Título: Sarkozy quer negociar nova política industrial na UE
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 08/05/2007, Internacional, p. A9

Nicolas Sarkozy, presidente eleito da França, quer negociar com os parceiros europeus uma política industrial com a marca do tradicional dirigismo francês no setor, avaliam analistas. Ele assume a sexta economia do planeta no dia 16 e, na primeira semana, planeja ir a Berlim e Bruxelas discutir o que parece ser uma nova barganha com os parceiros europeus.

Os franceses rejeitaram a Constituição européia há dois anos, paralisando o avanço do bloco. Na cúpula de junho próximo, a Alemanha, que ocupa a presidência rotativa do UE, quer definir como sair da crise até 2009.

O novo presidente já avisou que a "França está de volta à Europa", e vem com um plano para lançamento de negociações mais amplas sobre novas políticas na UE.

De um lado, acena com um "minitratado" constitucional, que poderá permitir ao bloco de 27 países funcionar de modo mais eficaz e recuperar agilidade de decisão. Ele promete ratificação no Parlamento, e não via referendo, como queria a candidata socialista derrotada, Ségolène Royal, para evitar o risco de nova rejeição popular.

De outro, Sarkozy pede a contrapartida. Quer a promoção de uma política industrial européia e reforçar a preferência comunitária contra produtos importados de países que não respeitariam padrões ambientais ou sociais.

"O sentimento geral na França é que a Europa é muito liberal", diz Olivier Louis, do Instituto Francês de Relações Exteriores (Ifri). "Sarkozy buscará que os países, e a UE globalmente, tenham mais possibilidade de intervir para ajudar empresas em dificuldades, criar grandes empresas, rever a política de concorrência, adotar uma prioridade industrial na UE."

O plano de ampliar a intervenção do Estado pode ser refletido na estrutura do novo governo. As especulações em Paris são de que Sarkozy planeja dividir o Ministério de Economia e Finanças. As finanças ficariam com um político, enquanto um grande ministério de estratégia econômica seria destinado a uma industrial.

Sarkozy não esconde que quer criar conglomerados para afrontar a concorrência externa. Isso irritou particularmente a Alemanha em 2004, quando, como ministro de Economia e Finanças, ele comprou uma briga com a UE pela maneira como socorreu o grupo industrial Alstom, contrariando os planos de aquisição pela alemã Siemens.

"Eu me bati, em nome do Estado. Compramos 20% da Alstom por 800 milhões de euros. Dois anos mais tarde, Thierry Breton [atual ministro] revendeu por 2,1 bilhões de euros. A Alstom é hoje uma das empresas mais lucrativas da Bolsa francesa. Os 25 mil empregos foram salvos", diz ele no site do UMP, seu partido.

Esse tipo de intervenção publica é vista na França como indispensável para preservar a indústria européia, observa o analista do Ifri. Mas as reestruturações não esperam os políticos. Passada a eleição, a PSA, grupo automobilístico, deve apresentar amanhã plano de suprimir 4.800 postos na França este ano.

Uma meta da política industrial de Sarkozy é evitar o outsourcing. No setor automotivo, empresas partem para países de baixo custo, para reduzir o preço dos veículos diante da concorrência japonesa, coreanas e futuramente chinesas.

Outra prioridade é o futuro da EADS, o consorcio aeroespacial franco-alemão, produtor do Airbus, que está paralisada por rivalidades entre os dois sócios. Sarkozy terá de decidir se vão entrar novos acionistas privados, financeiros e industriais na empresa. O problema na EADS é o plano de suprimir 10 mil empregos e fechar plantas de produção, para economizar 2,1 bilhões de eurospor ano a partir de 2010. O governo alemão quer cortar "eqüitativamente" os empregos entre os países. Os franceses reagem, dizendo que os alemães criaram boa parte dos problemas.

Outra questão complicada para o futuro governo francês é a liberalização do mercado de energia, a partir de julho, que pode elevar o preço ao consumidor, segundo economistas. Sarkozy precisará também decidir sobre a privatização de Gás de France, para que ocorra uma eventual fusão com Suez, outro grande grupo francês.

Para Pierre Defraigne, também do Ifri, o novo governo terá de ser mais realista ou ficará logo isolado no seu protecionismo. Mas Gerard Manuel, líder do setor agrícola francês e deputado do UMP, não duvida que Sarkozy negociará a aplicação de preferência comunitária. Isso significa subir alíquotas de importação, "mas de produtos asiáticos, que não têm os mesmos padrões de produção que os nossos". Lembrado que os asiáticos pouco exportam produtos agrícolas, o deputado retrucou: "Não exportam agora, mas podem fazê-lo no futuro. Nosso problema é a Ásia, não o Brasil."