Título: Indústria pesqueira inverte foco e mira mercado doméstico
Autor: Bouças, Cibelle e Cruz, Patrick
Fonte: Valor Econômico, 05/03/2007, Agronegócios, p. B12

As perspectivas de ampliação da captura de peixes no Brasil este ano, aliadas à perda de competitividade das exportações nacionais em virtude do câmbio, estimularam grandes indústrias pesqueiras do país a investir na ampliação das vendas no mercado doméstico.

Exemplo dessa tendência é a pernambucana Netuno. Maior exportadora brasileira de pescados, a empresa obteve nas exportações - principalmente de lagosta e camarão, que encabeçam a pauta nacional - cerca de 70% de seu faturamento nos últimos anos. Em 2007 pretende elevar as vendas internas em 50%, numa guinada que tende a igualar o peso dos mercados externo e doméstico em sua receita.

Com a estratégia, o grupo projeta um faturamento total de R$ 265 milhões neste ano, pouco mais de 20% superior ao registrado em 2006. E isso, conforme Eduardo Lobo, diretor de vendas e marketing da Netuno, com preços praticados estáveis ou mais baixos, até porque a empresa fechou o ano passado com 4 mil toneladas em estoque.

Em 2006, a Netuno e outras companhias, exportadoras ou não, tiveram que lidar com alguns percalços que não deverão se repetir neste ano. No caso da lagosta, foi a redução das reservas naturais que afetaram a oferta; no do camarão, a captura foi abalada pelo surto de mancha branca em Santa Catarina, importante pólo de carcinicultura.

Também prejudicaram as exportações a queda de 25% nos preços do camarão enviado à Europa, principal destino dos embarques brasileiros do produto, e a decisão européia de aumentar o número de testes para detectar a presença de histamina em pescados (um indicador do frescor), em setembro, que provocou elevação de custos.

Assim, as vendas externas do ramo atingiram US$ 351 milhões em 2006, 10% menos que no ano anterior, e a balança voltou ao vermelho. O superávit de US$ 102,752 milhões de 2005 derreteu e se transformou em déficit de US$ 75,917 milhões.

Nesse contexto, a Netuno decidiu investir em marketing no Brasil. Segundo Lobo, pela primeira vez a empresa fará campanha publicitária na TV para garantir bons resultados na quaresma, período que costuma representar 40% das vendas anuais de pescados no país. "Acredito que o avanço da produção de tilápia será um grande regulador de preços e oferta nesta Páscoa", afirma. Não por acaso, o grupo pernambucano inaugurou há dois meses, em Sergipe, uma unidade capaz de processar 20 toneladas de tilápia por dia, fruto de um investimento de R$ 35 milhões.

Matéria-prima disponível para processamento não deve faltar, uma vez que, conforme estimativa do Conselho Nacional de Pesca (Conepe), houve melhora nos estoques naturais de peixes de modo geral e a expectativa é que a captura alcance 1,2 milhão de toneladas neste ano, ante 1 milhão em 2006.

Outra que aposta na ampliação de sua participação no mercado nacional é a Qualimar. Entre outras ações nesse sentido, a empresa, também pernambucana, planeja investir R$ 15 milhões em uma indústria de beneficiamento na região metropolitana de Salvador em 2008, uma vez que o mercado baiano tem rendido bons frutos. Hoje, a única planta da companhia fica em Recife.

A Qualimar instalou uma filial de vendas em Simões Filho, na região metropolitana de Salvador, em novembro, e em dezembro as vendas já foram 20% superiores ao total estimado para os primeiros seis meses da operação, conforme Hélio Navarro Júnior, diretor da filial baiana. "Queremos completar um ano da operação da unidade baiana para entender todas as sazonalidades do mercado local, mas, com as vendas acima do esperado, os prazos foram encurtados", afirma o executivo.

A Qualimar foi fundada há 12 anos, tem 30 barcos próprios para captura e produz 2,6 mil toneladas de peixes, lagostas, camarões e outros frutos do mar por ano. A se confirmar o investimento previsto, a nova unidade baiana terá como foco o mercado interno, deixando para as exportações para a fábrica de Recife. A companhia nasceu dedicada exclusivamente à exportação, mas com a desvalorização do dólar o Brasil já responde por 50% das vendas. "Neste ano, o mercado interno deve superar o externo", diz Navarro.

Na Bahia, a Qualimar já é responsável pelo abastecimento de todos os hotéis da Costa do Sauípe e do complexo turístico Iberostar, que teve sua primeira etapa inaugurada no ano passado. A empresa está em tratativas para fechar contrato também com o Ecoresort, na Praia do Forte. Todos os empreendimentos ficam no litoral norte da Estado, onde concentram-se os investimentos estrangeiros em turismo.

Na área de conservas, o clima também é de entusiasmo com o mercado doméstico. A Gomes da Costa, controlada pela espanhola Conservas Calvo, espera voltar a crescer no Brasil neste ano. Em 2006, a empresa manteve as vendas em 50 mil toneladas de atuns e sardinhas enlatadas. A expectativa, segundo Matteo Candotto, gerente de marketing da empresa, é crescer 15% em volume em 2007. Para isso, aposta na produção de conservas com embalagens com a tampa "abre fácil". A empresa fará campanhas em pontos de venda em todo o país a partir desta semana.

"Com a recuperação nos preços das carnes de frango e boi, que são os principais concorrentes, o consumo de pescados voltou a crescer. Estamos animados", agrega Candotto. No exterior, apesar das dificuldades, a Gomes da Costa espera consolidar posição no Chile e na Argentina e iniciar vendas para outros países da América do Sul. "Vamos exportar pelo menos 15% mais". A expectativa é que 15% do faturamento da empresa venha das exportações em 2007.

A catarinense Femepe, terceira no mercado de atuns e sardinhas, depois da Coqueiro e da Gomes da Costa, também espera crescer neste ano, aumentando sua participação no mercado interno de conservas de 13% para 20%. A empresa também aposta na mudança de embalagem, com latas de alumínio (em vez de aço) e tampa "abre-fácil".

Neste mês, o grupo chega ao varejo paulista com as marcas Ocion e Navegantes. E também fará, pela primeira vez, campanha em mídia para expandir sua atuação. Hoje as vendas concentram-se na região Sul, conforme Otávio Lambert Neto, gerente nacional de vendas da Femepe. "Até falta produto em algumas regiões e estamos tendo que importar", afirma Lambert.

A Femepe é a única empresa de conservas que atua no Brasil que também pesca - as demais apenas processam. Conta para isso com 24 barcos próprios para captura de sardinhas e atuns e importa 20% do que produz, enquanto as concorrentes importam cerca de 40% do peixe que processam. "O nosso forte é o peixe nacional, é o que nos diferencia. Só trabalhamos com importados no período de defeso", diz Renata Bueno, gerente de marketing da empresa. Neste ano, com as previsões de melhora da captura, o custo com importações deve cair.