Título: Acordo com China não segura importação têxtil
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 08/05/2007, Brasil, p. A3

O acordo selado entre Brasil e China foi incapaz de brecar o expressivo crescimento das importações de tecidos e vestuário vindas do país asiático. A representatividade dos 70 produtos incluídos no acerto - cuja entrada no país é regulada por cotas - no total das importações de têxteis chineses caiu pela metade em um ano, cedendo de 61% em 2005 para 37% em 2006. Até o final de 2007, segundo estimativa da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), esse percentual pode recuar para 11%. Se a previsão se confirmar, o acordo - firmado em 2006 e que vigora até 2008 -, torna-se praticamente irrelevante.

Com base nesses dados, a indústria têxtil brasileira está solicitando ao governo brasileiro que reabra as negociações com os chineses. "O acordo é dinâmico e prevê esse tipo de ajuste", diz Fernando Pimentel, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). Ele explica que o setor está sujeito a mudanças no fluxo de produtos por conta da moda. Além disso, segundo ele, há indícios de que os importadores possam estar falsificando as classificações para burlar as cotas do acordo.

Longe de ser ineficaz, o acordo realmente dificultou a entrada de alguns produtos no país. O acerto entre os governos de Brasil e China entrou em vigor em abril de 2006, depois de várias reuniões de negociação. Em 2005, os produtos escolhidos, que estavam agrupados em oito categorias (tecidos de seda, filamentos de poliéster, tecidos sintéticos, veludo, camisas de malha, suéteres, jaquetas e bordados) somaram importações de 67,8 mil toneladas, ou 62,5% das 110,3 mil toneladas adquiridas pelo Brasil de têxteis chineses.

No final de 2006, as importações desse grupo de produtos chegaram até a cair levemente, 2,5%, para 66,2 mil toneladas. O problema é que esse volume representou apenas 37% das 175,4 mil toneladas de têxteis importadas no ano passado. Para 2007, as perspectivas são ainda mais complicadas. Com base nos três primeiros meses do ano, a Abit estima que as importações de camisas de malha, jaquetas, bordados, e demais produtos incluídos no acordo recuem 48,5%, para 34,2 mil toneladas. Esse volume significará 11,6% das compras brasileiras de produtos têxteis chineses. Mas é provável que esses dados mudem um pouco, já que a maior parte das importações de vestuário ocorre no inverno.

O que pegou de surpresa a indústria nacional foi o expressivo crescimento das importações das demais categorias de produtos têxteis. Enquanto as compras dos produtos dentro do acordo caíam 2,5%, as importações dos demais produtos saltaram expressivos 156% em 2006, para 109,2 mil toneladas. Esse percentual é muito superior aos 52% de alta registrados por esse grupo em 2005. De acordo com estimativas da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), as importações dos produtos excluídos do acordo devem subir mais 139% esse ano, chegando a 261,6 mil toneladas.

Graças a esse movimento, as importações brasileiras totais de produtos têxteis vindas da China subiram 59% em 2006 - primeiro ano de vigência do acordo, para 175,4 mil toneladas. O percentual é superior aos 35% de 2005. Estimuladas pela valorização cambial, com o dólar cotado a R$ 2, as importações de têxteis chineses podem aumentar outros 69% esse ano, atingindo 295,7 mil toneladas, conforme a Abit.

De acordo com Amando Meziat, secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, o governo está acompanhando as estatísticas e avaliando o que pode ter provocado essa discrepância. "Se houver alguma indicação de que está havendo uma migração fraudulenta, a solução é fazer um controle interno mais rígido", diz. Mas ele não descarta reabrir a negociação do acordo com os chineses, caso o aumento das importações tenha sido provocada por mudanças na dinâmica do mercado..

Dados fornecidos pela indústria nacional apontam que podem estar ocorrendo irregularidades. Com o início da vigência do acordo, as importações de jaquetas, por exemplo, recuaram 45% de 2005 para 2006. Já as importações de classificações similares cresceram 172% no período. A situação é parecida nos tecidos sintéticos. Enquanto as importações do produto caíram 13% no mesmo período, as compras de classificações semelhantes cresceram 329%. Em outros casos, os importadores buscaram adquirir o produto em outros países. As compras brasileiras de bordados chineses cresceram 47% entre 2005 e 2006, apesar do acordo. Mas as importações do mesmo produto de outras origens avançaram 330%.

O presidente da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (Abeim), Sylvio Mandel, nega qualquer tipo de fraude na importação dos produtos. Segundo o executivo, os importadores tiveram que pagar mais caro e buscar os produtos em outros mercados, como Vietnã, Bangladesh e Índia. "O Brasil hoje não tem malharias que sustentem o mercado de inverno. Com exceção do jeans, não há fabricação de jaquetas no país", diz o executivo. "A indústria de vestuário brasileira precisa se atualizar".

Mandel ressalta que a participação do vestuário importado no país é de apenas 3,6% do consumo. Nas lojas de departamentos e supermercados, o percentual fica entre 7% a 8%. "Já existem três barreiras protecionistas no setor. E quem sofre o dano é a classe média", diz o executivo. Além das cotas de importação dos produtos vindos da China, ele cita a adoção de um valor de referência para a importação de alguns produtos pela Receita Federal e o recente aumento da tarifa de importação para 35%.

Pimentel, da Abit, rebate que o acordo apenas "disciplinou" as importações, mas não "reduziu ou inviabilizou" o comércio. "Passado um ano desse acordo, é necessário observar e ver se está atingindo os objetivos", diz. "É necessário reabrir a negociação com os chineses o quanto antes". Ele afirma que uma boa oportunidade seria acompanhar a missão do governo brasileiro, que vai à China entre junho e julho.

De acordo com Meziat, do Mdic, o objetivo dessa missão é promover a exportação de produtos brasileiros para a China. No ano passado, as importações totais da China somaram US$ 800 bilhões. O governo está cruzando as duas pautas de comércio para verificar em quais produtos há oportunidades de venda além dos tradicionais soja, minério de ferro e petróleo. O secretário admite, no entanto, discutir a renegociação do acordo têxtil na viagem. "Vai ter lugar para tudo", diz Meziat.