Título: "Igreja tem estrutura voltada para um país rural"
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 08/05/2007, Especial, p. A12

Presidente até este ano da Fundação Cáritas Brasileira, o maior braço assistencial da Igreja Católica no país, o bispo de Jales (SP), dom Demétrio Valentini, é um dos expoentes da igreja progressista no país. Comandou o "plebiscito" contra a Alca em 2002, unindo a esquerda partidária com a esquerda dentro da Igreja. Também participou da organização do plebiscito contra a dívida externa e diversos "gritos dos excluídos" patrocinados pela CNBB. Em junho de 2003, assinou, em conjunto com Chico Buarque e Emir Sader, entre outros, uma carta endereçada a Lula, de repúdio à autonomia do Banco Central. Em 2005, comparou a marcha do MST para Brasília "com a longa marcha do povo de Israel", referindo-se aos episódios da vida de Moisés. Por telefone, concedeu a entrevista a seguir para o Valor.

Valor: Como o senhor explica a queda do número de fiéis no Brasil nas décadas de 70,80 e 90, que parece ter se estancado apenas nos últimos cinco anos?

Dom Demétrio Valentini: A Igreja Católica está sendo posta à prova. Ela demorou muito a se dar conta dos problemas em sua volta, porque era o único referencial que existia no plano religioso no país. Agora o contexto mudou muito. A pobreza extrema explica esta busca do religioso que desagua no crescimento de certas religiões manipuladoras. Quando a secularização avançar no Brasil, ela poderá ter até seu lado bom, porque vai purgar esta manipulação proselitista, se acompanhado da melhora das condições econômicas.

Valor: Mas em que parte o declínio católico no país se deve a problemas da própria Igreja?

Dom Demétrio: A Igreja é pesada, não tem agilidade para se sintonizar com contextos novos. Um exemplo: a formação de um padre pode levar até quinze anos, enquanto um pastor por vezes começa a pregar em três meses. Esta formação tão longa, que segue um padrão internacional, distancia o padre do povo. A Igreja Católica também continua com uma estrutura ultrapassada, como se o Brasil fosse um país rural, cheia de capelinha vazia no interior e ausente das periferias das grandes metrópoles. Poderia fazer uma reforma patrimonial.

Valor: A desarticulação das Comunidades Eclesiais de Base não colaborou para este afastamento?

Dom Demétrio: As Comunidades foram uma experiência muito válida de organização do povo. Foi uma pena que se lançasse uma suspeição generalizada sobre este caminho de transformação. Quem acusou a Teologia da Libertação de fazer política é quem fazia política. Não tenho qualquer dúvida que esta desconfiança em relação ao trabalho social que era desenvolvido colaborou para o recuo da Igreja. É uma lástima. A Igreja com isso perdeu diversidade, vai se tornando uniforme, distante das pessoas.

Valor: A Igreja não precisa procurar um caminho de unidade?

Dom Demétrio: A Igreja precisa cultivar a universalidade, mas admitir a diversidade em um mundo plural. E este é um problema para a Igreja Católica: enxergar a diversidade. A Igreja tem medo de admitir a diversidade.

Valor: Qual a sua impressão sobre o pontificado de Bento XVI. Não foi ele, como cardeal Ratzinger, que colaborou para a construção deste quadro atual?

Dom Demétrio: Bento XVI está surpreendendo. Ele é a continuidade personificada, mas sempre manteve autonomia. É um intelectual, marcado pela crise universitária de 1968. Até então era um teólogo progressista, mas a explosão de 1968 tornou-o refratário à modernidade. Assim como João Paulo II, também veio de uma Nação onde houve, em parte dela, uma experiência comunista. Teve pouca vivência pastoral, mas como papa, contrariou as previsões. Em Regensburg, ao criar aquela polêmica com o islamismo, ele na realidade criticou, e de modo perspicaz, o fundamentalismo religioso. Bento XVI surpreendeu também na política, quando adotou uma postura muito mais mais aberta que a de João Paulo II em relação à possibilidade da mulher assumir funções ministeriais na Igreja. (CF)