Título: Para especialista, mudança em outros países partiu de governos neoliberais
Autor: Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 08/05/2007, Política, p. A8

"O direito de greve é uma conquista histórica dos trabalhadores. Coube a um governo com origens no movimento sindical desmontar e restringir as conquistas". A crítica não é de nenhuma das centrais que representam os direitos dos trabalhadores e sim do especialista em movimento sindical Ricardo Antunes. "O que em outros países aconteceu em governos neoliberais, no Brasil veio pelas mãos do presidente Lula ", diz o doutor em Ciência Política e professor livre docente na Unicamp. Antunes dedicou parte de sua carreira acadêmica aos estudos dos direitos dos trabalhadores e suas conquistas no Brasil e publicou, entre outras obras, de "Adeus ao Trabalho?" (Cortez/Unicamp), "O Novo Sindicalismo no Brasil" (Pontes) e "Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil" (Boitempo).

Antunes considera um "equívoco" do governo restringir o direito amplo de greve dos servidores públicos, que deve se concretizar com o projeto de lei que o governo federal enviará ao Congresso. No documento, o Executivo propõe que todo serviço público seja considerado fundamental e impõe medidas que restringem greves no setor. " A greve era proibida e isso foi revista com a Constituição de 1988, quando o servidor conquistou o amplo direito de greve. É um equívoco querer restringir", afirma. "É inaceitável considerar todo serviço público como essencial. O presidente fere o direito constitucional de fazer greve. O que é essencial? A compensação bancária vai ser considerada como serviço essencial?".

O especialista nas relações trabalhistas não vê com bons olhos a reivindicação feita pelas centrais, de colocar em pauta primeiro o acordo coletivo no setor público para posteriormente discutir a regulamentação das greves no setor. "São duas coisas diferentes. O que o governo está propondo é o cerceamento da liberdade de fazer greve", diz.

Antunes atenta para o fato de os direitos dos trabalhadores estarem em risco, tanto por conta das ações do governo, quanto pela falta de uma representatividade forte e independente das centrais sindicais. Ele faz ressalvas à atuação das duas maiores sindicais, Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Força Sindical, por atrelarem seus interesses ao governo. "As centrais estão vivendo o processo de 'neo-peleguismo da Era Lulista'. É a estatização dos sindicatos", aponta. "Se Lula foi anti-getulista na economia foi getulista na cooptação das centrais sindicais".

A CUT, que concentra em sua base os sindicatos do setor público, com ampla representação de trabalhadores da educação e saúde, por exemplo, apresenta a "situação mais grave", ao tentar equilibrar os interesses do governo com o dos trabalhadores.

Tanto a CUT quanto a Força dizem que não aceitarão a proposta do governo e contestam, além de regras claras para os acordos coletivos, a contratação de trabalhadores temporários para substituir os grevistas. "A CUT está criticando o governo nessa questão porque tem presença importante no funcionalismo público", diz. "Felizmente eles reservam o direito de greve, mas temo que seja mais uma declaração de princípios do que de ações", opina Antunes.

Antunes acompanhou as discussões dos trabalhadores, centrais e governo feitas no Fórum Nacional do Trabalho, na primeira gestão do governo Lula e analisa que "estiveram apenas os representantes da burocracia sindical" e, novamente, os direitos dos trabalhadores não foram contemplados nos documentos tirados no Fórum. "O fórum só garantiu vantagens para as centrais sindicais".

Ao tecer críticas sobre a aproximação das centrais ao governo, o professor pondera as conquistas dos trabalhadores destacadas pelo governo, como o aumento real do salário mínimo e o crescimento dos empregos com carteira assinada. "O crescimento da formalidade é expressão do pequeno crescimento do PIB. Não é conquista do governo Lula. A economia foi um céu de brigadeiro."

Outro ponto ressaltado por Antunes, ao criticar a atuação das centrais sindicais, é a negociação feita com o governo por sua legalização. "O reconhecimento das centrais vai levar uma parte do imposto sindical a elas. É o círculo da reestatização dos sindicatos. Eles não dependiam do imposto sindical, agora vão entrar em uma mamata", diz. "Querem imposto sindical, mas qual trabalhador é favorável ao desconto de um dia de trabalho para sustentar a burocracia dos sindicatos? É descontado se ele for sindicalizado ou não. Tem de ser uma contribuição voluntária", analisa.

Antunes não é unanimidade no governo federal, nem na CUT, tampouco na Força Sindical. Ele já esteve próximo ao PT e ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas hoje não poupa críticas ao "continuísmo" dos governos de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso feito pelo presidente. "Lula governa para os ricos, vive as benesses do poder e fala para os pobres", ataca. (CA)