosa, colaborador da Operação Caixa de Pandora, disse que integrantes do Ministério Público do DF recebiam dinheiro para favorecer Roriz.

O que diz a lei

A Lei Complementar nº 75/93, o Estatuto do Ministério Público da União (MPU), estabelece sanções para promotores de Justiça que respondem a processos administrativos disciplinares. De acordo com o artigo 239, as penas previstas são: advertência, censura, suspensão, demissão e cassação de aposentadoria ou da disponibilidade. A advertência é aplicada em casos de negligência no exercício das funções. Censura e suspensão de até 45 dias são penas para reincidentes em casos de negligência.

A demissão ou suspensão da aposentadoria e da disponibilidade são as penas para as seguintes situações: lesão aos cofres públicos, dilapidação do patrimônio nacional ou de bens confiados à sua guarda; improbidade administrativa; condenação por crime praticado com abuso de poder ou violação de dever para com a administração pública, quando a pena aplicada for igual ou superior a dois anos; incontinência pública e escandalosa que comprometa gravemente, por sua habitualidade, a dignidade da instituição; abandono de cargo; revelação de assunto de caráter sigiloso que conheça em razão do cargo ou função, comprometendo a dignidade de suas funções ou da justiça; aceitação ilegal de cargo ou função pública; reincidência no descumprimento do dever legal, anteriormente punido com a suspensão prevista no inciso anterior.

Problema psiquiátrico

A promotora Deborah Guerner entrou com pedido de aposentadoria por invalidez, sob a justificativa de estar acometida por uma doença mental, mas os integrantes do Conselho Superior do Ministério Público (CNMP) não se convenceram de que ela tem problemas psiquiátricos. Na sessão extraordinária ocorrida na última segunda-feira, o relator do processo administrativo disciplinar, conselheiro Luiz Moreira, sustentou indícios de que a promotora está ¿falseando descontrole emocional¿. De acordo com Moreira, ela passa uma impressão de artificialidade na loucura.

Depois de examiná-la, os peritos do Instituto Médico Legal (IML) do DF apresentaram um relatório ¿inconclusivo¿, ou seja, não puderam atestar que, de fato, Deborah tem alguma debilidade mental. O advogado da promotora, Pedro Paulo Guerra de Medeiros, sustenta que ela faz tratamento há vários anos e os psiquiatras dela elaboraram pareceres que comprovam a doença. Ao prestar depoimento no CNMP, Deborah se exaltou e em alguns momentos deu sinais de destempero emocional. O mesmo ocorreu quando policiais estiveram na casa dela para cumprir mandados de busca e apreensão. A promotora demonstrou que se sentia mal e desfaleceu.

Desde a Operação Caixa de Pandora, em novembro de 2009, Deborah não tem trabalhado em seu gabinete no segundo andar do prédio do Ministério Público do DF. Como promotora da área de Fazenda Pública, ela não ajuíza ações, mas dá pareceres em processos relacionados a recursos públicos. O relato dos colegas, no entanto, é de que Deborah nunca foi uma presença assídua. Durante três anos, ela se licenciou e se mudou para São Paulo, onde o marido, Jorge Guerner, mantinha negócios.

Na sessão do CNMP, os conselheiros decidiram anular um ato assinado por Bandarra, como procurador-geral de Justiça do DF, que criou uma comissão extraordinária encarregada de avaliar o estado de saúde de Deborah para efeito de aposentadoria por invalidez. O entendimento unânime do CNMP é de que ele não poderia tomar qualquer medida relacionada à colega com quem divide acusações. Para Moreira, as investigações comprovaram uma ¿amizade íntima ou ao menos muito próxima¿ entre os dois promotores. Por isso, segundo ele, Bandarra deveria saber que ela fingia incapacidade mental. A advogada Gabriela Benfica, que representa o ex-procurador-geral de Justiça do DF, sustentou que ele, como jurista, não poderia fazer uma avaliação médica da colega. (AMC)